Chiquinho (ao centro) com seus funcionários. Abaixo, o hoje mais antigo
garçom da casa, Primo, se espelha no velho Cícero
No próximo sábado, Brasília e Beirute celebram bodas de ouro de uma
união em que cidade e bar se confundem em uma mesma história
Foliões do Pacotão ensaiam para a saída do mais tradicional bloco de
carnaval de Brasília, em 2006
Ao receberem a notícia do fim da ditadura militar, frequentadores se dão
as mãos para cantar o Hino nacional
As 70 mesas são as mesmas desde a inauguração. Feitas de madeira de ipê
e superfície de fórmica e fixadas no chão pelo próprio peso, elas fazem parte
do cenário que se tornou um dos símbolos da capital. Há 50 anos, o Beirute
recebe de braços abertos todos que queiram almoçar um bom filé à parmegiana ou
tomar uma cerveja gelada depois do trabalho. O cardápio pouco mudou. Numa noite
movimentada de quinta-feira, os garçons, com seus característicos blazers
vermelhos de lapela preta, levam de um lado para o outro as bandejas prateadas
com porções de especiarias árabes. Aliás, foram eles que ajudaram a criar a
aura folclórica de um dos mais tradicionais bares da cidade. É difícil
descobrir quem é o mais antigo na empresa.
Em uma roda de funcionários, eles começam a fazer os cálculos. Puxam pela memória para descobrir quem chegou primeiro e, no fim, parecem não ter certeza da resposta. Grande parte tem mais de 20 anos de casa. Com eles, não tem essa história de “camarada”, “patrão”, “amigo”. Eles sabem o nome dos clientes e também são chamados pelos nomes.
Todos esses ingredientes dão forma à principal característica do Beirute: a tradição. O pioneirismo está estampado em fotos e recortes de jornais colados na parede; na escada estreita que dá acesso aos banheiros, complicada de subir e descer após alguns drinques; ou na mesa mais charmosa, carinhosamente batizada de Dolores Duran.
A meia-idade, celebrada no próximo sábado, parece não lhe ter feito perder o fôlego. Mas os tempos são outros. A efervescente geração dos anos 1970 e 1980, que cresceu sob as rédeas curtas da ditadura militar, não provoca mais nas autoridades o receio de que o bar da esquina da 109 Sul seja um antro de conspiração de intelectuais, estudantes e artistas a serviço da subversão. Mesmo assim, ainda guarda ares de aceitação das pequenas contravenções.
Prestes a completar 50 anos, o Beirute parece ter muito tempo de vida e muitas histórias para contar. Virou livro. Lançou a própria cerveja. Foi cenário de filmes. Sua trajetória se confunde com a história de Brasília. Por lá passaram artistas como Rita Lee, Renato Russo e Cássia Eller. Alceu Valença escreveu a declaração Te amo, Brasília em uma das mesas do bar. Caetano Veloso até deu uma palinha de Coração vagabundo, dedilhando um violão emprestado por uma moradora da quadra.
Em 1984, com a notícia do fim do regime militar, o Hino nacional foi cantado de mãos dadas a plenos pulmões. José Sarney recebeu aplausos quando passou em frente ao prédio com as janelas do carro presidencial abertas. Chegou a acenar para os boêmios.
Os momentos históricos são contados com nostalgia por clientes que testemunharam as mudanças ocorridas no país nos últimos 50 anos. A impressão é que todos os moradores de Brasília têm alguma lembrança para compartilhar sobre as noitadas vividas no Beira. Mesmo quem não participou das algazarras homéricas nos tempos áureos do Beirute sabe que, por ali, 50 anos parecem não ser suficientes para abrigar tanta história.
Em uma roda de funcionários, eles começam a fazer os cálculos. Puxam pela memória para descobrir quem chegou primeiro e, no fim, parecem não ter certeza da resposta. Grande parte tem mais de 20 anos de casa. Com eles, não tem essa história de “camarada”, “patrão”, “amigo”. Eles sabem o nome dos clientes e também são chamados pelos nomes.
Todos esses ingredientes dão forma à principal característica do Beirute: a tradição. O pioneirismo está estampado em fotos e recortes de jornais colados na parede; na escada estreita que dá acesso aos banheiros, complicada de subir e descer após alguns drinques; ou na mesa mais charmosa, carinhosamente batizada de Dolores Duran.
