França e EUA prendem na 1ª instância,
diz Moro
Em entrevista ao Estadão, o juiz
Sérgio Moro disse que seria “lamentável” se o Supremo Tribunal Federal revisse
o próprio entendimento de seus ministros, do ano passado, que autoriza prisão
de condenados em segundo grau judicial. Para o magistrado da Lava Jato,
‘executar a condenação, no Brasil, após a decisão da Corte de Apelação, não
fere a presunção de inocência’. Na quarta-feira, 23, pela primeira vez
desde que a Lava Jato entrou em cena, Moro mandou prender dois condenados que
perderam recursos no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região – a Corte de
Apelação que pode revisar ou confirmar suas sentenças.
A decisão de Moro, amparada em ordem do
tribunal, reacendeu a polêmica sobre as prisões da segunda instância – antes do
trânsito em julgado – porque ministros da Corte máxima admitem a possibilidade
de rever seu entendimento. Um deles é Gilmar Mendes, que nos últimos dias
mandou soltar vários empresários, inclusive Jacob Barata Filho, o ‘rei do
ônibus’.
O
sr. mandou prender condenados da Lava Jato com base em ordem do TRF-4. Foi a
primeira vez que isso ocorreu. O que isso significa na guerra da Lava Jato?
A Lava
Jato não é uma guerra, mas, assim como outros processos anteriores, como a Ação
Penal 470 (mensalão), representa uma exceção à impunidade
de crimes de poderosos. Foi o próprio TRF4 quem ordenou as prisões, após a
confirmação de condenação por crimes de lavagem de cerca de dezoito milhões de
reais, tendo por antecedente corrupção. Apenas segui uma ordem, embora com ela
concorde integralmente. Significa, na prática, que talvez – e eu dou ênfase ao
talvez – a era da impunidade dos barões da corrupção esteja chegando ao fim.
Em
sua decisão o sr. fala dos ‘processos sem fim’. Como dar um fim nisso?
O
processo funciona quando o inocente vai para casa e o culpado vai para a
prisão, principalmente em crimes graves como homicídio e corrupção. Se isso não
ocorre, é uma farsa. A lei processual penal brasileira é muito generosa com
recursos. Advogados habilidosos de criminosos poderosos podem explorar as
brechas do sistema legal e apresentar recursos sem fim. O remédio é fácil,
diminuir as brechas do sistema e os incentivos a recursos protelatórios. Uma
forma é permitir a execução imediata de uma condenação por uma Corte de
Apelação, que é a lei vigente, e admitir a suspensão dessa execução somente em
casos excepcionais, quando for apresentado um recurso a um Tribunal Superior
que tenha reais chances de êxito.
A
quem atribuir o quadro de ‘impunidade de sérias condutas criminais’?
O Brasil
é uma sociedade profundamente desigual e o nosso sistema processual penal
reproduz essas desigualdades, criando privilégios que impedem a efetiva
responsabilização de pessoas poderosas por seus crimes. Não é só corrupção, mas
até mesmo crimes de sangue, desde que praticados por pessoas poderosas. Em uma
democracia liberal, todos devem ser tratados como livres e iguais, inclusive
quanto à sua efetiva responsabilização após cometerem um crime.
As
prisões têm amparo na decisão do Supremo sobre execução de pena a partir do
julgamento de segundo grau. A Corte pode mudar o entendimento. O sr. está
preocupado?
A
presunção de inocência é um escudo contra uma punição indevida. Exige que uma
condenação criminal seja baseada em prova categórica. Na França e nos Estados
Unidos, após o julgamento em primeira instância, já se inicia a execução da
pena, com prisão, como regra. Então, executar a condenação, no Brasil, após a
decisão da Corte de Apelação, não fere a presunção de inocência. O Supremo
adotou esse entendimento em 2016 a partir de um julgamento conduzido pelo
ministro Teori Zavascki. Fechou uma grande janela de impunidade e, embora o
trabalho do ministro tenha sido notável em outras áreas, penso que foi esse o
seu grande legado. Representou uma mudança geral no sentido do fim da
impunidade dos poderosos e na construção de um governo de leis no Brasil.
Reputo prematura a afirmação de que o Supremo irá reverter o precedente do
ministro Teori. Enquanto não houver decisão, ministros podem mudar sua posição
e há grandes ministros no Supremo, como, para ficar somente em dois exemplos, o
ministro Celso de Mello e a ministra Rosa Weber, que têm demonstrado
preocupação com o nível de corrupção descoberto. Com todo o respeito ao
Supremo, seria, no entanto, lamentável se isso ocorresse.
Ao
mesmo tempo em que o sr. manda prender, o ministro Gilmar Mendes manda soltar.
O que deve prevalecer?
Não penso
que as questões devem ser tratadas a nível pessoal, mas institucional. Respeito
o ministro Gilmar Mendes e espero que, ao final, ele, pensando na construção
da rule of law, mantenha o precedente que ele mesmo ajudou
a construir.
O
sr. se frustra com isso?
Revisões
de decisões judiciais fazem parte do horizonte da profissão. Evidentemente,
nenhum juiz gosta de se sentir como se estivesse vivendo o Mito de Sísifo.
Os
advogados alegam que prisões em segundo grau violam o pleno direito de defesa…
A
proteção contra a punição indevida consiste em admitir a suspensão da execução
da condenação caso apresentado um recurso plausível a uma Corte Superior.
Compreendo que parte da advocacia criminal queira proteger ao máximo os seus
clientes, mas o processo penal não serve apenas à proteção do acusado, mas
também à proteção da vítima e de toda a sociedade. Tem que se pensar além dos
próprios interesses corporativos.
Fausto Macedo e Ricardo Brandt - Estadão