Bares, restaurantes, casas noturas e
shows estão proibidos de cobrar preços diferentes para homens e mulheres em
eventos. É o que prevê a nota técnica do Departamento de Proteção e Defesa do
Consumidor, do Ministério da Justiça (MJ), publicada ontem. Empresários têm 30
dias para se adequarem. Quem desobedecer vai pagar multa e, caso reincida,
poderá sofrer “suspensão temporária de atividade” e até “interdição total ou
parcial de estabelecimento” (Abaixo, leia O que diz a lei).
*Por Adriana Izel - Hellen Leite - Luiz Calgagno - Maria Isabel Felix
A discussão teve início após o brasiliense
Roberto Casali Júnior, 21 anos, estudante de direito, entrar na Justiça contra
a cobrança de ingresso diferenciada em um show. Em 6 de junho, a juíza Caroline
Santos Lima, do Juizado Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e
Territórios negou a liminar do jovem, mas encaminhou a decisão para a
Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor do Ministério Público para apurar
a prática e promover uma ação coletiva. A ação repercutiu em todo o país e,
ontem, o Ministério da Justiça se manifestou e publicou a nota técnica.
Casali participará de uma audiência de
conciliação com os organizadores do evento para que cheguem a um acordo. No
entendimento da juíza, não há respaldo legal para a cobrança de preços de
acordo com o gênero do consumidor. Além disso, para a magistrada, a prática é
uma afronta sutil e velada que, apesar de aparentar “pseudo-homenagem,
prestígio ou privilégio”, se trata, na realidade, de “ato ilícito”. “Fato é que
não pode o empresário usar a mulher como ‘insumo’ para a atividade econômica,
servindo como ‘isca’ para atrair clientes do sexo masculino para seu
estabelecimento. Admitir-se tal prática afronta (…) a dignidade das mulheres,
ainda que de forma sutil”, proferiu Caroline Santos Lima.
Secretário nacional do Consumidor,
Arthur Rollo alerta que serão realizadas fiscalizações até que essas práticas
sejam banidas. “O uso da mulher como estratégia de marketing é ilegal, vai
contra os princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia”, afirma.
Assistente social e ativista do Fórum
de Mulheres do DF e Entorno, Guaia Siqueira critica a diferença de preços. “A
estratégia de marketing objetifica a mulher para atrair clientes masculinos
para os lugares. As pessoas pensam que feministas querem mais direitos dentro
da sociedade, mas queremos igualdade. A ideia é de que bebemos menos, pois
somos mais fracas. Até por isso, muitos estabelecimentos têm open-bar para esse
público”, afirma.
O produtor cultural Daniel Spot diz que
sempre discordou da diferenciação. “A gente sabe que o que está por trás, na
verdade, é atrair o público”, afirma. O Correio tentou entrar em contato com a
BE Produções, a Funn Entretenimento e a Medley Produções, mas as produtoras não
quiseram se manifestar sobre o assunto.
Personagem da notícia - Timidez e orgulho
Roberto Casali Júnior tem 21 anos e
está no fim do quarto semestre do curso de direito da Universidade de Brasília
(UnB). Leva o nome do pai, o subprocurador-geral da república Roberto Casali,
que morreu quando o rapaz tinha 8 anos. Admite a influência familiar na escolha
do curso, mas vê a graduação como essencial a todos os brasileiros, como uma
forma de as pessoas entenderem a lei e saberem como agir diante de uma
injustiça. O universitário explica que nunca teria pensado em entrar com uma ação
judicial se não estivesse estudando na área e vê o conhecimento, principalmente
nesse caso, como uma forma de libertação.
Sobre o uso da mulher como objeto no
marketing promovido com a cobrança de ingressos diferenciados, Roberto Casali
diz que discorda, mas preferiu não citar na ação judicial, pois, para ele, o
pedido de correção da desigualdade estava bem fundamentado.
O rapaz fala com timidez, mas com
incontido orgulho, sobre a ação ter ganhado dimensões nacionais. Garante: não
esperava a repercussão, até receber o telefonema de uma emissora de TV. Sente
prazer em saber que fez a diferença para acabar com uma injustiça, “mesmo que
pequena”. Acredita que o empresário pode cobrar o preço que quiser em seu
produto ou serviço, mas só levando em conta o rigor da lei e a igualdade entre
as pessoas.
O que diz a lei
A nota técnica número 2/2017 do
Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, do Ministério da Justiça,
ampara a punição a estabelecimentos no Código de Defesa do Consumidor (CDC) –
Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990.
A boate, casa noturna ou empresa de promoção de shows que desrespeitar a
determinação, que considera ilegal a diferenciação de preços entre homens e
mulheres, afronta o “princípio da dignidade humana”, o “princípio da isonomia”,
e exerce “prática comercial abusiva”.
A punição para o crime está prevista no
Capítulo VII, artigo 56 do CDC. A norma prevê, entre outras coisas, multa,
suspensão temporária de atividade, revogação da concessão e permissão de uso,
cassação de licença do estabelecimento ou de atividade e, ainda, interdição
total ou parcial de estabelecimento, de obra ou de atividade.
(*)Adriana Izel - Hellen Leite - Luiz Calgagno - Maria Isabel Felix*-*
Estagiária sob supervisão de Renato Alves - Fotos:
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