Teatro Nacional de Brasília é um monumento ao
abandono
Por Cristovam Buarque,
Por três anos, a
população de Brasília assistiu ao governo do Distrito Federal e ao governo
federal construírem, ao custo de R$ 2 bilhões, um estádio para 70 mil
espectadores – em uma cidade em que seus times carecem de torcedores –, enquanto
a poucos quilômetros seu Teatro Nacional estava fechado e se degradando.
Diante desse desperdício de recursos e
desse crime contra a cultura brasileira, os artistas de Brasília silenciaram
por duas razões: a afinidade em relação aos governos federal e local e a
tradição brasileira de considerar que os recursos fiscais são ilimitados, sem
disputa entre as diferentes prioridades. O caso de Brasília não foi único: nos
últimos anos, dezenas de museus, cinemas e teatros foram sendo depredados,
degradados e abandonados ao lado de novos estádios e outros gastos públicos.
Mesmo entre os poucos artistas que se
manifestaram em defesa da recuperação do teatro, nenhum se manifestou contra o
desperdício do estádio. Não perceberam que cada tijolo usado em uma obra não
pode ser utilizado em outra, pois não tinham a percepção de que os gastos
públicos exigem escolha: estádios ou teatros, viadutos ou escolas, palácios ou
saneamento.
ENFIM, SOLUÇÃO – Felizmente,
nesta semana, o ministro Roberto Freire e o presidente Temer assumiram o
compromisso de recuperar e reabrir o Teatro Nacional Claudio Santoro. Mas,
diante das novas regras que definem um teto para os gastos da União, a vida
política e fiscal brasileira vai entrar em um tempo de realismo na escolha de
suas prioridades. A disponibilidade de recursos orçamentários para uma ou outra
finalidade vai depender de luta política na elaboração do Orçamento federal.
Por isso, os artistas que até aqui assistiram calados a um teatro definhar na
sombra de um estádio que surgia precisam estar atentos. Será preciso convencer
os eleitores para que eles convençam os governos e parlamentares a preferirem
um teatro necessário a um estádio sem função. Caso contrário, democraticamente,
o teatro continuará fechado, e o estádio, vazio.
Os gregos separaram aritmética e
dramaturgia, a fantasia nos palcos e a realidade na política. Foi a aliança dos
políticos de todos os partidos com os líderes das classes patronais ou
trabalhistas que nos passaram a ilusão de que os recursos financeiros públicos
seriam ilimitados, permitindo fantasias na política.
OUTRAS FINALIDADES – A partir de
agora, não bastará lutar por mais recursos para o teatro, será necessário lutar
também para obter recursos para outras finalidades. A política subirá para o
mundo da realidade, por disputas conforme interesses, preferências, lutas entre
classes. A ilusão ficará no palco, nos roteiros das peças, nas partituras, no
destino dos personagens, não na política nem nas finanças.
Pena que muitos ainda
preferem a ilusão fiscal do orçamento à ilusão artística do teatro; e o
sectarismo faz com que alguns artistas fiquem contra a recuperação do teatro
porque estará sendo feita por um governo ao qual se opõem
(*) Cristovam Buarque – Senador pelo PPS-DF – Professor emérito da UNB