Após a batida de carro, ela se recuperou, virou escritora e é uma
inspiração para diversas famílias que também sofreram perdas difíceis
Sacrifício
em que a vítima é consumida pelo fogo. Essa é, segundo o Dicionário Aurélio,
uma das definições de holocausto. É é justamente essa palavra que Vânia Borges
de Carvalho, 48 anos, usa para descrever o dia mais triste e marcante da sua
existência.
Em 22 de
dezembro de 2010, a professora viu o carro em que viajava com os quatro filhos
e o marido serem consumidos pelas chamas que também tomaram 70% do seu corpo.
Única sobrevivente de um trágico acidente na BR-020 que mudaria a vida dela
para sempre, Vânia precisou a reaprender a andar, falar, comer, escrever e
precisou encarar o seu maior desafio: ser feliz sem a sua família.
“Em nenhum momento eu me revoltei. Quando soube que todos haviam
partido, tive certeza que, se Deus havia me poupado, era porque eu tinha alguma
missão”, lembra a professora, que lutou durante 90 dias pela vida na UTI do
Hospital Regional da Asa Norte (Hran).
Enquanto
se recuperava das queimaduras de segundo e terceiro graus que provocaram a
perda de parte do braço direito, dos seios, da barriga e das pernas e a quase
falência dos rins, sonhava em reencontrar os familiares. Só soube da morte
deles quando recebeu alta. (Vídeo)
Três dos
quatro filhos da professora, assim como o marido dela, não resistiram ao
impacto da batida com um carro que seguia pela estrada em alta velocidade e
acertou em cheio o Zarifa da família. Vânia e o filho mais velho, Rayran, 16
anos, ainda tiveram forças para sair do carro em chamas. Os dois seguiram
juntos na mesma ambulância com destino a Brasília. O companheiro de 19 anos,
Jarismar, 43, carinhosamente apelidado de Jarinho, e Pedro, 9, chegaram a ser
socorridos com vida, mas morreram poucas horas depois.
Com a
explosão do carro, Anna Beatriz, 12 anos, e Júlia, 5, foram carbonizadas.
Enquanto era resgatada com Rayran, Vânia diz que teve certeza de que não veria
mais as filhas. “Lembro de dizer a ele que havíamos perdido as nossas meninas.
Naquele momento, acreditava que meu marido e Pedrinho sobreviveriam.” Muito
emocionado, o filho mais velho deu as mãos à mãe.
"Ele me pediu para rezarmos um Pai Nosso.
Naquele momento, disse que escreveria um livro em homenagem à Anna Beatriz e à
Julia, que se chamaria Pérolas no asfalto"
(Vânia Borges de Carvalho)
Ao dar
entrada no hospital, a professora ainda encontrou forças para fazer um pedido
ao médico que a recebeu. “Disse a ele: ‘Doutor, não me deixe morrer!’. Ele
prontamente me assegurou: ‘Você não vai morrer. Eu vou fazer o que for preciso
para que tudo fique bem.” Começava naquele momento o martírio de Vânia pela sobrevivência.
Perdeu as contas de quantas vezes precisou tomar anestesia geral para aguentar
os banhos dos queimados, dado com esponja de aço para prevenir infecções.
Convulsões também foram muitas.
A
fragilidade era tanta que, em algumas oportunidades, os médicos chegaram a
ligar para os pais de Vânia e pedir que fossem ao hospital se despedir da
filha. Com medo de que ela não suportasse mais um dia de suplícios, deixavam
que escolhesse os alimentos do que poderia ser a última refeição. Contra todos
os prognósticos, ela resistiu.
Três
meses depois de dar entrada na unidade, que é referência no tratamento de
queimados no Distrito Federal, ela finalmente voltou para a casa. Estava em uma
cadeira de rodas. Ao chegar ao apartamento da mãe, desconfiou da atitude de
Dona Hortência. “Ela disse que ia preparar um chazinho, pois precisávamos
conversar. Foi quando me contou que Jarinho e os meninos também não haviam
resistido”, lembra, emocionada. Vânia conta que abraçou a mãe e chorou, mas
teve ainda mais forte o sentimento de que havia sobrevivido por alguma razão
especial.
