Medida provisória que trata da regularização fundiária rural e urbana no
país pode simplificar a legalização dos condomínios no DF. Alguns pontos
polêmicos, como a venda direta de imóveis em terra pública, têm causado
protestos
Por Flávia Maia,
Pela MP, áreas de destinação rural, mas que, ao longo do tempo,
cresceram como cidade deverão ser tratadas como espaço urbano, é o caso de
Vicente Pires
O Congresso Nacional deve votar até o fim deste mês a Medida Provisória
(MP) número 759/2016 que dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana.
A norma atinge diretamente um dos principais problemas do Distrito Federal: a
regularização de terras, tanto de condomínios urbanos, quanto de áreas rurais.
Segundo dados da Companhia de Planejamento do DF, 22,15% dos domicílios da
capital do país estão localizados em terrenos irregulares. A MP ganha amplitude
no DF porque abrange não só as moradias de baixa renda como também os
parcelamentos de classes média, baixa e alta.
Com a
consolidação da MP 759/2016, a regularização de condomínios, como os
localizados no Jardim Botânico, Arniqueiras e Vicente Pires, pode ser
simplificada. A nova norma federal traz uma série de facilidades e
flexibilizações, muitas delas questionadas por entidades civis, como o Instituto
dos Arquitetos do Brasil (IAB). Segundo a Secretaria de Gestão do Território e
Habitação (Segeth) do DF, os processos de regularização em andamento não serão
modificados até a regulamentação geral da MP.
Uma das
mudanças trazidas pela MP é a possibilidade de venda direta de imóveis situados
em terras públicas ao ocupante irregular, sem precisar de licitação. A prática
é possível no DF, entretanto, segue uma série de quesitos impostos pelo Termo
de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado entre o GDF e o Ministério Público do
Distrito Federal e Territórios (MPDFT) em 2007, como, por exemplo, que o
ocupante só tenha aquela moradia no lote irregular e que a edificação tenha
sido concluída até 2006.
Dessa
forma, com a MP, a venda direta está autorizada de vez, entretanto, ainda é
preciso uma regulamentação do assunto. Na análise do presidente da Terracap,
Júlio César de Azevedo Reis, a venda direta é uma boa opção para resolver as
questões fundiárias envolvendo terras públicas. “É a alternativa mais justa
para a regularização fundiária urbana, porque vai priorizar a pessoa que ocupa
mais tempo.”
O preço a
ser pago pelo ocupante é outra polêmica. A determinação da MP é de que, no
valor, se desconte de benfeitorias feitas, como instalações de água, luz e asfalto.
“Um grande problema dos condomínios do DF é o preço. O abatimento das
benfeitorias sempre foi permitido, o que tinha dúvida era a questão da
valorização por causa do que foi feito. Fizemos uma emenda para que isso seja
possível. O objetivo é que seja pago o preço da terra nua”, defende Izalci
Lucas (PSDB-DF), presidente da Comissão Mista da MP 759/2016 no Congresso
Nacional.
Outro
tema polêmico tratado na MP é a flexibilização de parâmetros urbanísticos. Ou
seja, os municípios estão liberados para regularizar áreas ocupadas sem padrões
definidos, como, por exemplo, tamanho mínimo de lote e espaços destinados a
equipamentos públicos, como praças e escolas. Entretanto, o secretário da
Segeth, Thiago de Andrade, explica que, no caso do DF, essas diretrizes estão
disciplinadas no Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) e em outros
instrumentos legais, por isso, continuarão sendo cobrados para a regularização
ocorrer. “O normativo federal faculta aos municípios brasileiros não exigir
esses parâmetros. Mas, no DF, nós exigimos um percentual de áreas para escolas,
saúde, etc. Além de um mínimo de espaços livres, como praças e jardins.”
