Vídeos publicados no YouTube explicam como funciona
o "investimento" na distribuição de combustíveis
A página da Fuel Age na internet alega
"inovação em negócios" e informa apenas um e-mail de contato
O Correio acompanha reunião de representante do
esquema com venda de combustíveis e confirma o assédio a pessoas de origem
humilde. Investigado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, o negócio
promete retorno rápido aos "investidores"
Comunicado da ANP em uma rede social atesta a
ilegalidade do esquema em ação no país: "Não tem registro
Mais vítimas do suposto esquema de pirâmide financeira de
combustíveis Fuel Age formalizaram denúncias às autoridades. São, pelo menos,
três representações só no Distrito Federal. O grupo de 22 pessoas esteve no
Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) em busca de ajuda. A reclamação
é de que os pagamentos prometidos com o investimento não foram efetuados. Além
disso, os responsáveis pela empresa mudam de endereço e de telefone sem dar
explicações. O órgão informou que deve repassar o caso para o Ministério
Público do Estado de Goiás, pelo fato de a sede da companhia ficar em
Goiânia. Mesmo com as investigações, o Correio apurou que os líderes do
negócio continuam a recrutar mais pessoas em encontros previamente marcados.
Segundo
informações repassadas na internet e pela Fuel Age durante as reuniões, são
mais de 100 mil participantes. A empresa, no entanto, não tem autorização da
Agência Nacional de Petróleo (ANP) para atuar no ramo de combustíveis (leia
Entenda o caso). Dessa forma, operam a atividade ilegalmente no país. Uma
mulher que preferiu não se identificar se diz vítima do esquema. Ela investiu
US$ 900 (R$ 3,1 mil, segundo a cotação do dia). Entre os benefícios de
participar da pirâmide estava o retorno de até 200% e a possibilidade de usar
um cartão para abastecer o carro na Rede Ipiranga. Porém, ao chegar ao posto,
descobriu que o magnético era falso. A Ipiranga informou, em nota, que não tem
nenhuma parceria com a Fuel Age.
A mulher
relatou, ainda, que sofre perseguição por levantar dúvidas sobre a idoneidade
do negócio. “Estão me tirando dos grupos do WhatsApp e dizem que eu sou muito
desconfiada. Além disso, insistem para eu colocar mais gente, mas eu não vou
fazer isso”, comentou. Por falta de recebimento dos retornos prometidos e sem
conseguir resolver a situação no DF, ela foi até a sede, localizada no Setor
Marista, em Goiânia. Lá, atenderam apenas o interfone e não permitiram que ela
subisse até o escritório. “Apenas disseram que a questão seria resolvida e me
mandaram embora.” Segundo ela, na capital federal, os principais agenciadores
são um pastor evangélico e um militar. As reuniões ocorriam em uma sala próxima
à Praça do Relógio, em Taguatinga. Porém, mudaram de endereço.
A
reportagem descobriu a localização do novo local e presenciou o último
encontro, ocorrido na terça-feira. Havia cerca de 60 participantes na QC 6, no
Riacho Fundo 2. Durou por volta de uma hora e meia. Inicialmente, havia sido
divulgado que seria em uma lanchonete. Mas a apresentação aconteceu do lado de
fora de um estabelecimento sem placa, que, entre os produtos vendidos, tinha
remédio para emagrecimento, investimento em programas de compra da casa própria
e equipamentos de filtragem de água de “fabricação japonesa” — esse último
curaria a diabetes do tipo 2 após uma semana de uso.
O grupo,
formado em sua maioria por gente humilde e homens, se reuniu a partir das 20h.
Boa parte estava revoltada com a falta de informação e do retorno dos
investimentos. Uma mulher comentou que pensou em investir R$ 600, mas decidiu
por R$ 1,2 mil, para ter um ganho “mais rápido”. Ela acrescentou que entrou no
esquema a convite de uma amiga, que disse receder muito dinheiro. Admitiu estar
constrangida por ter atraído outras pessoas. Uma senhora disse que viajou a
Goiânia para reaver as perdas, mas não conseguiu. Poucos se mostravam
conformados ou confiantes.
Ameaças
Por volta das 20h30, um homem identificado como Almir se
apresentou como novo gestor do Fuel Age e iniciou o encontro dizendo que a
situação da empresa era “delicada” e a prioridade seria pagar os investidores.
