A crise econômica, a crise política e a
crise ética nos soterram, a cada instante, com uma avalanche de acontecimentos.
Mas, de vez em quando, se acende um sinal de alerta sobre os problemas do nosso
quintal brasiliense. Confesso que há três questões que me preocupam: as
situações da Aruc, da Escola de Música de Brasília e da Fundação Athos Bulcão.
Aquele chão da Aruc é sagrado, assisti no terreiro da escola do Cruzeiro
a shows memoráveis com Zé Keti, Xangô da Mangueira e Dona Ivone Lara. Batizada
por esses mestres, a semente do samba só poderia germinar e irradiar, mesmo no
terreno inóspito da capital modernista. Renata Jambeiro, Breno Alves, Vinicius
de Oliveira, Mac Clay, entre outros novos talentos, brilham em plena Lapa, o
templo do samba no Rio de Janeiro. Se isso ocorre, é graças ao legado da Aruc
(Associação Recreativa Cultural Unidos do Cruzeiro), criada por funcionários
públicos cariocas, transferidos para Brasília, com saudade das batucadas.
Dizer que é um músico de Brasília tornou-se quase que um selo de
qualidade para quem se aventura pelo mercado do Rio ou de São Paulo. E isso se
deve, em grande parte, ao trabalho da Escola de Música de Brasília. De maneira
semelhante, em algum momento, a história da cidade se entrelaçou com a da EMB.
É uma escola pública, qualquer garota ou garoto de talento pode estudar lá. No
entanto, de descaso em descaso, ao longo de sucessivos governos, o projeto da
EMB se esfacelou e a instituição se viu ameaçada pelo sucateamento e pela
especulação imobiliária.
O caso de Athos Bulcão é um dos mais absurdos. O arquiteto e parceiro
Lelé Filgueiras ressalta que Athos Bulcão é uma figura exemplar nas artes
plásticas não só no Brasil, mas no mundo. Nenhum artista integrou de forma tão
profunda a sua arte na arquitetura. Apesar das propostas de Fernand Léger e de
Mondrian nesse sentido, depois do advento da arquitetura moderna, isso só
aconteceu com abrangência pelas mãos de Athos Bulcão: “Athos não é somente um
artista de Brasília; é um artista universal”.
Em que pesem a obviedade escandalosa da excelência e o fato de ter
dedicado a vida à cidade, a Fundação que abriga e divulga a obra de Athos não
tem uma sede própria. O arquiteto e parceiro Lelé Filgueiras desenhou um
belíssimo projeto, que já foi detalhado, mas permanece emperrado nas gavetas da
burocracia estatal.
A geração de Brasília do governador Rodrigo Rollemberg; do secretário de
Cultura, Guilherme Reis; do secretário de Gestão de Território, Thiago de
Andrade; entre outros, tem plena consciência do valor desses personagens e
instituições. Uma cidade nova e artificial não sobrevive sem instituições
sólidas. O chorinho só se desenvolveu e se consolidou como referência nacional
graças ao visionarismo de Reco do Bandolim, que criou a Escola de Choro Raphael
Rabello.
Os especuladores imobiliários estão de olho nos terrenos da Aruc e da
EMB. Ao longo de décadas, a cidade foi vítima de demagogos, ignaros, corruptos
e ineptos. Bem sei que os governos são atropelados por problemas a cada
instante. Mas trata-se de uma oportunidade única de regularizar a situação das
sedes dessas três instituições. Brasília não pode ser reduzida a mero cenário
para um faroeste caboclo. Se a geração Brasília, se a geração que ama realmente
Brasília, não fizer isso, quem fará?
Por: Severino Francisco – Correio Braziliense –
Foto/Ilustração: Blog - Google