Projeto Água Viva, da Usina Hidrelétrica de Corumbá
IV, levantou que, dos 40 mananciais de Luziânia, Santo Antônio do Descoberto,
Alexânia e Novo Gama, três estão preservados. Técnicos orientam a população
para recuperar os restantes
Da terra, brota água cristalina e gelada. No poço de pouco mais de 50cm
de diâmetro, dá para ver piabas nadando. Dali, o filete escorre entre a
vegetação intocada do cerrado e deságua em pequenos rios até chegar ao
reservatório de Corumbá IV. A nascente faz parte de um conjunto de outras 40
distribuídas entre Luziânia, Santo Antônio do Descoberto, Alexânia e Novo Gama,
todos municípios goianos do Entorno. O problema é que esse manancial de
Luziânia é só um dos três preservados na região. As demais sofrem com a
ocupação irregular do solo, com o lixo e com o desmatamento.
Em tempos de crise no abastecimento de
água no Distrito Federal e escassez do recurso com alerta de racionamento em
diferentes regiões, a busca por estratégias de curto e longo prazos é constante
e desafia as autoridades. O governo usa como foco inicial campanhas para a
redução do consumo (leia Para saber mais). No entanto, há um consenso de que é
preciso ir além e proteger a origem do recurso, as nascentes. “Elas favorecem
as comunidades do Entorno, os proprietários de chácaras e fazendas e os
próprios municípios. Eles utilizam essa água e dependem dela para as suas
economias, como irrigação, pequenas indústrias de alimentos, gado e
abastecimento de pequenos reservatórios”, explica a geógrafa Marinez de Castro.
Ela integra o projeto Água Viva: uso e
conservação da água, desenvolvido pela Corumbá Concessões, responsável pela
Usina Hidrelétrica de Corumbá IV. Técnicos mapearam as nascentes que deságuam
no reservatório e estão, em parceria com a empresa Terra Viva, mostrando aos
moradores da região como é possível recuperar e conservar os olhos d’água. Dos
40 encontrados, dois estão em estado grave, sem condições econômicas de serem
resgatados. “Se continuar nesse ritmo, em um futuro próximo, teremos problemas
com a escassez de energia”, alerta o técnico agrícola Joy Pena.
O Correio visitou algumas nascentes e
constatou o descaso do poder público e da população. Na Negreiros 1, no Novo
Gama, casas estão instaladas de maneira irregular a menos de 30m. No entanto,
de acordo com o Código Florestal, essa distância deve ser de 50m. Além disso,
há muito lixo jogado pelos moradores, como garrafas de bebida, restos de
fogueira e bitucas de cigarro. E o problema se agrava com a falta de
fiscalização. Há apenas um fiscal da prefeitura.
Outros mananciais apresentam problemas
tão sérios que precisam de ações mais severas. É o caso da nascente Boa Vista,
também no Novo Gama. As casas estão próximas, tem grandes erosões, esgoto perto
da região e muito entulho. “Antes, havia plantas e animais, era lindo. Fico
revoltada com os governantes, que permitiram o loteamento desenfreado e a falta
de cuidado da própria população”, desabafa Vera Lúcia da Silva. Ela mora na
região há 30 anos e lembra com tristeza de como era antes da degradação. “É
comum proprietários desmatarem as áreas de nascentes e deixarem o gado beber a
água. Eles tiram a vegetação de galeria do cerrado e colocam pastagem”,
exemplifica a geógrafa Marinez.
Contudo, no meio de um cenário de
degradação, resta um bom exemplo. Em Luziânia, na Fazenda Barro Preto, o
produtor rural José Vicente Gonçalves tomou todas as medidas de conservação.
Ele isolou a área para evitar o pisoteamento do solo, fez uma barraginha —
bacia escavada no solo que capta água da chuva, abastece o lençol freático e
funciona como uma caixa d’água natural — para a captação. “Cuidando da
nascente, eu sou o maior beneficiado. Não preciso fazer muito, apenas deixo
como está”, conclui. José cresceu na propriedade e, desde pequeno, aprendeu a
preservar o meio ambiente.
