Pela proposta do Executivo, seria criado um
instituto para gerir o Hospital de Base: proposta nas mãos dos distritais
Governo apresenta projeto para mudar modelo de
gestão do maior hospital do DF, mas pode enfrentar resistência para aprovar a
medida na Câmara Legislativa devido a pressões dos sindicatos. Ministério
Público é favorável à medida
*Por Cristine Gentil - Thiago Soares,
Depois de tentativas frustradas de implantar um
novo modelo de gestão para o sistema público de saúde por meio de organizações
sociais, o governo local apresentou à Câmara Legislativa outro projeto, desta
vez restrito ao Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF). Considerada estratégica
e entregue pessoalmente aos deputados pelo governador Rodrigo Rollemberg na
manhã de ontem, a proposta autoriza o Executivo a criar o Instituto Hospital de
Base do DF (IHBDF), pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos,
que passaria a administrar a maior unidade da rede com muito mais autonomia.
Apesar de ter sido discutido anteriormente com diversas entidades e com
distritais, de acordo com o governo, é possível que o projeto encontre
resistência para ser aprovado, sobretudo devido à pressão dos sindicatos, que
se manifestaram imediatamente contra a ideia por entenderem que é uma forma de
“desvalorizar o serviço público”.
Para o
governo, a medida garantirá agilidade nos processos de compra de medicamentos e
equipamentos, de manutenção e de contratação de novos servidores. “Esse é um
modelo 100% público, em que não há gestão de entidades da iniciativa privada.
Ela é feita pelo poder público, num modelo que dá agilidade aos processos de
compras e burocratização dos equipamentos. A mudança dará autonomia e agilidade
ao Base e se inspira, no ponto de vista administrativo, na gestão do Sarah.
Estamos dando um passo importante para que o principal hospital de Brasília
tenha melhores condições de trabalho e uma melhoria na prestação de serviços”,
destacou o chefe do Executivo.
Se
aprovado o projeto, o hospital permanece público e mantido pelo governo, com um
orçamento anual de R$ 550 milhões. O instituto será gerido pelo Conselho de
Administração, formado por nove integrantes e presidido pelo secretário de
Saúde. A composição dos membros incluirá representantes da sociedade civil,
como, por exemplo, do Conselho Regional de Medicina e, provavelmente, da rede
de voluntários que presta assistência a pacientes do HBDF e a seus familiares.
Eles não serão remunerados. Caberá ao conselho criar um estatuto e eleger os
diretores. Nenhum integrante pode ser político nem ter vínculo partidário. À
diretoria cabe elaborar um regimento interno. O Tribunal de Contas do DF (TCDF)
será responsável pela fiscalização do contrato.
Distritais
Líder do
governo na CLDF, o distrital Rodrigo Delmasso (Podemos) defende que o projeto é
uma excelente alternativa não somente para o Hospital de Base como para outras
unidades hospitalares do DF. “Ele desburocratiza a gestão do hospital, mas não
tira o controle e a fiscalização do poder público. Isso pode dar mais agilidade
nos procedimentos. A compra de medicamentos não pode ser tratada da mesma forma
que é feita a compra de um saco de cimento. A Lei de Licitações trata essas
duas compras da mesma maneira. É preciso tratar a urgência com urgência”,
pontua.
Apesar de
ter regras de compras e de contratação de servidores não atreladas às leis
federais, a Rede Sarah obedece a critérios rígidos previstos em lei específica
e auditados por órgãos de controle federais, inclusive com concurso para
selecionar servidores. A Secretaria de Saúde informou que vai seguir critérios
semelhantes. Mas há preocupação de integrantes da Câmara. O presidente da
Comissão de Educação, Saúde e Cultura da CLDF, Wasny de Roure (PT), salientou
que é importante analisar e discutir o projeto com cautela. “Assim como o GDF
trabalhou em sua elaboração, o projeto também deve ser debatido nesta Casa,
seguindo o seu regimento. Esse é um cenário que pode trazer turbulências com um
processo de terceirização. Sabemos que algo tem que ser mudado na saúde, porém,
isso significa uma mudança de gestão expressiva.” Segundo o distrital, a
possibilidade de contratação de funcionários e compras sem processos pode
angariar outros problemas no hospital. “Temos que trabalhar o projeto para
tentar contornar a crise na saúde, que é severa, mas não apenas com críticas,
também com soluções, considerando os desvios que o modelo pode trazer à
administração pública”, pontua.
