Um basta ao assédio
“Precisamos de luz para combater o
silêncio. Muitas vezes, por não enxergarem o assédio como um assédio, o
tema não tem a visibilidade que deveria. E a luz é a denúncia. Um grito
para acabar com o silêncio”
(Iago Martinho Kieling, 18 anos, estudante de jornalismo, 4 º
semestre.)
"A gente sempre ouve falar de assédio. É até comum. Mas, quando
vimos o conceito, aqui, durante o trabalho, a concepção muda. Você começa
a perceber que o assédio está do lado e você não notas"
(Caio Eduardo Almeida, 20 anos, estudante de
jornalismo, 4º semestre)
"Infelizmente, o assédio ainda acontece mais com as meninas. Temos
garotas no grupo e foram elas que nos ajudaram a ter o olhar correto sobre
o tema, com sensibilidade para que abordássemos da melhor forma"
(Benny da Silva Leite, 18 anos, estudante
de publicidade, 4 º semestre.)
"Estudantes de jornalismo e de publicidade
participam de concurso sobre o tema. Depois de seis meses de trabalho, criaram
várias plataformas de comunicação para alertar sobre a importância da denúncia"
Sexual, moral, psicológico, simbólico. O assédio
pode se vestir de várias formas. Pode estar em vários ambientes e, de tão
popular, sequer ser notado. E mais, ele não tem sexo. Prefere as mulheres, mas
pode escolher os homens. Mais atual que nunca, o tema foi o mote escolhido para
um concurso da Faculdade de Comunicação Social da Universidade Católica de
Brasília (UCB). Alunos de jornalismo e de publicidade se debruçaram em cima da
hashtag #MeuÚltimoAssédio para criar produtos relacionados à temática e levantar
a discussão: falar da última vez em que foi assediada ou assediado pode fazer
com que, de fato, seja a última vez.
Depois de
seis meses de trabalho, o resultado premiado foi uma campanha para diversos
meios de comunicação, como televisão, jornal impresso, além de formatos para as
redes sociais, produzida por oito estudantes. O conceito aborda o valor da
denúncia. Quando uma vítima se cala, uma luz se apaga. “Precisamos de luz para
combater o silêncio. Muitas vezes, por não enxergarem o assédio como um
assédio, o tema não tem a visibilidade que deveria. E a luz é a denúncia. Um
grito para acabar com o silêncio”, justificou Iago Martinho Kieling, 18 anos,
aluno do 4º semestre de jornalismo. Segundo Iago, a pesquisa foi intensa. Muito
das técnicas usadas veio de influências do expressionismo — movimento artístico
que procura retratar as emoções e as respostas subjetivas.
Uma das
peças é um vídeo. Uma moça, interpretada por uma atriz, sugere vários tipos de
assédio até não aguentar mais. Nessa hora, ela grita. O vídeo não tem muitos
sons; o grito, principalmente, não aparece. Mas foi o jeito encontrado para
mostrar, mais uma vez, a importância de não se calar diante de um assédio. “A
gente sempre ouve falar de assédio. É até comum. Mas, quando vimos o conceito,
aqui, durante o trabalho, a concepção muda. Você começa a perceber que o
assédio está do lado e você não percebe”, afirmou Caio Eduardo Almeida, 20, que
está no 4º semestre de jornalismo. Segundo outro participante, Benny da Silva
Leite, 18, do 4º semestre de publicidade, apesar de as meninas serem minoria no
grupo — apenas três dos oito integrantes —, elas foram mais ouvidas na hora da
produção das peças.
Para
Benny, é impossível falar do que não se viveu. “Infelizmente, o assédio ainda
acontece mais com as meninas. E foram elas que nos ajudaram a ter o olhar
correto em cima do tema, com sensibilidade para que abordássemos da melhor
forma. Elas indicavam os detalhes, com cuidado para que a realidade fosse
retratada de verdade”, explicou. Em uma outra peça, os alunos produziram uma
foto, na qual a vítima aparece agachada, retraída, de costas. “Fomos atrás de
destacar todos os sentidos — visão, audição, tato —, em uma campanha que fosse
séria, sem brincadeiras ou descontração, para conscientizar”, resume Iago.
Os
estudantes receberam um troféu, feito pelo designer Caê Penna em parceria com a
Galeria Ponto; certificados de participação; e ganharam, ainda, uma festa.
Terão uma visita agendada na Agência Heads e um jantar com profissionais da
área de comunicação.
Diretrizes
O
concurso Intercâmbio de Semestres foi proposto por duas professoras, Raquel
Cantarelli, de redação publicitária e teorias da comunicação; e Ane Molina, de
fotografia. No ano passado, as duas criaram o Projeto Práticas e a Agência
Experimental — Espaço Bagagem, duas iniciativas para oferecer aos estudantes
mais contato com as facetas de cada curso. “Entendíamos que eles tinham que ter
mais prática. Colocamos um objetivo para os alunos do primeiro semestre, dentro
do Projeto Prática, que era pesquisar o tema, ir atrás de material, de tudo
sobre assédio. Esse material acabou desaguando em algo maior, como bagagem para
a Agência. Além disso tudo, podemos tornar os meninos mais humanos”, explica
Raquel.
Com tudo
o que os alunos do primeiro semestre colheram dentro do tema, foi dada a
largada para o concurso. Ao todo, 150 alunos participaram, e oito grupos se
formaram, com estudantes de ambos os cursos e de semestres diferentes. Em
quatro etapas, eles criaram um projeto que tinha tanto peças publicitárias como
produtos jornalísticos. Uma vez por semana, eram orientados pelas duas
docentes. Apoiadores como ONU Mulheres, Agência Heads — primeira agência de
publicidade do Brasil a se alinhar com os princípios de empoderamento das
mulheres — e Perestroika — escola de atividades criativas —, fizeram parte da
banca de avaliação. “O trabalho é um despertar para o tema. Uma forma de
entender meu corpo e meu espaço e que não pode ser maculado”, ponderou Ane.
Elas ainda são as mais vulneráveis
Uma
pesquisa do Instituto Avon/Data Popular com 1.823 universitários de todo o
país, entre setembro e outubro de 2015, conclui que:
52%
foram
humilhadas, xingadas ou ofendidas
56%
sofreram
assédio sexual, comentários com apelos sexuais indesejados, cantadas ofensiva
ou abordagens agressiva
28%
sofreram
estupro, tentativa de abuso enquanto estavam sob efeito de álcool ou foram
tocadas sem consentimento e forçadas a beijar veteranos
42%
já
sentiram medo de sofrer violência no ambiente universitário
36%
deixaram
de fazer alguma atividade na universidade por medo de sofrer violência
18%
foram
coagidas a ingerir, à força, bebida alcoólica e/ou drogas, foram drogadas sem
conhecimento ou forçadas a participar em atividades degradantes, como leilões e
desfiles
10%
sofreram
agressão física
49%
sofreram
desqualificação intelectual ou piadas ofensivas, ambos por serem mulheres
63%
admitem
não ter reagido quando sofreram a violência
Fonte: Camila Costa – Foto: Carlos
Vieira/CB/D.A.Press – Correio Braziliense