A meia-idade, celebrada no próximo sábado, parece não lhe ter feito perder o fôlego. Mas os tempos são outros. A efervescente geração dos anos 1970 e 1980, que cresceu sob as rédeas curtas da ditadura militar, não provoca mais nas autoridades o receio de que o bar da esquina da 109 Sul seja um antro de conspiração de intelectuais, estudantes e artistas a serviço da subversão. Mesmo assim, ainda guarda ares de aceitação das pequenas contravenções.
Prestes a completar 50 anos, o Beirute parece ter muito tempo de vida e muitas histórias para contar. Virou livro. Lançou a própria cerveja. Foi cenário de filmes. Sua trajetória se confunde com a história de Brasília. Por lá passaram artistas como Rita Lee, Renato Russo e Cássia Eller. Alceu Valença escreveu a declaração Te amo, Brasília em uma das mesas do bar. Caetano Veloso até deu uma palinha de Coração vagabundo, dedilhando um violão emprestado por uma moradora da quadra.
Em 1984, com a notícia do fim do regime militar, o Hino nacional foi cantado de mãos dadas a plenos pulmões. José Sarney recebeu aplausos quando passou em frente ao prédio com as janelas do carro presidencial abertas. Chegou a acenar para os boêmios.
Os momentos históricos são contados com nostalgia por clientes que testemunharam as mudanças ocorridas no país nos últimos 50 anos. A impressão é que todos os moradores de Brasília têm alguma lembrança para compartilhar sobre as noitadas vividas no Beira. Mesmo quem não participou das algazarras homéricas nos tempos áureos do Beirute sabe que, por ali, 50 anos parecem não ser suficientes para abrigar tanta história.
Fachada do velho Beira em 1975: quase nenhuma
mudança na estrutura física ao longo de cinco décadas
O mais icônico garçom do Beira, Cícero, que se aposentou no ano passado,
festeja 25 anos de casa em 2007
Tempo de celebrar
No próximo dia 16, serão comemoradas as bodas de ouro de Brasília com o
seu bar mais tradicional. E, certamente, a figura mais importante dessa
celebração é o cearense Francisco Marinho, 79 anos. Seu Chiquinho chegou a
Brasília em 1968 — dois anos após uma dupla de imigrantes libaneses ter
inaugurado o Beirute. Ao lado dos irmãos Bartolomeu e Aluísio, começou a
trabalhar como garçom no bar que viria a comprar em 1970. “Naquela época, a
casa estava um pouco caída porque tinham inaugurado o Arabeske, um concorrente
daqui. Eu e meus irmãos juntamos um dinheirinho, conseguimos um empréstimo e
fizemos a proposta ao dono, que era nosso patrão. Daí, começou a propaganda em
toda a cidade: muita gente começou a vir aqui para conhecer o bar que tinha
sido comprado pelos garçons.”
Em 1999,
a família beirutiana sofreu uma perda que abalou os negócios da família. O
irmão e sócio Bartolomeu Frota Marinho morreu, aos 58 anos, vítima de um câncer
no pulmão. A perda de Bartô foi um dos momentos mais difíceis da trajetória do
lugar. “A morte dele me surpreendeu muito. Poderia ter sido eu. Mas eu botei na
cabeça que a vida é isso mesmo. É passageira. Cheguei à conclusão que o barco
devia continuar navegando”, reflete Chiquinho.
Após a
morte de Bartô, Aluísio voltou para o Ceará e Chiquinho assumiu sozinho o
comando do Beira. Hoje, pai de três filhos e avô de quatro netos, ele começa a
abrir mão de estar à frente dos negócios para dar mais espaço aos herdeiros.
Mesmo assim, nem cogita tirar o time de campo tão cedo. “Eu aprendi com a minha
falecida avó, que foi quem me criou, que quem fica parado termina morfando. Eu
até tiro uns dias de folga, mas vou continuar lutando por esse caminho que Deus
me deu.”
Francisco
Emílio Marinho, 38, filho mais novo de Chiquinho, conta que as lembranças mais
marcantes da infância estão ligadas ao Beirute. “Sempre que tinha algum evento
na escola, caía para nós levarmos o quibe. Fim de semana, sempre vínhamos para
cá comer filé à parmegiana”, lembra. Ele, o irmão Marcelo e o primo Célio, filho
de Bartô, dividem responsabilidades na direção do bar. Em 2007, os três abriram
uma filial na Asa Norte. “A gente tem projetos, mas, acima de tudo, focados no
trabalho. Oportunidades surgem, e projetos estão sempre sendo discutidos.”