Nova
etapa
Aos
poucos, voltou a andar, recuperou os movimentos das mãos, e começou também a
curar as chagas da alma. Afastada do trabalho no Centro de Ensino Fundamental
nº 5, no Guará 2, ela começou a amadurecer a ideia do livro. Em pouco tempo,
colocou no papel detalhes da vida feliz ao lado dos filhos e do homem com quem
compartilhou 19 anos de muitas alegrias e conquistas. Os capítulos dolorosos
também não ficaram de fora, assim como as mensagens psicografadas que costuma
receber com frequência.
Em 2014,
lançou uma campanha na internet para arrecadar recursos e imprimir Pérolas
no asfalto. Em poucos dias, sensibilizou pessoas de todo o Brasil e conseguiu
levantar mais do que o dobro do valor estipulado. Em seis meses, lançou a obra
e intensificou outra atividade que passou a fortalecê-la: dar palestras sobre
superação.
Vai a
escolas, igrejas católicas, evangélicas, centros espíritas e hospitais para
compartilhar sua história. Chegou a palestrar em Minas Gerais e, ainda neste
semestre, se prepara para o primeiro evento no estado de São Paulo. Mesmo a
distância, ela encontra tempo para consolar mulheres que nunca viu.
Vânia é espírita e foi justamente a fé que a
consolou no momento em que mais precisou. “A vida continua e a certeza de que
vou encontrá-los um dia é um dos motivos que me faz ser forte.” Poder ajudar
outras mães que perderam seus filhos também.
Enquanto
estava com a equipe do Metrópoles, pediu licença algumas vezes para
responder mensagens que não paravam de chegar no celular. “Não desligo o
meu telefone nem mesmo à noite. Sempre é possível auxiliar alguém. Um dia, uma
mãe enlutada entrou em contato comigo para dizer que havia desistido de tirar a
própria vida depois de ler a minha história. Nessas horas, tenho certeza do
porquê de Deus ter me salvado”, resigna-se.
O segredo
de tanta força? Desapego.
"Os meus filhos e o meu marido, na verdade,
nunca foram meus. Estavam aqui emprestados. É claro que tenho saudade, mas
busco consolo na fé"
(Vânia Borges de Carvalho)
Desafios
A dois anos de se aposentar, a hoje também escritora está cheia de planos. Está escrevendo um novo livro e, no último sábado (23/7), tomou um dos passos mais significativos do processo de recuperação da alma: voltou a morar na casa onde vivia com a família antes da tragédia. A residência foi reformada, ganhou novas cores, mas ainda guarda lembranças de Jarinho, Rayran, Anna Beatriz, Pedrinho e Júlia. “O cenário é novo, mas a moldura é a mesma. Sinto que estou fortalecida. Já era hora de retornar.”
A dois anos de se aposentar, a hoje também escritora está cheia de planos. Está escrevendo um novo livro e, no último sábado (23/7), tomou um dos passos mais significativos do processo de recuperação da alma: voltou a morar na casa onde vivia com a família antes da tragédia. A residência foi reformada, ganhou novas cores, mas ainda guarda lembranças de Jarinho, Rayran, Anna Beatriz, Pedrinho e Júlia. “O cenário é novo, mas a moldura é a mesma. Sinto que estou fortalecida. Já era hora de retornar.”
Outro
sonho que pretende realizar em breve é a construção de uma casa em Fortaleza,
cidade para onde viajavam naquele fatídico 22 de dezembro de 2010. O projeto do
imóvel foi desenhado pelo filho mais velho. “Será um retiro de férias. Quero
que as portas de lá estejam sempre abertas para receber os amigos. Esse era um
desejo de toda a família e tenho certeza que vou realizá-lo em breve.” Alguém
aí ousa duvidar da determinação de Vânia?
Quem
quiser adquirir o livro ou agendar uma palestra pode entrar em contato pelo
telefone (61) 99993-8173.
Fonte: Thaís Cieglinski – Fotos:
Giovanna Bembom – Metrópoles