Terminal do BRT Sul:
implantação sob suspeita de acordo de mercado para divisão da propina entre
políticos do Distrito Federal
*Por Ana Viriato - Lucas Fadul
Delação de ex-diretor da Andrade Gutierrez detalha
que, além de ex-chefes do Executivo local, receberam dinheiro ilícito partidos
políticos do Distrito Federal. Esquema envolve, ainda, fraude na licitação do
sistema de transporte
Trecho da delação de Rodrigo
Ferreira Lopes detalha os valores do dinheiro ilícito
O acordo estabelecido entre a Construtora Andrade
Gutierrez e o Ministério Público Federal (MPF), estopim da Operação
Panatenaico, é integrado por uma delação que detalha dezenas de irregularidades
na construção do BRT Expresso Sul. O depoimento do ex-diretor da empreiteira
Rodrigo Ferreira Lopes revela o repasse de valores ilícitos ao ex-governador
Agnelo Queiroz (PT), ao ex-vice-governador Tadeu Filippelli (PMDB) e aos
respectivos partidos. O empresário contabiliza o pagamento de, pelo menos, R$ 8
milhões em propina.
O processo licitatório para o sistema de transporte
expresso começou em 2008, quando José Roberto Arruda (PR) estava à frente do
Palácio do Buriti. Segundo a delação, o ex-chefe do Palácio do Buriti teria
arquitetado um acordo de mercado entre grandes empreiteiras para garantir a
divisão das principais obras de Brasília, em troca do recebimento de valores
indevidos — na construção do BRT, porém, ele não levou dinheiro ilícito, uma vez
que a obra começou na gestão de Agnelo Queiroz e de Arruda.
A condução da concorrência para o BRT Sul deu-se
pelo Metrô-DF, ainda que o projeto não se enquadrasse no setor metroviário. De
acordo com o depoimento, os detalhes do certame ficaram a cargo de José Gaspar
de Souza, então presidente da empresa, indicado pelo ex-secretário de Obras, e
diretores da Andrade Gutierrez. Para reduzir a disputa, os idealizadores
estabeleceram cláusulas restritivas.
Além disso, empresários da construtora teriam procurado
a Odebrecht para que a empreiteira realizasse o lance mais alto do processo
licitatório. Dessa forma, até o valor superfaturado apresentado pela Andrade
Gutierrez se classificaria como a melhor opção ao governo. Ao fim das
negociatas, integraram o consórcio responsável pelas obras as empresas Via
Engenharia, OAS, Andrade Gutierrez e Setepla Tecnometal Engenharia.
O efetivo pagamento de valores indevidos teria
começado durante a corrida eleitoral de 2010. De acordo com Rodrigo Ferreira
Lopes, Agnelo e Filippelli procuraram representantes das empresas que compunham
o “cartel” do BRT Sul para requisitar propina de R$ 500 mil em cada turno da
campanha — totalizando, assim, R$ 1 milhão. Em contrapartida, os então
postulantes ao Palácio do Buriti manteriam o “acordo de mercado”.
Após o início das construções, em 2011, quando
Agnelo e Filippelli ocupavam o Executivo local, a Andrade Gutierrez teria sido
informada sobre o pagamento de propina ao PT e ao PMDB. Cada sigla recebeu 2%
sob o valor da obra, segundo a delação. O BRT Sul, inicialmente orçado em R$
587.400.719,83, custou aos cofres brasilienses R$ 704.709.866,75. O total de R$
8 milhões distribuídos em propina pela Andrade Gutierrez equivale a apenas 4%
do valor recebido pela empreiteira nas obras do BRT Sul.
O ex-diretor da Andrade Gutierrez afirma não ter
realizado pagamentos diretos. Contudo, diz ter conhecimento das quitações. No
caso do direcionamento de verbas para o PMDB, parte dos repasses teriam
ocorrido em espécie; outra fatia em doações oficiais; e por meio de contratos
simulados de prestação de serviços com empresas indicadas por Filippelli, como
a Logit — empresa de consultoria de projetos de transporte —, no valor de R$
900 mil, e a AB Produções — Canto do cerrado filmes, por R$ 1,6 milhão.
