Praça do Cruzeiro - Realizada 1ª Missa de Brasília - Foto: Toninho Tavares/Agência Brasília
*Por Regina Peres
Em 1960, aos 11 anos de idade, vim para Brasília
com meus pais e irmãos. Pelo retrovisor, vimos Minas Gerais ficando para trás.
Tios e primos também fizeram a mesma marcha. Minha primeira impressão de
Brasília foi desoladora. Prédios brotavam da terra vermelha, rodeados por
árvores baixas e retorcidas. Rodamoinhos gigantes rodopiavam espalhando poeira,
sujeira e susto. A população da recém-nascida Brasília tinha diferentes
sotaques e origens, culturas e hábitos, e as pessoas, normalmente, mantinham-se
atreladas às suas cidades de origem. Meu inconformismo inicial foi passageiro,
pois era contagiante o otimismo que emanava dos espíritos desbravadores, como
de meu pai. Assim, os que iam chegando eram logo inoculados pelo sonho sonhado
por Dom Bosco e que estava sendo materializado pela bravura, liderança, fé,
espírito visionário e singularidade de JK.
Independentemente de idade, classe social, papel
desempenhado, os pioneiros viveram notável epopeia. Lembro-me, de pronto, da
Cidade Livre, com suas edificações em madeira, clima de faroeste e movimentação
frenética. Ali eram encontradas lojas, mercados, restaurantes, hotéis, enfim,
todo tipo de provimento aos pioneiros. Tenho afetuosa lembrança do colégio
Caseb, onde fiz o primeiro grau e os primeiros amigos na cidade. Lá estudou
grande parte dos jovens pioneiros de Brasília. Também inesquecível é o Elefante
Branco, onde cursei o científico, muito aprendi e vivi anos dourados, plenos de
encantos juvenis.
O modelo de convivência urbana previsto por Lucio
Costa em seu plano urbanístico para Brasília foi exercitado com êxito naquela
época. As quadras tinham vida razoavelmente autônoma. Crianças estudavam em
escolas e brincavam em parquinhos próximos às suas residências. O comércio
local atendia aos moradores da redondeza. Era possível morar perto dos locais
de trabalho. O trânsito era calmo, sem cruzamentos ou sinais.
Curiosamente, essa vida pacata e quase provinciana
se dava numa cidade de palácios e monumentos, referência internacional de
arquitetura, cidade anfitriã das maiores autoridades mundiais onde eram tomadas
as grandes decisões do país. Aos sábados, os jovens curtiam festas como o
“Joquinho” no Edifício Jóquei Clube e o “Congressinho” na sede do Clube do
Congresso no Lago Norte. Os ritmos da época eram a jovem guarda, a bossa nova,
o rock, os Beatles, que desabrochavam, e as românticas músicas italianas.
O Lago Paranoá, além de contribuir para amenizar o
clima seco, sempre proporcionou beleza e fascínio ao ambiente, além de esportes
aquáticos. A festa dos estados era um dos eventos mais esperados e
prestigiados. A população curtia o clima de festejos juninos visitando barracas
típicas de cada estado. Empolgante também era a tradicional prova
automobilística dos 1.000 km de Brasília, que acontecia nas ruas da cidade,
reunindo grandes pilotos nacionais e a população que se amontoava animadamente
nas redondezas do Hotel Nacional.
Por muito tempo foram restritas as opções de
compras na cidade. O comércio era simplório. Produtos mais sofisticados vinham
de fora. Mas, a título de exemplo, vale lembrar alguns estabelecimentos
pioneiros e tradicionais como Kazebre 13, Restaurante Roma, Pizzaria Dom Bosco,
Mercados da SAB, Lojas Paranoá, Bi-Ba-Bô e Fofi. Como não lembrar também dos
Cines Brasília e Cultura? Recordo-me do primeiro terminal de passageiros do
aeroporto de Brasília, uma construção ainda em madeira. Depois, uma edificação
de alvenaria o sucedeu e nela havia um terraço panorâmico de onde se
acompanhavam pousos e decolagens. Desde a inauguração de Brasília, o Correio
Braziliense ocupou a posição de maior veículo noticioso local. A capital contou
inicialmente também com a TV Brasília e com emissoras de rádio como a Alvorada
e Planalto.
O Centro Comercial Gilberto Salomão, empreendimento
pioneiro do Lago Sul, tornou-se importante centro de entretenimento e
gastronomia, destinação mantida por muito tempo. O Hospital Distrital, atual
Hospital de Base, dispunha de excelentes quadros médicos e atendia muito bem a
população. Taguatinga florescia na ocasião da inauguração de Brasília. O
conceito de cidade-satélite já figurava no plano urbanístico de Lucio Costa e
esses centros urbanos foram logo se multiplicando. Um forte sincretismo de toda
natureza está na gênese de Brasília, que integrou brasileiros de todos os
rincões e matizes. A cultura candanga nasceu da mistura de sua diversidade,
exemplo é o sotaque sem sotaque, das gerações brasilienses.
Brasília é fascinante, com suas esculturas em
concreto que assumem a feição do céu que as emoldura, por vezes, de límpido
azul, por outras, avermelhado pelo pôr do sol e à noite iluminado pela lua,
costumeiramente majestosa. Hoje, muitos pioneiros repousam no solo de Brasília
envergando o galardão de alicerce dessa cidade erigida como Capital da
Esperança. Gerações de bravos e talentosos filhos de Brasília têm vindo à luz
para torná-la cada vez mais soberana e independente do centro de poder que
hospeda e de mazelas que não são suas. JK, criador da nova capital, tocou sua
criatura como Midas, augurando a realização da profecia de São João Bosco que
anteviu Brasília como uma terra próspera e promissora. Que assim sempre seja!
(*) Regina Peres – Administradora de Empresas –
Foto:Toninho
Tavares/Agência Brasília - ilustração:
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