De tempos em tempos, a Câmara Legislativa do
Distrito Federal (CLDF), para desagrado da população, é sacudida por um
escândalo. No presente cenário, as acusações não são menos graves do que outras
do passado, inclusive aquelas que culminaram com a prisão e o afastamento do
ex-governador José Roberto Arruda. Mas há um elemento diferente no escândalo
atual: se confirmadas as versões que motivaram o afastamento cautelar de
membros da Mesa Diretora — e é importante que se diga que a presunção de não
culpabilidade é princípio constitucional a ser respeitado — o Legislativo
local, por meio de alguns de seus membros democraticamente eleitos, terá sido,
pela primeira vez, o protagonista absoluto.
O Distrito Federal adquiriu autonomia política com
a Constituição Federal de 1988. A partir de então, seus cidadãos passaram a ter
o direito de eleger governador, vice-governador e 24 deputados distritais. Não
é de hoje, porém, que número relevante de cidadãos clama pelo fim da Câmara
Legislativa do Distrito Federal. A indignação, justificável, aponta, todavia,
para uma trágica conclusão: abrirmos mão do direito de eleger representantes no
parlamento local seria confissão de nossa própria incapacidade coletiva de
escolhê-los.
É preciso compreender, no entanto, que não apenas o
Poder Legislativo local se revela degenerado. Por exemplo, na sessão de
admissibilidade do processo de impeachment da chefe do Poder Executivo federal,
na Câmara dos Deputados, os deputados federais nos fizeram constatar, a partir
da justificativa de seus votos, o quão inaceitável é o nível médio de nossos representantes.
O problema, portanto, é complexo. Medidas
simplórias – como a extinção da Câmara Legislativa – apenas deslocariam o
problema para outro aparato institucional. Assim, uma comissão legiferante no
Senado ou na Câmara dos Deputados apenas fortaleceria o poder político de
nossos parlamentares federais. E não há nenhum elemento objetivo que nos
garanta que nossos congressistas sejam, na média, qualitativamente melhores do
que os deputados distritais. O problema permaneceria e, pior, estaria
concentrado em menos mãos.
Nesse quadro intrincado, uma coisa parece certa: as
relações perversas de poder engendradas no âmbito da CLDF estão de tal forma
incrustadas em sua cultura institucional que não há possibilidade de tão
somente os parlamentares encontrarem uma solução para este caos.
Dessa forma, instituições externas — como Poder
Judiciário, Ministério Público, Polícia Judiciária, Tribunal de Contas — e,
fundamentalmente, a sociedade civil organizada precisam, de forma urgente,
trazer soluções qualificadas para esse desafio. Esse é um dever da imprensa, da
Ordem dos Advogados do Brasil e também do Sindicato dos Servidores do Poder
Legislativo e do Tribunal de Contas do DF (Sindical). Esse último conhece de
dentro — e desde 1993 — os meandros e as mazelas da CLDF, e nunca se furtou em
denunciar os desmandos de parlamentares que, em vez de servirem ao público,
preferem servir-se dele.
Para se ter uma ideia da gravidade da situação,
desde 2005 não há concurso público para provimento de cargos efetivos e quase
dois terços dos servidores hoje na CLDF sequer foram aprovados em concurso
público. O respeito ao Estado de Direito significa, em termos práticos, que
todos os cidadãos, inclusive os agentes políticos, devem estar sob o império da
lei. Logo, o dever de realizar concurso público, corolário do princípio da
impessoalidade, é mandatório, queiram ou não os parlamentares.
Entre outras medidas, o Sindical defende uma
reforma administrativa profunda na Casa, com enxugamento radical da quantidade
e do valor dos cargos em comissão e a substituição de apadrinhados políticos na
área técnica por servidores da carreira legislativa, concursados, tudo de modo
a profissionalizar a prestação de serviços públicos. Não há a menor dúvida de
que isso se traduzirá em serviços melhores e de menor custo, além de servir
como limitador de práticas nada republicanas de compadrio, cuja exacerbação
deságua em escândalos como o do presente.
Por: Jeizon Silverio - Advogado, consultor legislativo da Câmara Legislativa do
Distrito Federal, mestre em direito Estado e Constituição pela Faculdade de Direito da UnB e presidente do Sindicato dos Servidores do
Poder Legislativo e do Tribunal de Contas do DF – Foto/Ilustração:
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