"Direto, meus colegas de trabalho são
assaltados por aqui. Os bandidos roubam e se escondem nos escombros"
Paloma Regina Silva, auxiliar administrativa
Apesar de ser uma cidade jovem,
Brasília já acumula algumas edificações abandonadas. Propícias a se tornarem
depósito de lixo, de pragas e de violência, essas construções trazem prejuízo à
comunidade
Antigos saguões ocupados por hóspedes,
pacientes, clientes e operários deram lugar a vãos silenciosos. Em uma cidade,
o pulso está no movimento das pessoas dentro dos espaços. Sem elas, os
endereços se tornam fantasmas. Como toda metrópole, Brasília começa a
colecionar os seus esqueletos, construções abandonadas que estão se
deteriorando por causa da burocracia e de brigas judiciais intermináveis.
Especialistas defendem uma política mais assertiva em relação a esses imóveis,
começando pela regulamentação do Estatuto das Cidades no Distrito Federal, que
prevê diretrizes para evitar a precariedade da propriedade e de toda a
urbanidade.
Na antiga Academia de Tênis José
Farani, as histórias de glamour dos hóspedes, os ilustres jogadores de tênis
que por ali pisaram, as ficções projetadas em 10 salas de cinema e os acordos
políticos delineados em luxuosos restaurantes deram lugar a um cenário
diferente. Galinhas surgiram como opção para conter a proliferação de
escorpiões. Quatro cães fazem barulho contra eventuais invasores. Folhas secas
se amontoam na porta e realçam o aspecto de abandono. Conta-se que o Plano
Collor foi discutido no apartamento da ministra da Fazenda à época, Zélia
Cardoso de Mello, que vivia lá. Na Academia abandonada, as histórias mudaram.
Agora, a mais expressiva é a de uma sucuri de 10m que aparece no local. “Dizem
que tem, mas eu nunca vi”, comenta Júlio César da Conceição, 34 anos, vigia do
lote.
A área foi vendida em 2010 para duas
incorporadoras: o Grupo HC e o Attos. Desde então, as atividades estão
paralisadas. À época, o espaço tinha problemas com legislação ambiental,
invasão de área pública e dívida tributária, estimada em R$ 100 milhões.
Segundo o presidente do Grupo HC, Sebastião Carvalho Neto, a área será usada
para construção de apart hotéis, entretanto, o empreendimento aguarda há mais
de cinco anos a aprovação do projeto pelo governo.
Outro espaço que se tornou emblemático
pelo abandono foi o Torre Palace Hotel. A briga judicial entre os herdeiros e
os passivos trabalhistas levaram à completa desativação do empreendimento. Desde
2013, o imóvel está abandonado. Acabou invadido por usuários de drogas e, mais
tarde, por famílias do Movimento Resistência Popular Brasil (MRP), em uma
simbiose complexa: cada grupo ocupava diferentes andares. Em junho deste ano, o
Estado teve que intervir no local para retirar os ocupantes. Gastou R$ 309 mil
na ação e pede aos proprietários o ressarcimento. Há projeto de uma implosão da
estrutura.
Na Asa Sul, o prédio em que funcionava
o Hospital São Braz encontra-se com a estrutura deteriorada. Os vitrais estão
quebrados e os tetos de gesso começaram a cair. No lugar de pacientes, muito
lixo e resquícios de invasores, como restos de fogueira e odor de urina. Um
cadeado foi instalado recentemente, mas fecha apenas o acesso central ao
prédio. A unidade de saúde está desativada há pelo menos cinco anos. O hospital
tem muitos processos por dívidas, tanto com fornecedores, quanto com o Estado.
A reportagem não localizou os proprietários para saber o futuro da edificação.
A técnica de saúde bucal Cássia Alexandra
de Oliveira Sousa, 29 anos, passa em frente ao hospital há três anos. “Teve uma
época em que um homem se escondia aí dentro e fazia gestos obscenos.” Situação
similar vive a auxiliar administrativa Paloma Regina Silva, 24. Todos os dias,
ela passa em frente à fábrica desativada da Itambé, próximo ao viaduto Ayrton
Senna, no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA). “Direto, meus colegas de
trabalho são assaltados por aqui. Os bandidos roubam e se escondem nos
escombros”, conta. “Se você olhar, neste lote tem de tudo, roupa, preservativo.
Tudo de errado fica aqui.”
A antiga fábrica da Itambé foi
desativada em 2002. À época, a empresa alegou que ia fechar as portas por causa
do aumento da tributação no preço do leite. Em 2006, a área foi vendida e ficou
sem uso. No ano passado, o grupo Paulo Octavio comprou a projeção e informou
que está fazendo estudos para a implantação de um novo negócio, ainda não
definido.