O
Ministério Público do DF e dos Territórios (MPDFT), que antes discordava com o
Executivo sobre a implantação das Organizações Sociais (OSs) no sistema de
saúde local, avalia como positiva a possibilidade de criar o instituto para
gerir o Hospital de Base. “A proposta anterior expunha a gestão a invenções
políticas que seguem uma lógica eleitoreira. A saúde é muito sensível para
ficar desprotegida a essa situação. Essa proposta atende à necessidade de
descentralização da saúde. Hoje, em toda a rede, são 35 mil servidores. A pasta
conta com grande absenteísmo e tem incapacidade de compras e manutenção de
equipamentos. Para se ter ideia, hoje, o diretor do HBDF não consegue comprar
um esparadrapo. Não tem essa autonomia. O projeto do GDF dá essa possibilidade
de compras e contratações — uma descentralização necessária para o
funcionamento do hospital”, defende Jairo Bisol, promotor de Justiça de Defesa
da Saúde.
Servidores
Pelo
projeto, os servidores que estão atualmente lotados no Hospital de Base poderão
escolher se querem permanecer ou se desejam ser transferidos para outra
unidade. Aqueles que decidirem pela transferência ficam impedidos de voltar e
serão liberados à medida que a substituição seja possível. Os que optarem por
ficar no Hospital de Base serão cedidos ao instituto e estarão sujeitos ao novo
regime de gestão de pessoas. Apesar disso, manterão “os direitos previstos nos
regimes jurídico e de previdência, no seu cargo e carreira de origem”, descreve
o projeto.
O governo
acredita que não haverá aumento de despesas, pois o modelo trará maior eficácia
na gestão dos recursos. Atualmente, 82% do orçamento do HBDF são gastos com
3.400 servidores. O instituto poderá também, a princípio, receber receita de
entidades privadas, mediante doação ou financiamento.
O
presidente do Sindicato dos Médicos (Sindmédicos-DF), Guthemberg Fialho,
criticou o projeto. “O governo está criando um instituto com todas as
características de Organização Social, um meio para implantar o mesmo
mecanismo. O Base continua numa situação ruim. A Secretaria de Saúde não tem
dinheiro para resolver os problemas pontuais, também não teria para financiar
um instituto”, pontua. Fialho acredita que o projeto precariza a condição do
servidor público. “O servidor perde a estabilidade, não há mais vínculo
empregatício e podem ocorrer demissões sem justificativa”, considera.
O
secretário de Saúde, Humberto Fonseca, descarta essa possibilidade. “Todas as
prerrogativas dos servidores concursados estão mantidas”, garante. E os novos
funcionários, segundo ele, também seriam contratados mediante uma seleção
pública, de acordo com a lei específica.
A
Associação Médica de Brasília (AMBr) defende uma maior discussão do assunto com
a sociedade civil. “O HBDF vive uma dificuldade enorme. O modelo hospitalar do
DF está quebrado, mas, na nossa visão, a maneira como está sendo proposto esse
novo modelo é errada. Não foi feita uma consulta para o segmento médico nem
para a população sobre o assunto. Isso é fundamental para amadurecer as ideias.
Não se pode simplesmente desconstruir um hospital e deixar para trás toda a sua
história. Acreditamos que a proposta desqualifica o serviço público
progressivamente”, defende o presidente Luciano Carvalho. Segundo ele, os
médicos e os profissionais da saúde de Brasília precisam se mobilizar para
discutir a proposta na audiência pública que a CLDF fará para analisar o
projeto de lei.
Radiografia - R$ 550 milhões - Orçamento anual do Hospital de Base do DF - 3,4 mil - Número de servidores existentes hoje no HBDF - 82% - Dos gastos totais da unidade são em folha de pessoal
(*) » Cristine Gentil - Thiago Soares - Foto:
Minervino Junior – Correio Braziliense