Ele informou que as contas da companhia estão bloqueadas devido a problemas com
uma terceira firma, que faz as movimentações financeiras. Negou que houvesse
processos judiciais contra o grupo. E garantiu que tinha entregado uma “pilha”
de notas fiscais para o Ministério Público Federal (MPF). Almir também criticou
as pessoas que procuraram a Justiça, a quem chamou de desonestas e
mal-intencionadas. Segundo ele, elas queriam “sangrar a Fuel Age”.
Segundo
Almir, a necessidade de dar respostas para o Ministério Público atrasava os
trabalhos e, consequentemente, a liberação das contas em bancos e o pagamento
dos “investidores”. O gestor prometeu resolver os problemas em menos de 50
dias. Mais tarde, entrou em contradição e negou que pudesse dar uma previsão.
Por fim, mencionou a possibilidade de um novo encontro em 30 dias. Almir
acrescentou que se encontrará na Bahia com um paquistanês chamado Salim. O
empresário estrangeiro estaria interessado em colocar dinheiro na Fuel Age “em
um nível superior” e poderia até inovar as possibilidades de investimentos e
estendê-las ao mercado internacional.
Almir
alegou que aguardava uma resposta dos bancos para cerca de 15 dias. Além disso,
faria uma auditoria para identificar falsos investidores. Pediu que os
presentes enviassem uma cópia da Carteira de Identidade, do CPF e de um
comprovante de residência para o site do grupo, o que facilitaria o
levantamento. No término da reunião, alguns que estavam mais temerosos
decidiram continuar no negócio.
Investigações
O Ministério Público Federal no Distrito Federal (MPF-DF)
informou que aguarda um parecer da Polícia Federal sobre a investigação
criminal. Em relação à parte de crime contra o consumidor e a ordem econômica,
o MPF-DF informou que elaborou um despacho declinando da competência e passando
para o MPDFT. Este informou que deve enviar as representações para o Ministério
Público do Estado de Goiás. A PF limitou-se a dizer que segue com os trabalhos
de investigação. O Correio tentou contato com os responsáveis pela Fuel Age,
mas não conseguiu. O telefone da central de atendimento não atende, assim como
o e-mail enviado não foi respondido.
Rendimentos
Esquema Ponzi ou pirâmide é uma operação que envolve o
pagamento de rendimentos altos aos investidores à custa do dinheiro pago pelos
investidores que chegaram posteriormente, em vez da receita gerada por um
negócio real.
Entenda o caso - Sem licença para operar no Brasil
A empresa Fuel Age vende cotas de distribuição de
combustíveis e promete lucro de até 200% para os empreendedores que aderirem ao
esquema. Quanto mais interessados o colaborador conseguir trazer para a
empresa, mais significativos são os ganhos. Segundo consta na propaganda
institucional no canal YouTube, a Fuel Age tem sede em Goiânia e operações
espalhadas por todo o Brasil, em estados das regiões Norte e Nordeste e também
no Distrito Federal. No site, a companhia diz ter a Ipiranga como parceira. A
rede nega. A ANP informou que a empresa não tem licença para funcionar e
qualquer operação com petróleo no país precisa passar por sua supervisão. A atuação
da Fuel Age no mercado é recente. Os vídeos e textos começaram a ser postados
em novembro de 2015. Em Brasília, o lançamento oficial ocorreu em 27 de
fevereiro com a presença de muitos convidados, conforme é possível verificar em
vídeo postado no YouTube em 29 de fevereiro. Por ser uma investigação recente,
os órgãos responsáveis ainda apuram mais informações; por isso, não há dados
sobre a quantidade de pessoas envolvidas no esquema nem a cifra de um possível
prejuízo. Segundo o Ministério Público Federal no DF, o órgão recebeu uma
manifestação anônima sobre a suposta pirâmide em 6 de março. No dia 8, devido
ao caráter criminal, a procuradoria enviou um ofício para a Polícia Federal
investigar.
"Estão me tirando dos grupos do WhatsApp e dizem que eu
sou muito desconfiada. Além disso, insistem para eu colocar mais gente,
mas eu não vou fazer isso"
(Investidora da Fuel Age, arrependida de colocar R$ 3,1 mil no negócio)
Fonte: Luiz Calcagno – Flávia Maia -– Correio Braziliense