Para governo, composição com Mesa Diretora afastada é desfavorável.
Juarezão, presidente em exercício na Câmara Legislativa, vai ter de deixar o
cargo se Celina voltar à ativa
"Distritais voltam a ter caminhos políticos cruzados na Justiça, que
analisa, amanhã, em pedido que pode dar à presidente afastada da Casa o retorno
ao trono. No dia seguinte, clã Roriz vai à berlinda, pondo em risco os direitos
políticos de Liliane"
Há dois meses a capital federal assistia atônita ao escândalo que acabou
por deflagrar a Operação Drácon, que apura a suposta cobrança de propinas sobre
créditos orçamentários da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), no
valor de
R$ 30
milhões, para o pagamento de dívidas do governo com empresas de UTI. O caso
denunciado pela deputada Liliane Roriz (PTB), que enfrenta um processo de
cassação de mandato, ficou conhecido como UTIGate. A fraude envolve um quarto
da Câmara, inclusive parlamentares do alto escalão (leia Entenda o caso). A
Justiça tomou uma decisão inédita e da mesma magnitude: afastou toda a Mesa
Diretora da Casa, incluindo a então presidente, Celina Leão (PPS), acusada de
participar do esquema. Nesta semana, os destinos de Celina e Liliane voltam a
ter os caminhos políticos cruzados: a primeira pode retomar o cargo de chefe do
legislativo. A outra, se tornar ficha suja.
Amanhã, o
Conselho Especial do Tribunal de Justiça analisa o pedido de reconsideração da
decisão que tirou Celina do comando da Câmara. Na quarta-feira, a 5ª Turma
Cível conclui o julgamento da ação de improbidade administrativa que pode
suspender os direitos políticos de Liliane por dez anos — a decisão influencia
diretamente o processo de cassação da parlamentar na CLDF. Trata-se de uma das
maiores questões do legislativo local em seus 25 anos de atuação. O desfecho
das duas situações pode criar uma reviravolta no cenário político do DF.
Sob o
argumento de que era “dispensável” o Ministério Público (MPDFT) pedir o
afastamento da Mesa Diretora no fim de semana, a defesa de Celina questiona o
fato de a decisão ter vindo de um desembargador plantonista. O advogado Eduardo
Toledo ainda entende que o caso deveria ter sido julgado pela Justiça Federal,
por envolver suspeita de crime de evasão de divisas e lavagem de dinheiro —
considerados crimes federais. “Estamos discutindo a ausência de fundamentação
para afastar a deputada da presidência. A medida drástica não levou em
consideração que Celina não atrapalhava as investigações e que não há indícios
de que as práticas continuavam. A matéria se refere a acontecimento de meses
antes, em dezembro”, explica Eduardo.
A ação,
que pede retorno dos parlamentares à Mesa Diretora, representa apenas os
interesses de Celina. Entretanto, com uma eventual reconsideração da Justiça,
os outros três deputados afastados — Raimundo Ribeiro (PPS), Júlio César (PRB)
e Bispo Renato Andrade (PR) — também podem ser beneficiados e voltam a exercer
as funções no comando da Casa. Apesar do afastamento, os distritais mantêm os
mandatos.
As duas distritais podem ter os destinos decididos pela Justiça entre
amanhã e quarta-feira
Análise governista
A composição da nova Mesa Diretora da Câmara Legislativa colocou na
linha de frente deputados distritais aliados do governador Rodrigo Rollemberg
(PSB). A começar pelo presidente em exercício da Casa, Juarezão (PSB), que
migrou para o partido do chefe do Executivo local há sete meses. A hipótese de
os distritais afastados retornarem ao comando da Câmara, sobretudo Celina,
desagrada o Palácio do Buriti. Para o Executivo local, Juarezão tem função
estratégica, apesar da pouca experiência como liderança, por ser da base
aliada.
Com as
bênçãos do governador, o distrital lançou-se para a disputa à vice-presidência
e saiu vitorioso com 14 votos. O parlamentar foi um dos personagens do
escândalo dos grampos no Buriti. Em uma conversa com Rollemberg, outros parlamentares
e assessores, o deputado disse que o governo sofria derrotas na Câmara porque
“não estava dividindo o bolo” igualmente.
Alto escalão
Celina Leão (PPS) e os deputados Raimundo Ribeiro (PPS), Júlio César
(PRB) e Bispo Renato Andrade (PR) deixaram a Mesa Diretora da Câmara
Legislativa em 22 de agosto, após a Justiça acatar a acusação do Ministério
Público (MPDFT), de que a presença deles atrapalharia as investigações. No
mesmo dia, o desembargador Humberto Adjuto Ulhoa também determinou o
cumprimento de 14 mandados de busca e apreensão e oito de condução coercitiva —
quando a pessoa é obrigada a prestar depoimento.
