Desde que os preços subiram, Marcos Vinícius passou
a ir para o trabalho de ônibus. Morador do Novo Gama, ele calcula que o gasto
mensal passaria de R$ 550 para R$ 800
*Por Ana Viriato - Ana Carolina Alves
Os dois órgãos pedem explicações para os preços
similares nas bombas de combustível do DF após o aumento do imposto determinado
pelo governo federal. Números da ANP mostram que as margens de lucro dos
empresários dobraram na semana posterior ao anúncio
A média das margens de lucro de proprietários de
postos de gasolina subiu após a elevação da incidência tributária sobre o
combustível, segundo levantamento semanal da Agência Nacional do Petróleo, Gás
Natural e Biocombustíveis (ANP). Da semana anterior ao anúncio do Palácio do
Planalto à seguinte, o provento dos proprietários mais que dobrou — com um
salto de 8,5% para 19%. Entre 30 de julho e 5 de agosto, o ganho caiu para
10,9%. Ainda assim, segue superior ao de antes da elevação do PIS/Cofins. O percentual
de lucro e a uniformização dos preços em dezenas de bombas do Distrito Federal
estão na mira do Instituto de Defesa do Consumidor (Procon), do Ministério
Público do DF e Territórios (MPDFT) e do Centro Administrativo de Defesa
Econômica (Cade).
Para consolidar o estudo, a ANP compara os preços
em 34 postos de combustível do DF (veja Comparação). Entre 16 e 22 de julho, a
gasolina era encontrada ao preço médio de 3,236. Já na semana compreendida
entre 30 de julho a 5 de agosto, o valor subiu para 3,675. O Palácio do
Planalto anunciou a elevação dos tributos em 20 de julho. O Procon também
realizou um levantamento, com amostra menor: 32 postos de gasolina. Os
resultados estão nas mãos de representantes do setor jurídico do órgão — caberá
a eles identificar se a alta no valor dos combustíveis, de acordo com os
percentuais identificados, configura-se como prática abusiva. Segundo técnicos
de fiscalização, uma semana antes da alta da incidência do PIS/Cofins, havia
variação de lucro de 0% a 20,51%. Na última semana, a variação ficou entre
8,99% e 18,06%.
Danilo Ranieli trocou o carro pela moto:
"Ainda assim, o meu gasto diário subiu R$ 4,50"
“Os dados coletados não são suficientes para bater
o martelo. É necessário observar outros pontos, como o tamanho do
empreendimento e o mapa de custeio, por exemplo”, explica o diretor de
fiscalização do Procon, Nivaldo da Silva. A expectativa é que o órgão finalize
o relatório em até 20 dias. Caso preços abusivos sejam identificados, os
proprietários serão notificados e terão 10 dias para apresentar defesa. O valor
da multa varia entre R$ 400 e R$ 6 milhões.
Cartel
Não é apenas a possível prática de valores abusivos
que está sob observação. Responsáveis pela desarticulação do cartel que
acertava e inflava os valores da gasolina na capital, MPDFT e Cade investigam o
motivo da similaridade dos valores registrados em dezenas de bombas da capital.
Na avaliação do titular da 1ª Promotoria de Defesa dos Direitos do Consumidor
(Prodecon), Paulo Binicheski, a uniformização é clara; resta saber se houve
acordo entre empresários para tanto. “O cartel tem duplo aspecto: econômico e
criminoso. Observamos que, com a alta dos impostos, os valores voltaram a ser
alinhados, com uma mínima diferença entre as cifras. Agora, é necessário
clarificar se existiu um novo acerto entre os proprietários”, explica.
Outra instância do MPDFT também está de olhos
abertos em relação à combinação de preços entre empresários do ramo de
combustíveis. O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado
(Gaeco) ainda não finalizou as investigações no âmbito da Operação Dubai, que
desarticulou o cartel que atuava na cidade, com a prisão de empresários e a
aplicação de multas que atingem R$ 150 milhões.