Etapas
A recuperação dos olhos d’água,
importantes para abastecer os moradores dos municípios e da área rural, será
feita com o isolamento da área e com o plantio de mudas nativas para proteger a
terra e aparar a água da chuva, possibilitando o abastecimento do lençol
freático. “Em solo degradado, a chuva não penetra, ocorre o escoamento
superficial, a chuva lava a terra, levando os nutrientes, e isso causa erosão e
enchentes, e o lençol freático não é recarregado”, esclarece Marinez de Castro.
Outra medida adotada é a implantação das barraginhas, que funcionam como uma
caixa d’água natural.
“O ideal seria uma ação conjunta:
municípios, proprietários e população, mas não há política que assegure a
preservação das nascentes”, reclama o técnico Joy Pena. O somatório das
nascentes é o que vai gerar os grandes corpos hídricos. “O que falta é política
pública direcionada para conservação e recuperação das nascentes. Temos ações
pontuais”, completa Marinez.
Pensando nisso, o Água Viva faz a
conscientização dos proprietários e dos moradores próximos às nascentes,
incluindo crianças da vizinhança no plantio das mudas. As cidades colaboram com
as máquinas para a construção das barraginhas. Esta é a segunda etapa do
projeto. No ano passado, Abadiânia, Silvânia e Corumbá de Goiás recuperaram
três nascentes, uma em cada município. Também foram plantadas 200 mudas em
Abadiânia; mil em Corumbá; e 500 em Silvânia, totalizando 1,7 mil. Além disso,
cerca de 300 pessoas participaram da ação.
Para saber mais - Soluções para a crise hídrica: Ontem, representantes da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal (Adasa) e da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb); promotores públicos; o secretário de Gestão do Território e Habitação, Thiago de Andrade; e o secretário do Meio Ambiente, André Rodolfo de Lima encontraram-se na reunião do Conselho de Recursos Hídricos para discutir as soluções para a crise hídrica do Distrito Federal dentro de curto e longo prazos.
Além da necessidade de conscientizar a
população sobre o racionamento da água, os especialistas falaram sobre a
importância de se cuidar do solo e da infraestrutura de produção do recurso. No
fim, foi criado um grupo que, em 4 de outubro, apresentará um plano emergencial
de ação. “A reunião foi positiva. Precisamos engajar e mobilizar vários setores
da sociedade em uma campanha para redução de consumo, porque, mesmo com as
chuvas voltando, até para a capacidade do reservatório se restabelecer, depende
de vários fatores, entre eles, o racionamento. Isso foi um consenso dos
membros”, resumiu o secretário do Meio Ambiente.
As nascentes
Negreiros 1
Recentemente, foi instalada uma cerca para evitar a degradação da
Negreiros 1, no Novo Gama (GO). No local, é possível ver lixo de todo tipo,
como garrafas pets, restos de fogueira e bitucas de cigarro. Além disso, há
residências que não estão de acordo com o limite definido pelo Código Florestal
e ficam à margem da nascente.
Boa
Vista
A Boa Vista não participará do projeto de recuperação, porque é
economicamente inviável em decorrência do processo de erosão, que chega a quase
30 metros de profundidade. Também acumula lixo e esgoto nas imediações.
Do
Jardim Ingá
A do Jardim Ingá sofreu com o processo
de urbanização. Ela está localizada em frente a um lava a jato e, além da
enorme erosão, a água tem cor escura e mau cheiro. No mesmo espaço, fica
também uma parte do tratamento de esgoto da região.
De Luziânia
Localizada dentro da Fazenda Barro
Preto, a nascente, em Luziânia, é um exemplo a ser seguido. Está em uma
área isolada, dentro de uma mata fechada. A água é cristalina e preserva a
vida animal, como mostra o proprietário do terreno, José Vicente Gonçalves.
Fonte: Priscila Botelho - Roberta
Pinheiro - Especial para o Correio Braziliense - Fotos: Ed
Alves/CB/D.A.Press