Estudo da FGV aponta que a população carcerária
terá um crescimento de apenas 0,6% com o entendimento do Supremo de colocar na
cadeia os réus após condenação em segunda instância. Força-tarefa da Lava-Jato
aplaude a medida
O impacto das duas decisões do Supremo Tribunal
Federal (STF) sobre a prisão após condenação em segunda instância deve aumentar
a população carcerária em 3.460 pessoas, segundo estudo da Fundação Getulio
Vargas (FGV). O projeto Supremo em Números calculou que essa é a quantidade de
réus condenados que recorrem a tribunais superiores e serão detidos a partir do
novo entendimento porque foram sentenciados a mais de oito anos de cadeia.
Significa um aumento de apenas 0,6% na população de detentos, de 622 mil
pessoas. “Longe, portanto, de previsões catastróficas propaladas pelos críticos
do novo entendimento do Supremo sobre a execução da pena após condenação em
segunda instância”, conclui o estudo de 10 pesquisadores.
O estudo
se contrapõe às críticas da Ordem dos Advogados do Brasil, que ontem reafirmou
as “graves injustiças que a medida certamente causará, com o encarceramento de
cidadãos inocentes, especialmente os réus menos favorecidos”. No julgamento de
quarta-feira, o ministro Gilmar Mendes ironizou a situação dos novos presos da
Operação Lava-Jato, ao dizer que existe até “banho quente em Curitiba” para
atender “visitantes ilustres” que passaram a ocupar celas no Paraná.
Levantamento
do Correio no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP) mostra que, apenas no
Distrito Federal e depois da primeira decisão do STF, em 17 de fevereiro, foram
ordenadas pelo menos 4.426 prisões — ontem, foram 11. Todas estão à espera de
cumprimento. No Brasil todo, são 549 mil ordens de encarceramento pendentes
segundo o BNMP. Se todas essas pessoas fossem detidas hoje, a população
carcerária praticamente duplicaria, mas isso não ocorrerá porque nem todos os
casos significam prisão em regime fechado e alguns já perderam o sentido com o
passar dos anos.
Antes da
mudança de entendimento do Supremo, uma pessoa só ia para a cadeia quando se
esgotavam todos os recursos possíveis nos tribunais superiores — STJ, TSE e STF
— o que, muitas vezes, significava arquivamento dos casos sem julgamento devido
à demora do Judiciário. Nenhum país adotava esse modelo. Agora, basta uma condenação
confirmada por um tribunal de segunda instância para os desembargadores terem a
opção de mandarem o criminoso para as grades. O réu continua livre para
recorrer às cortes superiores, mas de dentro da cela, como ocorre pelo mundo.
Ele só será solto se provar sua inocência ou vícios no processo. Segundo o CNJ,
501 mil novos casos criminais ingressaram na Justiça de segundo grau em 2014 no
Brasil. Naquele ano, 514 mil decisões encerraram ações penais em segunda
instância no país.
Democracia
De acordo
com o juiz da Operação Lava-Jato no Paraná, Sérgio Moro, a nova decisão do STF
vai colocar os condenados poderosos política e economicamente em pé de
igualdade com os demais cidadãos envolvidos em problemas com a Justiça.
“Com o
julgamento de ontem, o Supremo, com respeito à minoria vencida, decidiu que não
somos uma sociedade de castas e que mesmo crimes cometidos por poderosos
encontrarão uma resposta na Justiça criminal”, afirmou ele em nota ontem.
“Somos uma democracia, afinal.”
O
presidente da associação dos delegados da PF, Carlos Miguel Sobral, disse que o
impacto da decisão não será sobre réus menos favorecidos. “O impacto
quantitativo dessa decisão do STF não é necessariamente grande, mas
qualitativamente terá um efeito muito importante”, avaliou. “Tradicionalmente,
no Brasil, o criminoso de colarinho branco tinha a sensação de que nunca
cumpriria pena, visto que os tribunais superiores estavam perdendo sua natureza
de Corte constitucional para se transformarem, indevidamente, em Cortes de
apelação, para o que não possuem qualquer vocação.”
Procuradores
da força-tarefa da Lava-Jato no Paraná também comemoraram a nova decisão do
Supremo. “A existência de quatro instâncias de julgamento, peculiar ao Brasil,
associada ao número excessivo de recursos que chegam a superar uma centena em
alguns casos criminais, resulta em demora e prescrição, acarretando
impunidade”, lembraram. “Isso acontece especialmente nos casos de réus ricos ou
influentes, que têm condições para arcar com os custos de infindáveis recursos.
A demora e a impunidade no julgamento de réus abastados são incompatíveis com
uma justiça republicana, que deve absolver inocentes e punir culpados dentro de
um tempo razoável.”
Fonte: Eduardo Militão – Correio Braziliense