A investigação do órgão deve ser incrementada,
ainda, por uma listagem elaborada pelo Procon, com a descrição de quantos e
quais postos apresentam preços similares nas bombas de combustível. “Os valores
quase idênticos em diversos postos despertaram nossa atenção. Ampliaremos a
amostra atual para comunicar o órgão responsável pela investigação e
tipificação de crimes”, destaca o diretor de fiscalização Nivaldo da Silva.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(Cade) também está em sinal de alerta. O órgão requisitou informações sobre o valor
dos combustíveis, durante os meses de junho e julho, à ANP, aos postos e às
distribuidoras do DF para a análise do quadro. Em nota, a assessoria de
imprensa informou que o monitoramento visa identificar se os aumentos similares
decorrem de uma coordenação entre concorrentes ou de um movimento natural do
mercado. Destacou-se, ainda, que o inquérito administrativo em custo sobre a
prática de cartel no DF segue sob instrução na Superintendência-Geral.
O Correio tentou, por diversas vezes, contatar o Sindicato
do Comércio Varejista de Combustíveis do DF para comentar a alta na
lucratividade de postos de gasolina e a possível prática de cartel, mas não
obteve retorno até o fechamento desta reportagem. Em entrevista na última
quinta-feira, no entanto, o presidente da associação, Daniel Costa, justificou
que a margem de lucro passou a oscilar com a mudança da política da Petrobras e
com a crise econômica. “Antes, o reajuste para os postos era a cada 15 dias.
Agora, essa revisão é diária. Todo dia, quando fazemos os pedidos, o preço das
distribuidoras está diferente”, disse.
Para o integrante do Conselho Regional de Economia
José Luiz Pagnussat, empresários do setor tentam recompor a margem de lucro,
afetada por promoções relâmpagos vistas nos dias anteriores à elevação do
PIS/Cofins. “Antes, havia uma concorrência maior, a gasolina era vendida, até
mesmo, por R$ 2,99. Com o tempo, essa baixa dos valores causaria prejuízos aos
empresários. Agora, eles tentam recompor o caixa. E, com a nova política da
Petrobras, vem mais aumento por aí”, aposta.
Peso no bolso
Quem paga o preço pela alta do combustível e pela
uniformização do mercado é o contribuinte, base da pirâmide. O programador de
sistemas Marcos Vinícius, 28 anos, mudou totalmente a rotina para se ajustar ao
novo valor da gasolina. Morador do Novo Gama, ele deixou o carro na garagem e
passou a ir para o trabalho, no Setor de Autarquias Sul, de ônibus. O jovem
conta que, no começo do ano, fazia 100km por dia, totalizando R$ 550 de gasto
mensal com gasolina. Se continuasse a usar o carro todos os dias, o valor
subiria para R$ 800. “O cartel nunca foi embora. Eles (os donos dos postos)
mudam os centavos só para falarem que não está tudo no mesmo preço. Não se
preocupam com os motoristas, que são os consumidores finais”, relata Marcos,
com indignação.
A nova realidade também pesou no bolso de Danilo
Ranieli, 29. O técnico em informática, agora, prefere usar a moto para
trabalhar, gastando R$ 15 por dia. Para ele, não compensa sair da região onde
mora, em Valparaíso, e ir de carro para a Asa Norte, onde trabalha. “Quando uso
o carro gasto cerca de R$ 30 por dia. Então tive de me adequar. Ainda assim, o
meu gasto diário subiu R$ 4,50. Isso não tem explicação, quem sofre é o povo.”
Para saber mais - Mercado reage
Para saber mais - Mercado reage
O mercado financeiro reagiu, pela
terceira vez seguida, à elevação dos preços dos combustíveis, com um novo
ajuste na projeção da inflação para este ano. Desta vez, a estimativa para o
Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu de 3,40% para 3,45%.
Os índices são descritos, semanalmente, no boletim Focus, publicado pelo Banco
Central (BC). De acordo com especialistas, a justificativa para as sequenciais
altas não se restringe ao fato de o aumento do preço da gasolina e do álcool
afetar diretamente o bolso contribuinte. É que a elevação no valor do óleo
diesel gera um efeito cascata em diversos setores da economia — como o
produtivo — e a conta final é paga pelo consumidor na aquisição dos itens da
prateleira.
Comparação - Confira como variaram as margens de lucro dos postos de gasolina no DF em média
Valor de Compra
Valor de Venda Margem de lucro
Semana de 16/07 a 22/7 - $ 2,982 $ 3,236 8,5%
Semana de 23/07 a 29/7 - $ 3,025 $ 3,599 19%
Semana de 30/07 a 5/8 - $3,313 $ 3,675 10,9%
Fonte: ANP
(*) Por Ana Viriato - Ana Carolina Alves*
- * Estagiária sob supervisão de Mariana Niederauer Fotos: Luis
Nova/CB/D.A.Press - Correio Braziliense