*Por Ana Dubeux
Nunca Brasília foi tão Brasil.
Normalmente, dissociada do resto do país, para o bem e para o mal, Brasília tem
ingerido doses cavalares de Brasil. Renda per capita nas alturas, cidade à
prova de crise, asséptica, sem a malemolência e os regionalismos que particularizam
e unificam os demais estados, mas com a maior concentração de corruptos da
humanidade... Não é assim que é normalmente vista? O Distrito Federal sempre
foi tudo em como o ponto fora da curva, o lugar dos mandos e desmandos dos
poderosos. Nos últimos dias, no entanto, a capital da República parece
absurdamente coesa com as demais unidades da Federação. Não somos diferentes.
Nem piores, nem melhores. Somos um retrato do Brasil.
Teve de tudo por aqui. Já podemos contar praticamente uma bancada presa.
Deputados, senadores, ex-governadores. Temos corruptos de todos os escalões e
estirpes, ocupantes de altos cargos, empresários, achacadores e pagadores de
propina. E não podemos dizer que isso chega a ser novidade. E também não
podemos dizer que acabou por aí. Desde antes da Operação Caixa de Pandora, a
cidade já colecionava suas decepções políticas e, pelo que já foi dito, outras
delações devem revelar mais safadeza. Arrisco dizer que Brasília talvez nunca
tenha tido uma obra pública que esteja acima de qualquer suspeita. O mesmo
pensamento pode ser aplicado ao Brasil.
Teve quebra-quebra, invasão, gritaria dentro e fora do Congresso. Teve
despreparo das forças de segurança durante a manifestação. Teve equívoco do
Planalto ao convocar as Forças Armadas para conter manifestantes, embora
houvesse desordeiros, mascarados e bandidos entre eles. Foi em Brasília, mas
podia ser em qualquer outro canto do Brasil. A capital se faz dia a dia espelho
do resto do Brasil. Também precisamos parar com a autodefesa eterna (e olha que
eu defendo!) de que somos apenas depositário dos malvados brasileiros.
Brasília tem mais dinheiro e educação do que a maioria dos estados, e é
tão corrupta quanto. Com frequência, ignoramos a imensa concentração de renda
desta cidade, mas não admitimos abrir mão das benesses de um serviço público
que, na maioria das vezes, serve muito mal a quem quer que seja.
A Esplanada, cartão-postal, tem sido tão somente o lugar-comum
brasileiro. Quem não se lembra do muro — na verdade, um alambrado — que
simbolizou o país dividido durante o impeachment da então presidente Dilma? A
violência, agora nos últimos protestos, ganhou status de soberana, impondo
imagens não de uma Brasília deflagrada, mas de um país em conflito, a serviço
de grupelhos. Os ratos soltos na manifestação nada mais são do que a versão
melhorada, embora criminosa, dos ratos espalhados nos órgãos públicos do país.
Uns estão a serviço dos outros. Assim como Brasília está a serviço e também se
serve do Brasil.
(*)Ana Dubeux – Editora Chefe
do Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google