*Por Severino Francisco
Se estivesse vivo, Athos Bulcão
completaria 99 anos hoje. Uma das coisas que mais o deixava feliz era ver que a
sua arte era inspiradora para as novas gerações. Athos é referência não apenas
da integração arte-arquitetura. Está presente na moda, nos acessórios, no
desenho de móveis e no carnaval.
Tudo em que tocava se transformava em
arte: painéis, treliças, fachadas, biombos ou relevos. As suas cores e formas
sempre nos tocam com algo da vibração, do esplendor e alegria de uma festa
popular brasileira. Mas com o bom gosto de quem domina os fundamentos da sua
arte. Ele fez intervenções precisas para cada ambiente.
Athos falava em voz baixa, quase
sussurrada, parecia aquele gato de Alice no país das maravilhas, que
desaparecia e deixava apenas o sorriso no ar. Enquanto Oscar Niemeyer impõe a
sua genialidade de maneira quase imperial, Athos quer que a gente se sinta bem
na cidade como se fosse a nossa casa. Sempre insere um detalhe para favorecer a
iluminação, o arejamento e a sensação de leveza.
Ele está presente na escala monumental,
mas também na escala cotidiana da cidade. Nas escolas,em hospitais, no
aeroporto, na parede do banheiro do parque, na entrada de alguns
blocos ou na visão do Teatro Nacional flagrado de passagem de dentro do
carro. É uma obra em parceria com Oscar Niemeyer e Lelé Filgueiras, mas também
com as apropriações dos habitantes da cidade, as luzes e o sol. Ela muda de
aspecto de acordo com a hora do dia ou da noite.
Rubem Braga era amigo de Athos e lhe
dedicou uma linda crônica, em que traça um retrato lírico e bem-humorado do
camarada: “Athos Bulcão, lento e delicado, de olheiras (fez regime, emagreceu
18 quilos), tem certa fama de fantasma, costuma aparecer nos lugares mais
estranhos nas horas mais inesperadas e dizem que já “baixou” ao mesmo tempo em
São Paulo, no Rio e em Roma, segundo testemunhos autorizados; Paulo Mendes
Campos afirma que ele se evapora de madrugada em menos de um minuto, ficando
apenas dois olhos boiando no ar, que logo somem. Vinicius de Moraes, perguntado
uma vez sobre se acreditava no espiritismo, disse: “Yo no creo en Athos
Bulcones, pero que los hay, los hay”.
Nos últimos tempos, Athos foi humilhado
e ofendido pela ignorância e o descaso dos governantes. A fundação que leva seu
nome se viu quase na condição de sem-teto. Finalmente, o governo de Rodrigo
Rollemberg resolveu os embaraços para a doação de um terreno próximo à Funarte.
Mas, agora, na passagem do centenário
do artista que dedicou a vida a Brasília, falta desengavetar o belíssimo projeto
que o arquiteto Lelé Filgueiras fez para a construção da sede definitiva da
Fundação Athos Bulcão. As empreiteiras, que tanto se locupletaram com Brasília,
bem que poderiam retribuir com um pouco do que muito ganharam, oferecendo esse
presente à cidade. Brasília deve uma casa digna a Athos Bulcão.
(*) Severino Francisco – Jornalista,
colunista do Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog – Google