Numa época em que se assiste ao esgotamento progressivo
dos recursos naturais, como a água, as questões fundiárias passam a requerer,
com mais urgência, um tratamento racional e especializado, de modo a não
comprometer, ainda mais, esse que é um dos grandes problemas que a humanidade
terá de resolver neste século, caso ainda tenha planos de permanecer neste
planeta. Dessa forma, é no mínimo temerário que problema dessa magnitude seja
totalmente delegado ao arbítrio da classe política cujo horizonte, todos
sabemos, se estende somente até as próximas eleições. Essa situação, já por si
muito delicada, ganha contornos mais preocupantes quando se verifica que
decisões sobre a ocupação do solo emanadas do Legislativo quase sempre se
revestem de aspectos nitidamente fisiológicos, já que buscam soluções imediatas
para problemas complexos, cujos resultados são sempre de longuíssima duração.
Esse parece ser o caso da Medida Provisória nº
759/16, aprovada agora, com 16 votos favoráveis e 4 contrários, pela comissão
mista criada no Congresso Nacional. A MP trará mudanças significativas na
legislação que trata da regularização de terrenos urbanos, sobretudo
condomínios fechados, favorecendo quem já construiu e quem ainda não iniciou
obras nesses espaços.
A despeito de beneficiar cerca de 1 milhão de
brasilienses que vivem em imóveis sem escritura, como Jardim Botânico, Vicente
Pires e Sol Nascente, o que na prática a adoção dessa medida passa ao cidadão é
que as invasões de terras públicas, uma vez se tornando fato consumado, vale a
pena serem realizadas. Um dia, dada a natureza elástica da política,
principalmente às vésperas das eleições, toda invasão acabará por ser
legalizada.
Primeiro os órgãos públicos tratam de ligar água e luz. Os grileiros,
que nunca ganharam tanto dinheiro como nestas últimas décadas aqui em Brasília,
obviamente agradecem e hão de reconhecer e retribuir o favor político. Por essa
medida, fica proibida a derrubada de guaritas e do cercamento desses
condomínios, como determinava a legislação passada. Também os moradores dessas
regiões saberão retribuir o esforço da bancada de Brasília que votou a favor do
projeto.
Quem não aceitou com tanta facilidade a questão foi a Justiça, que, por
meio do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), pediu que
a matéria fosse discutida por outros mecanismos que não medida provisória. A
regularização de assentamentos urbanos consolidados, diz a nota do Ministério
Público, havia sido inteiramente disciplinada pela Lei Federal n° 11.977, de 7
de julho de 2009. A norma em questão promoveu sensíveis alterações com o
intuito de viabilizar a regularização desses assentamentos, tendo como
principais inovações os institutos da legitimação de posse e da demarcação
urbanística. Para os urbanistas, o novo entendimento legal é um complicador a
mais nos já tão delicados problemas de infraestrutura da capital.
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A frase que foi pronunciada
“Ninguém morre. As pessoas só despertam do sonho da vida.”
(Raul Seixas)
“Ninguém morre. As pessoas só despertam do sonho da vida.”
(Raul Seixas)
(*) Circe Cunha – Coluna “Visto, lido e ouvido” – Ari Cunha – Correio
Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google