Entenda o caso - Esquema de propina
As denúncias sobre um suposto esquema de cobrança de propina para a
liberação de dinheiro para empresas de UTIs surgiram após a deputada distrital
Liliane Roriz (PTB) gravar conversas com a presidente da Câmara Legislativa,
Celina Leão (PPS). A chefe do Legislativo teria tratado sobre os recursos para
a saúde. Celina e um grupo de distritais da Mesa Diretora teriam exigido
dinheiro de empresários para liberar R$ 30 milhões para o pagamento de dívidas
de hospitais. O caso é investigado pelo Ministério Público do Distrito Federal
e Territórios (MPDFT), que identificou indícios das irregularidades. Os
recursos haviam sobrado do orçamento da Câmara. Inicialmente, os valores seriam
remanejados para pagar reformas de escolas públicas. Mas, segundo a denúncia de
Liliane, o empresário abordado não aceitou pagar propina. Diante da negativa,
deputados teriam buscado alternativas. “Se vai ajudar, tem que ajudar todo
mundo”, afirmou Celina à Liliane. “Você não tá fora do projeto, não. Você tá no
projeto. Mandei o Valério já falar com você”. A chefe do Legislativo faz menção
a Valério Neves, ex-secretário-geral da Câmara Legislativa, preso na Operação
Lava-Jato acusado de ser operador do ex-senador Gim Argello. Em outra gravação,
Valério diz que o “negócio” de Cristiano (Araújo) poderia render “no mínimo 5%
e, no máximo, 10%, em torno de 7%”.
Na quarta-feira, olhos estarão voltados a Liliane
Ao mesmo tempo que Liliane Roriz (PTB) denunciou um dos maiores
escândalos políticos da capital federal, a parlamentar e quatro familiares,
entre eles o ex-governador do DF Joaquim Roriz, foram condenados por
improbidade administrativa. Roriz teria facilitado, segundo a denúncia, um
empréstimo do Banco de Brasília (BRB) de R$ 6,7 milhões à construtora WRJ
Engenharia. Em troca, a empreiteira teria lhe repassado 12 apartamentos
em Águas Claras, distante 22km do Plano Piloto (leia Memória acima). Ainda não
houve um desfecho para o caso, porque a decisão não foi unânime. Será preciso
convocar mais dois desembargadores para votarem no processo, que volta à pauta
da 5ª Turma Cível na quarta-feira. Na Câmara, a decisão da Justiça pode
acelerar o processo de cassação contra Liliane.
Basta que
um dos dois desembargadores vote pela condenação para que ela fique inelegível.
O placar atual é de dois votos favoráveis e um contrário. A maior atingida pela
condenação em segunda instância seria Liliane, uma vez que Roriz e Jaqueline
Roriz (PMN) já estão enquadrados na Lei da Ficha Limpa. A defesa da parlamentar
argumenta que não há assinatura de Liliane em nenhum dos documentos da
negociação e que ela nunca esteve no endereço da denúncia. O Correio não
conseguiu contato com Liliane nem com seus advogados.
No
Conselho de Ética da Câmara Legislativa, onde tramita um processo de cassação
contra a parlamentar, as atenções estão voltadas para a decisão. O
presidente do grupo, deputado Ricardo Vale (PT), diz que independente
mente do resultado, a Casa vai investigar Liliane. “A minha obrigação é fazer
com que o processo tramite normalmente. Tenho que convencer os deputados a
fazerem uma investigação. Não vou me basear em outras questões. A Câmara tem a
responsabilidade de apurar casos graves”, explica.
O julgamento
do recurso ficou parado em dois momentos: quando o desembargador Hector
Valverde Santana pediu vista para analisar o processo e após o desembargador
Josaphá Santos, relator do caso, acatar o recurso da família Roriz. Ele
entendeu que não havia provas suficientes para condenação. O Ministério Público
(MPDFT) garante que vai recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), caso a
decisão em primeira instância seja derrubada. Outras cinco pessoas, entre elas
os irmãos Renato e Roberto Cortopassi, proprietários da WRJ, e o ex-presidente
do BRB Tarcísio Franklim de Moura também foram condenados por improbidade no
mesmo processo. (OA)
Memória - Investigação de 2007
Os sócios da WRJ Engenharia, Roberto e Renato Cortopassi, procuraram
Joaquim Roriz em 2004, então governador, para que ele mandasse o BRB viabilizar
dois empréstimos. O dinheiro serviu para construir um edifício, em Águas
Claras, com 96 apartamentos. Em 2006, a construtora ainda conseguiu prorrogar o
pagamento da dívida em três meses. Pelo “favor”, Roriz teria recebido 12
unidades por meio das três filhas, do neto e da empresa JJL, representada por
Weslliane. Uma compra fictícia, de acordo com o processo, seria feita pela
empreiteira, mas, com receio de serem pegos, os envolvidos a fizeram por meio
da Coss Construção, que pertencia a Roberto Cortopassi até 2009. Tanto
Jaqueline quanto Liliane possuem quotas na JJL. A investigação do caso
começou em 2007, com a Operação Aquarela, que apurou fraudes e lavagem de
dinheiro envolvendo o BRB. Na época, Tarcísio Franklin foi flagrado pela
Polícia Civil negociando por telefone com o então chefe do Executivo a partilha
de R$ 2,2 milhões, que teriam sido sacados de uma agência do banco. O episódio
culminou com a renúncia de Roriz ao mandato de senador e a prisão de Franklin.
Fonte: Otávio Augusto – Fotos: Carlos Silva/CB/D.A.Press – Carlos Moura/CB/DA.Press
– Correio Braziliense