Para
Emílio, o Beirute resume bem o mosaico cultural que é Brasília e, por isso, o
bar foi adotado pela capital como um símbolo. “O Beirute é um ícone da cidade.
Ele representa como Brasília foi formada: uma mistura de cultura de pessoas de
lugares diferentes. Essa cidade precisa de uma sala de estar e essa sala é o
Beirute. Ele agrega isso de uma forma muito viva.”
Mas o traje é só um detalhe no que mais chama a atenção no serviço dos garçons. Quase todos têm mais de 20 anos de casa, e são chamados pelo nome pela freguesia. Um dos mais icônicos carregou as bandejas do Beirute por 28 anos e terminou adotando o nome do estabelecimento. “Todo mundo me conhece por Cícero Beirute. O Beirute é praticamente a minha casa. Quando cheguei a Brasília, fui direto trabalhar lá”, conta o paraibano Cícero Rodrigues dos Santos, 66. Aposentado desde julho do ano passado, ele lamenta não poder participar da comemoração dos 50 anos do bar que faz parte de sua vida. “Eu sinto saudade dos meus amigos, companheiros que fiz lá, dos clientes, da direção da casa. Eu saí do Beirute, mas o Beirute não saiu de mim.”
Cícero deixou o status de garçom mais velho do Beira para o conterrâneo José Fernandes, 49, conhecido como Primo. Ele começou a trabalhar no local como balconista, mas, depois de algum tempo, virou garçom e não largou mais a bandeja. “Eu gosto muito de trabalhar aqui. Para mim, é um prazer estar todas as noites servindo os clientes. A gente termina virando amigo deles”, pondera.
Há 27 anos usando o típico uniforme, ele se espelha no ex-colega, que recebeu o título de cidadão honorário na Câmara Legislativa, em 2007. “Eu aprendi muito com o Cícero e pretendo chegar ao fim da minha carreira igual a ele. Com muita honra do meu trabalho”, planeja.
Os donos do blazer vermelho
No início da década de 1980, os primeiros blazers
vermelhos começaram a ser entregues aos garçons do Beirute. Com as calças e a
gravata-borboleta pretas, o uniforme se tornou uma marca registrada da trupe de
funcionários. Em 2014, quando o argentino Lionel Messi compareceu à premiação
de melhor jogador do mundo com um blazer vermelho, a comparação foi inevitável.
Os famosos memes tomaram conta das redes e a brincadeira durou dias.
Mas o traje é só um detalhe no que mais chama a atenção no serviço dos garçons. Quase todos têm mais de 20 anos de casa, e são chamados pelo nome pela freguesia. Um dos mais icônicos carregou as bandejas do Beirute por 28 anos e terminou adotando o nome do estabelecimento. “Todo mundo me conhece por Cícero Beirute. O Beirute é praticamente a minha casa. Quando cheguei a Brasília, fui direto trabalhar lá”, conta o paraibano Cícero Rodrigues dos Santos, 66. Aposentado desde julho do ano passado, ele lamenta não poder participar da comemoração dos 50 anos do bar que faz parte de sua vida. “Eu sinto saudade dos meus amigos, companheiros que fiz lá, dos clientes, da direção da casa. Eu saí do Beirute, mas o Beirute não saiu de mim.”
Cícero deixou o status de garçom mais velho do Beira para o conterrâneo José Fernandes, 49, conhecido como Primo. Ele começou a trabalhar no local como balconista, mas, depois de algum tempo, virou garçom e não largou mais a bandeja. “Eu gosto muito de trabalhar aqui. Para mim, é um prazer estar todas as noites servindo os clientes. A gente termina virando amigo deles”, pondera.
Há 27 anos usando o típico uniforme, ele se espelha no ex-colega, que recebeu o título de cidadão honorário na Câmara Legislativa, em 2007. “Eu aprendi muito com o Cícero e pretendo chegar ao fim da minha carreira igual a ele. Com muita honra do meu trabalho”, planeja.
O bar em números
53
funcionários
1.200
clientes
por dia
540
refeições
no domingo
190
Beiras
Bier consumidas em uma sexta à noite
Fonte: Bruno Lima - Especial para o Correio –
Fotos: Carlos Vieira/CB/D.A.Press – Varella/CB/D.A.Press –
F.Gualberto/CB/D.A.Press – Joaquim Firmino/CB/D.A.Press – Gustavo
Moreno/CB/D.A.Press - Correio Braziliense