Auditoria do Tribunal de Contas do DF identificou que, nos últimos
quatro anos, 75% das contratações de obras foram realizadas pela modalidade
convite. Segundo a apuração, empresas agem em conluio para evitar concorrência
Por: Helena Mader,
Administrações regionais encontraram uma saída nada
republicana para driblar a Lei de Licitações e escolher as empresas a serem
beneficiadas com recursos públicos: fracionar a maioria das obras para escapar
da exigência de concorrência pública. Para contratar serviços de valor inferior
a R$ 150 mil, o Executivo pode dispensar a licitação e adotar a modalidade
convite, desde que haja pelo menos três propostas. Uma auditoria do Tribunal de
Contas do Distrito Federal concluiu que a prática virou regra nas administrações.
Nos últimos quatro anos, 75% das contratações de obras foram realizadas dessa
forma. Em conluio, empresas se organizam para faturar os contratos, com a
conivência de servidores. Mas, no fim de janeiro, a Corte decidiu, por
unanimidade, dar um ultimato. Os conselheiros determinaram prazo de 30 dias
para o governo explicar o excesso de negócios fechados por meio dessa
modalidade, em detrimento da realização de licitações.
De acordo com o levantamento dos
auditores, entre 2013 e 2016, as administrações regionais fecharam 973
contratos para a execução de obras e serviços. Desse total, 731 foram firmados
por convite. O total gasto chegou a R$ 96,3 milhões no período. No ano passado,
64% dos negócios fechados por esses órgãos dispensaram concorrência pública
formal e ocorreram após a coleta de pelo menos três propostas. O valor gasto,
entretanto, caiu muito nos últimos anos. Em 2014, as despesas por meio de
convite foram de R$ 40,9 milhões. Em 2016, esse débito foi reduzido a R$ 1,2
milhão. A crise financeira, que diminuiu os investimentos públicos, é uma das
explicações para essa queda.
O uso inadequado desse tipo de
contratação pode ser exemplificado por um projeto para a construção de um campo
de futebol. É como se, em vez de licitar a obra de toda a quadra, o governo
fracionasse o contrato e negociasse com uma empresa para fazer a base de
concreto e a pintura do campo; chamasse outra para fazer o alambrado; e uma
terceira, para urbanizar a área, executando calçada e grama em volta da quadra.
A cobertura, a arquibancada e os vestiários, nesse caso, também seriam
repassados a diferentes firmas.
Assim, cada contrato firmado
isoladamente ficaria abaixo de R$ 150 mil, e a administração pública não
precisaria fazer concorrência. “Esse é o modelo mais evidente de transgressão
da norma. Há a demanda para um projeto, e o gestor decide dividi-lo a fim de
não adotar modalidade de licitação mais complexa”, descrevem os auditores no
levantamento técnico do TCDF, finalizado em dezembro de 2016. No entendimento dos
auditores e do Ministério Público de Contas do DF, que também investigou a
prática, essa atuação tira o caráter competitivo dos certames, pois os convites
têm divulgação restrita e muito menos publicidade do que na concorrência ou na
tomada de preços. Das 368 licitações analisadas, 92,7% tiveram apenas três ou
quatro propostas.
Irregularidades
No total, há 52 processos em que foram
constatados casos de fracionamento irregular em ofensa à Lei de Licitações. O
Tribunal de Contas do DF identificou uma série de evidências de que empresas
contratadas pela modalidade convite agiram em conluio. Há suspeitas, ainda, de
propostas de firmas de fachada, somente para cumprir a formalidade de
apresentação de pelo menos três preços.
A auditoria da Corte mostra cotações de
preços de empresas diferentes com o mesmo número de telefone, por exemplo, ou
com planilhas de valores praticamente idênticas. Outro dado chama a atenção,
segundo trecho do levantamento técnico da Corte de contas: “a limitação
orçamentária para licitar pela modalidade convite é levada a extremos nas
administrações regionais, visto que 86,15% dos processos analisados estavam
orçados entre R$ 140 mil e R$ 150 mil.”
Com a análise das licitações realizadas
na modalidade convite, é possível constatar a ocorrência de vários certames com
as mesmas empresas participantes. “Verifica-se que o fracionamento pode
resultar no uso do convite para quase a totalidade das contratações. O problema
acontece com os efeitos de sua má utilização, como a possibilidade de
direcionamento da licitação para um grupo específico de empresas e número
reduzido de participantes, o que gera um menor desconto para a administração”,
pondera a auditoria do TCDF.
No período analisado, a Administração
Regional do SIA foi a campeã de contratações pela modalidade convite: 85% de
todas as obras e serviços pagos pelo órgão ocorreram dessa forma. O excesso da
prática levou à condenação do ex-administrador regional do SIA José Tenório
pelo Tribunal de Contas do DF. No mês passado, o Ministério Público de Contas
pediu que a Corte rejeitasse o balanço anual. Em 2013, a administração fez
contratações fracionadas por meio de convite que somaram R$ 1,1 milhão.
O uso ilegal das contratações levou ao
superfaturamento por sobrepreço. A análise da execução das obras apurou
pagamentos por serviços não executados ou feitos com qualidade inferior à
exigida. Outro ponto que chamou a atenção nas visitas realizadas foi a má
qualidade das construções. O relatório cita o exemplo de obras de urbanização
na QR 122, em Santa Maria. “Além de ter sido um processo fracionado, as
calçadas foram executadas sem o menor zelo, fora das especificações
contratadas, ocasionando um dispêndio indevido, pois o objetivo da contratação
não foi alcançado”. A negociação previa a pavimentação com piso em concreto de
espessura de 7cm. Mas não havia a metragem exigida, o que levou à destruição do
material.
(*) Helena Mader -Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google