Funcionários se assustaram com um
lobo-guará na área de decolagem do Aeroporto de Brasília, na madrugada de
segunda-feira. Um mecânico chegou a fotografar o bicho. Sempre senti fascínio
pelo lobo-guará, belo e misterioso animal, de pelame avermelhado, boca preta e
olhos hipnotizantes de brilho intensíssimo.
Tudo é contundentemente selvagem neste
bicho tão elegante, que se tornou símbolo de Brasília. Tremo até mesmo diante
de uma foto, pois ele mantém a flama de uma ferocidade serena. Clarice
Lispector escreveu que a nossa perturbação em face dos bichos decorre do medo
que temos do animal dentro de nós.
Nos tempos da infância, andei muito
pelo cerrado para apanhar cajuzinhos-do-mato. Topava com as lobeiras e não
sabia que elas tinham esse nome porque serviam de alimento para os lobos-guará.
A gente ensaiava jogar uma pelada no meio da vegetação inóspita e do chão
esturricado, com os frutos da Solanum lycocarpum St. Hil, da mesma família do
tomate e da pimenta-malagueta. Ela parece uma maçã-verde agigantada, uma
maçã-verde de Itu, mais agreste e arrepiada de espinhos.
Sempre fiquei impressionado com os
relatos de engenheiros e operários dos tempos pioneiros da construção de
Brasília sobre o lobo-guará. Quando baixava a noite, os felinos uivavam sob o
luar do sertão, próximo às barracas improvisadas. Eram uma presença corriqueira
no cotidiano do cerrado nos primeiros tempos da cidade.
Se não forem tomadas providências
urgentes, os estudiosos estimam que o lobo-guará vai desaparecer dentro de 100
anos. Seria preciso educar, principalmente, suas excelências, os governantes,
que fazem discursos ecológicos e, quando assumem os cargos, continuam com a
mesma política imediatista e devastadora.
De vez em quando (e cada vez mais),
algum lobo-guará se extravia e aparece no meio do caos urbano da área central
do Plano Piloto ou das cidades da periferia. A cidade deveria parar por alguns
instantes para avaliar e tomar providências. A chegada do bicho, nestas
condições, é sinal claro do desequilíbrio ambiental, da devastação provocada
pelo agronegócio insustentável, da monocultura degradante da soja, do
crescimento desordenado e da degeneração do cerrado.
Nunca topei com um lobo-guará no mato.
Quem já se deparou garante que o bicho não faz mal a ninguém. Só arreganha os
dentes ou arrepia o pelo quando avista alguém ou se sente ameaçado. Se eu
visse, também tremeria, ficaria com os músculos retesados e o instinto aceso.
Andar, solitariamente, pelos
descampados, exposto ao céu aberto, deve ter impregnado o lobo-guará de certa
angústia existencial. Da minha parte, me considero mesmo um animal metafísico.
Gostei quando alguém me disse que pareço com o lobo-guará. De fato, fico na
minha, mas arreganho os dentes se tentam me intimidar. E, em noites brasilianas
de extrema solitude, também sinto um vago desejo de uivar para a Lua do
Planalto, sem nenhuma razão aparente.
Por: Severino Francisco – Jornalista – Correio Braziliense – Foto: Blog
– Google – Site: Zoologia – Geraldo J. Barros -