Licença
ambiental
A
flexibilização da licença ambiental é outro assunto delicado. De acordo com o
deputado Izalci Lucas, a MP e suas emendas permitem a separação da parte do
condomínio construída em área ambiental daquela sem problemas como o meio
ambiente. “Vamos supor que 5% do condomínio esteja construído em Área de
Preservação Permanente. Hoje, o condomínio não é regularizado enquanto não se
resolve essa pendência. Com a lei, permite-se que se separe o que tem problema
e regularize o restante.” A mesma situação vale para brigas judiciais. Se ela
envolver apenas uma fração do parcelamento, o pedaço com o imbróglio pode ser
isolado e a regularização, continuar.
As áreas
de destinação rural, mas que, ao longo do tempo, cresceram como cidade também
deverão ser tratadas como espaço urbano. Seria o caso, por exemplo, da Colônia
Agrícola Vicente Pires e da região do Café Sem Troco. Porém, como não há
regulamentação, não se sabe o que seria determinante para a área rural ser
considerada como consolidação urbana.
Na
opinião de Thiago de Andrade, a MP tem o intuito de facilitar a regularização,
entretanto, ainda é complicado saber os efeitos da norma porque falta
regulamentação de vários tópicos. “É algo difícil de falar neste momento. Temos
apenas um lado da moeda. A norma mostrou a cara, mas não o valor.” O secretário
alerta que os órgãos do GDF têm debatido a questão com profundidade, inclusive,
com riscos, como o de institucionalizar a irregularidade e a grilagem.
Trâmite e
oposição
A MP foi
editada no último dia 23 de dezembro e, para virar lei, precisa ser votada no
Congresso Nacional. Embora a norma venha com o intuito de regularizar ocupações
consolidadas em todo o país, ela ainda é polêmica e envolta por lacunas que
demandam regulamentações. Para o IAB, o tema é muito complexo para ser decidido
por uma medida provisória, sem a participação de entidades civis e da sociedade
no processo.
Em carta
assinada por sete entidades civis, diz-se que: “A MP 759/2016 foi apresentada
ao país num contexto de pouca participação e sem considerar que há um
ordenamento jurídico que rege as questões urbanísticas no Brasil”. O texto
complementa ainda que “a regularização fundiária não é disciplina de direito
imobiliário, mas de direito urbanístico. Seu objetivo não é produzir
propriedade, mas gerar cidades”.
22,15 %
- Dos domicílios do DF estão localizados em terrenos não regularizados
Para
saber mais - Aprovação dos parlamentares
A Medida
Provisória (MP) é um instrumento com força de lei, adotado pelo presidente da
República em casos de relevância e urgência. Produz efeitos imediatos, mas
depende de aprovação do Congresso Nacional para transformação definitiva em
lei. Seu prazo de vigência é de 60 dias, prorrogáveis uma vez por igual
período. Se não for aprovada no prazo de 45 dias, contados da sua publicação, a
MP tranca a pauta de votações da Casa em que se encontrar (Câmara ou Senado)
até que seja votada. Nesse caso, a Câmara só pode votar alguns tipos de
proposição em sessão extraordinária.
Polêmica -Veja alguns dos pontos da MP 769/2016 que têm
causado discussões
»Preço cobrado do ocupante - O valor a ser pago tem desconto de benfeitorias feitas, como instalações de água e luz
»Venda direta - O ocupante é prioridade em caso de imóvel situado em terra pública; não precisa de licitação.
»Flexibilização da licença ambiental - O licenciamento poderá, por exemplo, ficar restrito à área de proteção. Ainda falta regulamentação.
»Flexibilização de parâmetros urbanísticos - Não precisa de tamanho específico para terreno, assim como há dispensa de espaço destinado a equipamentos públicos, como praças e escolas. Falta regulamentação.
»Áreas rurais habitadas como urbanas - São tratadas como urbanas. Falta regulamentar o que é considerado área rural consolidada como urbana.
»Briga judicial - Se houver questão judicial envolvendo um lote, por exemplo, a regularização continua ocorrendo no restante do condomínio. Antes da MP, qualquer problema travava a regularização.
Por Flávia Maia – Foto: Minervino Junior/CB/D.A.Press – Correio
Braziliense