Há 18 anos, Antônio Almeida sobrevive da pesca:
"Se o lago acabar, a vida de muita gente também acaba
Iraci teve que fechar o restaurante flutuante:
"Quando vou dormir, fico pensando o que será da gente
Uruaçu (GO) — O maior
reservatório em volume de água da América Latina vive a maior crise dos últimos
15 anos. Desde o início da obra, iniciada em 1998, esse é o pior momento do
Lago da Serra da Mesa, distante 200km de Brasília, de acordo com registros
históricos do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). A celeuma tem uma
responsável: a seca. O aquífero está com apenas 11,96% da capacidade total. A
marca negativa na régua de medição só não é mais baixa que o pico de 9,35%,
alcançado em 2001. A Usina Hidrelétrica de Serra da Mesa, instalada em Minaçu,
no extremo norte goiano, é indispensável para o atendimento do mercado de
energia elétrica das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. O abastecimento
elétrico em Goiás e no DF dependem do reservatório. (Vídeo;)
Os impactos vão além das cifras de
geração de energia elétrica — 150 pescadores atuam na região e cerca de 600
famílias vivem da pesca da tilápia na represa. Os 1.874 quilômetros quadrados
de área inundada podem armazenar até 54,4 bilhões de metros cúbicos de água —
hoje, o volume não chega a 6,5 bilhões de metros cúbicos. O Lago da Serra da
Mesa é 37 vezes mais extenso que o Paranoá, em Brasília, e o quarto maior do
Brasil. Apesar da imponência, onde havia beleza, restou terra seca e poucas
certezas para o futuro. A região costumava receber até 30 mil turistas na alta
temporada. Hoje, o comércio amarga a mais severa crise da década. Lojas,
restaurantes e pousadas fecharam. As imagens da prosperidade do turismo, da
pesca recreativa e dos esportes aquáticos ficam na memória dos moradores da
região.
Apesar de a crise ter batido mais forte
agora, os sinais da escassez de chuva são notórios nos últimos cinco anos.
Desde 2011, o pico negativo do lago é cada vez mais implacável. Naquele ano, o
nível mais baixo foi de 56,72%. Não parou de cair. Em 2012, marcou 39,68%. Em
2013, 29,12%. Em 2014, 25,67%. No ano passado, 12,9% em dezembro — comumente o
mês mais austero (veja gráfico). Formado principalmente pelos rios Tocantins,
das Almas e Maranhão, as águas parecem estar cada vez mais distante do povo que
construiu vida no rescaldo das ondas do lago no cerrado. O que era sonho, no
fim da década de 1990, tem se tornado cada vez mais um poço assoreado de
pesadelos.
O lago Serra da Mesa perde, em média, 1% de volume de água por semana: margem
recuou 3km em Uruaçu
Penúria
O lago Serra da Mesa perde, em média, 1% de volume de água por semana:
margem recuou 3km em Uruaçu
O Correio percorreu 1.090km, passou por três municípios e conheceu
comunidades que estão devastadas pela estiagem. A cada metro que a margem do
lago avança, crescem, em consonância, o desespero e a frustração. A baixa da
água tirou de casa dois filhos do barqueiro Iraci Araújo, 57 anos. Há 19 anos,
ele abandonou a carreira de analista bancário para se dedicar ao balneário.
Para se ter ideia da crise, das 28 casas flutuantes do local, normalmente
alugadas por turistas, restaram apenas nove — nenhuma está ocupada. Iraci
tocava um restaurante flutuante com capacidade para 180 pessoas. Ancorou a
embarcação. “Quando vou dormir, fico pensando o que será da gente. Me dá um
sentimento muito ruim. Mesmo nessa situação, eu vivo daqui”, diz emocionado.
Entre as
lembranças, Iraci ressalta um acidente com uma lancha. A colisão ocorreu com
uma pedra, distante 3km do local onde hoje é uma extensa camada de lama,
rejeitos e tristeza. Quando o governo fechou as comportas para encher o lago,
há quase duas décadas, uma rodovia e uma ponte que ligavam Uruaçu a Niquelândia
foram desativadas. A pista, agora, está à mostra. A ponte começa a evidenciar o
parapeito.
