Brasília deixará de conviver, a partir outubro, com
uma vergonha nacional: o Lixão da Estrutural, o segundo maior do mundo em
operação e o maior da América Latina, que se consolidou ao lado de um parque
nacional e a 15 quilômetros do centro do poder político do país.
*Por Rodrigo Rollemberg
Comprei a briga que nenhum outro governo teve a
coragem de enfrentar nessas quase seis décadas, porque é inaceitável a capital
do país carregar título tão desabonador e injusto com os cerca de 1,8 mil
catadores de materiais recicláveis, que correm atrás de sustento, arriscando a
vida entre montanhas de lixo jogado a céu aberto.
Quando um caminhão do SLU chega à área do lixão,
ele é imediatamente cercado por dezenas de catadores munidos de grandes sacos
plásticos que iniciam a garimpagem do que conseguem comercializar. Correm risco
e se submetem à exploração. O material aproveitável geralmente está sujo por
vir misturado ao lixo comum, e os catadores acabam vendendo ali mesmo a
atravessadores por valor irrisório o papelão, a garrafa pet etc.
A categoria é a mais frágil da “cadeia produtiva” que se instalou no
lixão. Ali operam 24 atravessadores, que enchem carretas com destino à revenda
no DF ou em outras capitais, onde os resíduos recicláveis alcançam até o dobro
do preço pago na origem. Negócio altamente rentável — basta ver o exemplo de um
dos atravessadores que possui instalado no local equipamento de alta tecnologia
e valor.
O mapeamento dos atores e dos problemas, que fizemos logo no início do
governo, revelou absurdos. Fonte de trabalho para os maiores excluídos da
sociedade, o lixão também era ponto de prostituição, tráfico de drogas,
trabalho infantil, receptação de carros roubados e de comercialização de
alimentos vencidos provenientes de grandes supermercados.
A venda ocorria ali mesmo, num espaço apelidado de Carrefa, como também
fora do lixão. Rastreamos salmão descartado sendo oferecido a R$ 7 o quilo na
feira da Ceilândia! Proibimos o descarte de alimentos, instalamos cerca e fosso
ao longo de 6 mil metros do perímetro do lixão e passamos a controlar o acesso.
Não podíamos permitir a perpetuação de degradação humana e crime
ambiental inadmissíveis. Sempre defendi a proteção ao meio ambiente e a
dignidade da pessoa humana. No Senado, apresentei projeto criando aposentadoria
especial a catador, porque muitos ficam sem benefício na velhice ou quando
adoecem por não pagarem a contribuição de 11% da renda.
No governo, incumbi 17 secretarias e órgãos a traçarem ações integradas
para cumprir a Política Nacional de Resíduos Sólidos e transformar Brasília em
referência no setor. Construímos o primeiro aterro sanitário da história da
capital, que, desde o início do ano, recebe 900 das 2,8 mil toneladas diárias
de resíduos produzidas pelos cerca de 3 milhões de habitantes. Ainda no segundo
semestre deste ano, o Aterro Sanitário de Brasília será o destino final de
todos os resíduos coletados no DF.
A inauguração do aterro marcou o início do processo de desativação do
lixão. Estamos em nova fase. Decidimos nos antecipar à construção de sete
centros de triagem, meta autoimposta para colocar ponto final na história.
Temporariamente até a entrega dos centros, vamos alugar galpões para absorver
os catadores da Estrutural. Serão equipados para seleção do material, além de
banheiro e refeitório, sonho para quem hoje trabalha curvado em
ambiente insalubre.
Esses trabalhadores serão contratados como prestadores de serviço
público. Isso implica renda garantida em momento de crise econômica com redução
de empregos, e trabalho em melhores condições. Exercerão a atividade com
equipamentos de proteção individual e receberão capacitação e assistência
técnica para agregar valor ao processo de reaproveitamento do material
reciclável.
É prioridade absoluta deste governo a inserção social e econômica dos
catadores e familiares — público com o qual mantemos diálogo permanente. Desde
janeiro, reinstituímos o Programa Agente de Cidadania Ambiental: 900 catadores
que atuam no Lixão da Estrutural recebem bolsa mensal de R$ 300 e capacitação
por 12 horas no mês. Filhos de catadores participam do projeto Jovem Candango,
prestando serviços ao GDF com bolsa de R$ 1.050.
Enviamos também à Câmara Legislativa novo projeto, já aprovado em duas
comissões, criando outra bolsa, no valor de R$ 350 para compensar eventuais
perdas de renda na etapa de fechamento do lixão. Agimos estrategicamente e da
maneira menos traumática possível.
O investimento nos catadores e no tratamento adequado dos resíduos
sólidos impacta diretamente a vida de toda a população. Significa cidade limpa,
que se traduz em saúde para os moradores, um bem precioso. Mais do que isso, é
salto civilizatório, contribuindo para a construção da Brasília cidadã que
todos almejamos.
(*) Rodrigo Rollemberg - Governador do
Distrito Federal – Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google