À espera do Estatuto das Cidades
Histórias de endereços abandonados
mostram a necessidade de o GDF regulamentar o Estatuto das Cidades. A lei
federal é de 2001 e, até então, ela não foi recepcionada no DF, o que significa
que só pode vigorar na cidade se tiver uma legislação local sobre o assunto.
Com o Estatuto, a propriedade se configura como função social. Dessa forma, se
ela não for utilizada segundo o plano urbanístico vigente, o Estado pode criar
mecanismos para forçar a utilização, como, por exemplo, implantação de um
Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) progressivo, que aumenta de acordo
com o tempo que o imóvel está mal utilizado. Em uma medida mais extrema, o
Estado pode até desapropriar a área ou comprá-la, cumprindo os devidos prazos.
Para os especialistas, a normatização
local do Estatuto faz-se urgente, uma vez que nem mesmo os altos preços dos
imóveis no Plano Piloto são suficientes para impedir o abandono. “A cidade é um
ambiente coletivo, que dá suporte à vida privada. Quando o imóvel fica vazio, é
uma deseconomia. A cidade investiu para que aquele imóvel pudesse existir,
como, por exemplo, em infraestrutura de rede de água, de energia, de ônibus, de
asfalto”, analisa Benny Schvarsberg, professor de urbanismo e planejamento
urbano da Universidade de Brasília. Para ele, o problema do Estatuto das
Cidades é que ele não obriga os municípios a fazerem a regulamentação e, com
isso, a política urbana vai sendo esquecida.
Alberto Faria, presidente do Conselho
de Arquitetura e Urbanismo do DF, explica que são muitos os impactos de um
imóvel abandonado para a cidade, por isso, a importância de tirar o Estatuto do
papel. Em outras cidades, como São Paulo, a implementação da lei ajudou a
revitalizar áreas como o centro da cidade. “Construções abandonadas vão virando
depósito de lixo, de pragas e de violência, que acabam repercutindo em toda a
vizinhança.” O subsecretário de Gestão do Território e Habitação (Segeth), Luiz
Otávio Rodrigues, afirma que os casos de abandono de imóveis ainda são poucos
em Brasília. Mesmo assim, há vontade do governo local de regulamentar a lei
federal o mais rápido possível.
Onde eles estão
Academia
de Tênis José Farani
Localizado no Setor de Clubes
Esportivos Sul, o empreendimento fechou as portas definitivamente em 2010. Nos
60 mil m² de área, há 23 quadras de tênis, 10 cinemas, 300 quartos, 6
restaurantes e quatro piscinas. Toda a estrutura está desativada e vem se
deteriorando com o tempo. Atualmente, os donos são Attos Empreendimentos e
Grupo HC. Os novos proprietários querem construir apart hotéis na área, mas
esperam, há mais de cinco anos, autorização do governo.
Antiga fábrica da Itambé
Localizada no Setor de Indústria e
Abastecimento, próximo ao Viaduto Ayrton Senna, a fábrica está desativada desde
2002. A Itambé resolveu sair do Distrito Federal alegando alto percentual de
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre o leite UHT
(longa vida). Há 10 anos, a área foi vendida e, desde então, nada foi feito no
local. Este ano, o Grupo Paulo Octavio comprou o espaço e informou que está
fazendo estudos para a implantação de um novo negócio.
Torre Palace
Localizado no Setor Hoteleiro Norte, o
empreendimento parou de funcionar em 2013 e, desde então, o local vem se
deteriorando. Em 2000, com a morte do patriarca Jibran El-Hadj, o imóvel passou
à gestão dos sete herdeiros, que teriam entrado em desacordo. Desde então, o
inventário está na Justiça. No ano passado, 120 famílias do Movimento
Resistência Popular Brasil (MRP) ocuparam o prédio. Em junho deste ano, a
Polícia Militar conclui a desocupação. A ação custou R$ 309 mil aos cofres
públicos. O imóvel deve ir a leilão para pagamento de dívidas.
Hospital São Braz
Localizado na 713/913 Sul, o hospital
está desativado há, pelo menos, cinco anos. Desde 1999 começaram os pedidos de
falência do empreendimento na Justiça. Foram pelo menos nove processos, mas
todos julgados improcedentes. O local está abandonado desde 2011 e a maioria
dos processos existentes contra a empresa são por dívidas, tanto com
fornecedores, como pelo Estado. A reportagem não localizou os donos para saber
o que será feito da propriedade.
Fonte: Flávia Maia – Fotos: Breno
Fortes/CB/D.A.Press – Correio Braziliense