Li com espanto a notícia de que a
UnB pretende desalojar ou realocar a Livraria do Chico, instalada no Minhocão.
A história de Francisco Joaquim de Carvalho é tão colada à da Universidade de
Brasília que virou sobrenome: Chiquinho da UnB. Ele é um piauiense virador, que
não teve acesso às universidades pelas vias convencionais, mas foi salvo pelo
contato com os livros.
O convívio cotidiano com os melhores professores da
UnB, ao longo de quase quatro décadas, fez com que Chiquinho conhecesse as
obras essenciais das áreas de sociologia, antropologia, comunicação, história e
literatura. Aprendeu tudo de maneira autodidata, com atenção aos mestres,
viagens a bienais, participação em feiras literárias e encontros científicos.
Coleciona 500 autógrafos de grandes ensaístas e escritores como se fossem
documentos de vida, entre eles José Saramago, Milton Santos, Edgar Morin e
Cornelius Castoriadis.
Em 1974, disputou um concurso para saber quem era o
maior vendedor de jornais de Brasília. Ele trabalhava na Banca da Dona Chica,
no Minhocão Norte, da UnB. Vendeu 500 jornais e faturou o prêmio. Lá, afiou a
lábia e a observação sobre a psicologia dos clientes.
Na década de 1980, iniciou o contato com os livros e trabalhou em
algumas das mais importantes livrarias da cidade naquela década: a Galileu, a
Literatura — Loja de Livros e a Livraria Rodoviária. Mas, logo em seguida,
percebeu que era bom vender livro de mão em mão. Em 1989, ganhou espaço para
uma livraria no Minhocão, onde conquistou uma legião de admiradores entre
alunos e professores.
Retirar a Livraria do Chico do Minhocão é, guardadas as devidas
proporções, a mesma coisa que realocar o Beirute da 109 Sul para o Setor de
Boêmia Norte. Sem ter nenhum diploma acadêmico, Chiquinho é um agente de
educação informal. O trabalho do Chiquinho é de utilidade pública. Em tempos de
dispersão da internet e culto de bobagens, ele promove a leitura, encontra os livros
difíceis onde eles estiverem e indica obras fundamentais para os alunos.
O argumento de que a universidade pretende resgatar e preservar a obra
arquitetônica de Oscar Niemeyer de descaracterizações é discutível. Os espaços
da UnB apresentam problemas na fiação elétrica, na estrutura de concreto e na
conservação dos banheiros. Transferir para a Livraria do Chico todas as mazelas
me parece um exagero e uma injustiça. Aquela livraria plantada no Minhocão
humaniza a UnB.
Não se destrói uma referência tão forte impunemente. Colocar no mesmo
saco a comercialização de alimentos, os quiosques e a Livraria do Chico é um
ato de insensibilidade. Ele trabalha com o saber, que é a alma e a razão de ser
da universidade. Não faz sentido a instituição criar um personagem tão
interessante e descartá-lo. Merece um tratamento especial. O que a UnB deveria
fazer é tombar o Chiquinho na condição de patrimônio histórico e cultural da
universidade.
Aquele Minhocão sem a Livraria do Chico ficará mais árido do que uma
paisagem lunar. Não sei não, mas a minha internet espiritual me diz que, se
Darcy Ribeiro, o criador da UnB, estivesse vivo, ele ficaria do lado do Chico.
(*) Severino Francisco –
Jornalista, colunista do Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog – Google - Mariana Costa/UnB Agência
Grande Chiquinho... Fui um dos proprietários da Literatura - Loja de Livros, juntamente com o Kleber Lima. Sou testemunha do apreço que o Chiquinho tem pela cultura, em especial pelos livros, que são a sua vida.
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