Na
estrutura que deu lugar à antiga via, estão as marcas indeléveis da estiagem.
As largas pilastras, antes cobertas de água, a cada dia, ficam mais à mostra.
Até parecem recontar a música I-margem, de Paulo Araújo: Há um rio afogando em
mim / Secando, secando, secando / Tem rompante os mistérios que já vi /
Esperando, esperando, esperando o fim.
Na
pousada onde havia nove funcionários, restou somente a dona. Ivonete Rodrigues
da Silva ocupa parte do tempo fazendo os serviços de manutenção do local e quebrando
a cabeça com cálculos para tentar equilibrar as despesas. O local com
capacidade para 48 ocupações, quando tem um fim de semana movimentado, recebe
duas. “Ficou um lugar feio, com a baixa d’água tão severa. Os clientes
perguntam por que está assim e quando tudo vai voltar ao normal. Não temos
respostas. Vários ribeirões, riachos e açudes da região estão completamente sem
água”, desabafa Ivonete. Na quinta-feira, ela limpava a mobília empoeirada e o
chão.
Apenas nove das 28 casas flutuantes à seca: turistas sumiram da região
6,5 bilhões
É o volume atual, em metros cúbicos, de água no
reservatório
20 toneladas de peixe morto
A cada sete dias, o nível do lago recua 1%, segundo
estimativa da Agência Goiana de Piscicultura (AGP). Desde janeiro, cerca de 20
toneladas de peixe morreram. No mesmo período do ano passado, a Cooperativa de
Piscicultura de Uruaçu mantinha 70 tanques de produção. Não restou nenhum. Um
frigorífico com capacidade de processamento de duas toneladas de peixe por
semana está desativado. O investimento do governo federal no setor foi de R$ 3
milhões.
Na casa do pescador Antônio Machado de Almeida, 51,
seis pessoas sobrevivem do pescado. Há 18 anos, essa é exclusivamente a fonte
de renda da família. “Se o lago acabar, a vida de muita gente também acaba. O
único jeito é rezar para que chova. Já aconteceram baixas no lago, mas nunca
atingimos uma situação tão complicada”, lamenta. É em uma canoa voadeira que
Antônio conta sua história. A paisagem enlameada trucida os sonhos daquelas
famílias. O pescador ressalta os “paliteiros”, que, na verdade, são restos de
troncos que estavam submersos. “Os pontos mais largos do reservatório tinham
30km.”
Em uma câmara de resfriamento, estão as últimas
caixas de filé de peixe. A produção foi graças a doações de alevinos e ração,
em janeiro. Dessa sobra, as famílias estão se alimentando e tirando algum
dinheiro para outros gastos. “Quando isso aqui acabar, como vamos sobreviver?”,
questiona. Antônio afirma que essa é a maior estiagem da história, apesar de
não ter atingido nível tão baixo quanto em 2001. Mas, naquela ocasião, não
havia piscicultura.
“Buscar equilíbrio”
O presidente da Agência Goiana de Piscicultura,
Paulo Roberto Silveira Filho, defendeu um pacto para salvar a região. “É
preciso buscar o equilíbrio. Se o nível do lago está baixo e os peixes
morrendo, é prudente que as comportas do reservatório sejam fechadas para frear
a vazão. Por outro lado, a geração de energia também é importante, mas pode ser
compensada com a produção de outras usinas pelo país. Temos um sistema
energético integrado. O grande problema é que de tão crítica a realidade, onde
se mexer, vai ter impacto”, destaca. (OA)
Fonte: Otávio Augusto – Especial para o Correio Braziliense
SERRA DA MESA COM CERTEZA UM DOS LUGARES MAIS BONITO QUE GOSTO DE FREQUENTA, QUE DEUS MANDE CHUVAS TORRENCIAIS NAS CABECEIRAS DE SEUS RIOS.
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