O delator ainda levantou a suspeita de que a OAS e
a Via Engenharia, integrantes do consórcio que tocou as obras do sistema de
transporte, também pagaram R$ 8 milhões, cada. Assim, o total de propina
repartido pode atingir R$ 24 milhões. Os pagamentos dos valores ilícitos eram
feitos pelos diretores da Andrade Gutierrez, Carlos José de Souza e Rodrigo
Leite. E Afrânio Roberto ocupava o papel de operador para o ex-governador e o
ex-vice-governador, segundo a delação.
Prisões
A delação de Rodrigo Ferreira Lopes integra o rol
das delações que embasam a Operação Panatenaico. Deflagrada em 23 de maio, a
fase inicial da investigação culminou na prisão de Agnelo, Filippelli e Arruda,
além de outras sete pessoas. Todos eles devem permanecer detidos até amanhã no
Departamento de Polícia Especializada (DPE) (veja quadro). A Justiça Federal
determinou o bloqueio de patrimônio de 11 alvos — a indisponibilidade totaliza
cerca de R$ 155 milhões.
A primeira fase da Panatenaico está sob o enfoque
do Estádio Nacional Mané Garrincha, arena esportiva superfaturada em R$ 900
milhões e origem de um rombo de R$ 1,3 bilhão aos cofres da Terracap. As obras
do BRT Sul e do legado urbanístico em torno do Mané Garrincha, no entanto,
também são alvos da operação.
O Supremo Tribunal Federal (STF) enviou as delações
da Andrade Gutierrez ao Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT).
Detidos na primeira
fase da operação
Dez investigados pela Operação Panatenaico que
continuam presos, suspeitos de desvios na obra do Mané Garrincha
José Roberto Arruda
Ex-governador do DF
Agnelo Queiroz
Ex-governador do DF
Tadeu Filippelli
Ex-vice-governador do DF
Fernando Márcio
Queiroz
Presidente da Via Engenharia Sérgio Lúcio Silva de
Andrade Suspeito de ser operador de Arruda a partir de 2013
Francisco Cláudio
Monteiro
Acusado de ser operador de Agnelo
Afrânio
Roberto de Souza Filho
Apontado como operador de Tadeu Filippelli Maruska
Lima de Souza Ex-presidente da Terracap
Nilson Martorelli
Ex-presidente da Novacap
Jorge Luiz Salomão
Suspeito de atuar como “intermediário sistemático e
usual” de Agnelo
Acusações refutadas
Paulo Guimarães, advogado de Agnelo Queiroz,
declarou que o ex-governador refuta integralmente as acusações e “tem interesse
que todos os termos sejam devidamente apurados”. “O petista nega qualquer
ilicitude durante a campanha eleitoral ou na gestão do DF”, ressaltou.
Paulo Emília Catta Preta, advogado do ex-governador
José Roberto Arruda, não atendeu às ligações da reportagem. Alexandre Queiroz,
responsável pela defesa de Tadeu Filippelli, informou que não teve acesso aos
autos e que, portanto, não poderia comentar as acusações de recebimento de
propina.
Provas
Ao Correio, a deputada Érika Kokay, presidente da
Executiva Regional do PT, afirmou que “a sigla é favorável ao aprofundamento
das investigações para que todos os fatos sejam qualificados”. “Delações não
são provas, ainda assim, se houver comprovação, os envolvidos serão
responsabilizados”, alegou.
O
vice-presidente da Executiva Regional do PMDB, Gustavo Aires, não foi
encontrado para comentar o fato de que, supostamente, Filippelli tenha pedido à
Andrade Gutierrez propina de 2% sob o valor das obras do BRT Sul, em nome do
partido.
(*) Ana Viriato - Lucas Fadul - Especial para o Correio Braziliense - Foto: Breno Fortes/CB/D.A.Press