Aos poucos, a realidade impõe as
mudanças que as necessidades imediatas e os novos tempos ditam. No caso do
tombamento da capital, feita pela Unesco em 1987, a realidade, imposta tanto
pelo inchaço populacional, quanto pelo agravamento da violência, tem empurrado
a cidade para beco sem saída decorrente de um desordenamento urbano sistemático
e, em alguns casos, irreversível.
A questão é simples: diferentemente de outras localidades, formadas
apenas a partir do prolongamento e expansão de antigos povoados, as cidades
planejadas, como é o caso de Brasília, requerem que novos arranjos, em seu
desenho obedeçam, não a lógica do mercado imobiliário e outras variantes, mas
a cartesiana do projeto.
Essa obrigação em se ater ao projeto pensado, deveria ganhar bem mais
atenção, quando a cidade passa a integrar o seleto grupo de patrimônios
culturais da humanidade. Tombar não é engessar, tampouco desfigurar.
Com 112,25km², Brasília possui a maior área tombada do mundo, sendo o
único bem contemporâneo no planeta a merecer essa distinção. Desprezar esse
fato pode trazer prejuízos irreparáveis não só para a unidade do conjunto
arquitetônico, mas, sobretudo, retirar a capital do eixo de interesse de
visitantes e turistas.
Desfigurar uma cidade planejada, como vem acontecendo com maior rapidez
nesses últimos anos, não é trabalho de um dia e de uma pessoa. Esse é processo
lento e que vem sendo feito no dia a dia por uma multidão de brasilienses,
sejam moradores, sejam comerciantes, sejam simples transeuntes. Esse trabalho
paciente em desmanchar conta, obviamente, com a displicência dos órgãos de
fiscalização do governo local e de outros órgãos, como é o caso da polícia e
bombeiro.
A situação vem se repetindo com maior velocidade nas áreas comerciais da
cidade por conta do aumento desenfreado da violência. A mais nova agressão,
feita em nome da segurança, vem da quadra modelo 307 Sul, onde comerciantes,
pressionados com os roubos e assaltos feitos à luz do dia, resolveram instalar
um enorme painel de grades metálicas nos fundos das lojas.
A medida coloca os comerciantes na posição ambígua entre vítimas dos
bandidos e artífices de uma ilegalidade que pode render punições. Esse é apenas
um exemplo mais atual do descaso com a lei do tombamento, mas que vem se
repetindo há anos, principalmente nas áreas comerciais, desfiguradas pelo
improviso dos puxadinhos criativos.
Chega a ser surrealista que um pequeno número de marginais que perambula
livremente pela cidade consiga impor a toda uma população, a lei das grades. Ou
a segurança age para tirar das ruas essas hordas de marginais, ou a população
vai ter que se resguardar, cada vez mais, dentro de grades metálicas, como
prisioneira de fato. Pior, vão transformar a capital numa cidadela fortificada
contra os novos bárbaros.
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A frase que foi pronunciada
"O tempo é infiel para os abusos."
(Metastasio)
Por: Circe Cunha – Coluna”Visto,
lido e ouvido” – Ari Cunha – Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog -
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