O
relógio de Brasília
*Por Humberto Rezende
Eu tinha uns 11 anos quando ouvi uma pergunta muito
estranha de um adulto que morava em Belo Horizonte, onde eu passava férias com
minha família: “E lá em Brasília, tá chovendo agora?”. Eu dei uma resposta um
pouco desconcertante, mas fui apenas sincero. Juro que não tinha intenção de
fazer graça: “Como vou saber? Tô aqui, não tô lá”.
O adulto fez cara de espanto. Brasília não fica
metade do ano sem chover, sem cair uma gotinha do céu, pra depois chover todo
dia? E o rosto arredondado com máscara de surpresa passou a ser o meu. O que
ele queria dizer? Foi quando o Ju, meu irmão mais velho e espécie de anjo da
guarda nos meus primeiros anos de vida, ajudou a colocar a conversa em um rumo
compreensível. “Estamos na seca”, disse, com uma disposição rara, raríssima,
para falar algo sem ser obrigado (o moleque sempre foi caladão).
Eu já morava em Brasília havia mais de uma década,
mas percebi ali que ainda não tinha decifrado seu funcionamento. E, daquele dia
em diante, comecei a observá-la mais atentamente. Então, uma hora para
completamente de chover? E posso adivinhar se está chovendo ou não mesmo a
distância? E quando volta a chuva? Ah, por isso meus aniversários, em agosto,
são sempre churrasco com piscina, e os do Ju, em novembro, são dentro de casa,
jogando Atari?
Aprender a ler o relógio de Brasília só me deixou
ainda mais encantado com a cidade. Aquele gramado verde, combinando com um céu
deslumbrante, era coisa de maio, quando a água parou de cair. Era também a
época em que a porta de madeira da cozinha parava de encostar no chão e fazer
barulho quando abria ou fechava. Daí, vinham os ipês, aquelas árvores rosas,
depois amarelas, depois brancas, que coloriam o caminho para a escola. E só
depois do branco é que a cantoria das cigarras virava trilha de fundo das aulas
no Colégio Alvorada.
Por isso, também, toda época de Natal era um pouco
melancólica, com a água escorrendo na janela de casa ou no vidro do carro. E
todo fim de semana de junho era alegre, com direito a Crush e correria ao redor
da piscina do Minas Brasília ao lado da minha prima Nanda. Brasília tinha esse
poder de ditar o que meu coração sentia. Ainda tem. Ultimamente, com a demora
de nos trazer chuvas de verdade, tem me deixado apreensivo: “Vai faltar água”.
Mas a falta de água é culpa dos homens, não da cidade, que sempre deixou muito
claro, a ponto de uma criança conseguir entender, como funciona.
(*) Humberto Rezende – Correio Braziliense – Foto: Bento Viana –
Ilustração: Blog - Google
Que linda esta fotografia-síntese ecológica-poética, em palavras tão bem colocadas, da nossa amada Brasília.
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