*Por Henrique Ziller
Hám ao alcance de qualquer cidadão, uma
ferramenta poderosa — e, infelizmente, pouco explorada — para combater a
corrupção: a transparência ativa. No momento em que a população assumir para si
o controle sistemático sobre como agentes e entes públicos estão gastando o
dinheiro público, certamente deixaremos de assistir a escandalosos desvios que
insistem em nos surpreender nesse momento grave da história do país.
Em geral, o cidadão não cultiva o
hábito de saber para onde vai o dinheiro que está na mão do Estado, mas que é
produto de impostos, taxas e contribuições que pagou. É urgente mudar essa
cultura. Os cidadãos precisam passar a olhar o que ocorre da porta de casa para
fora, lembrar-se de que são os verdadeiros donos do dinheiro público e que, se
tiverem curiosidade de navegar por portais da transparência, poderão acompanhar
a aplicação dos recursos e até identificar o indevido uso privado de dinheiro
público.
Foi o que fez a universitária Débora
Sögur Hous, da Universidade Federal do Paraná, de 2013 a 2016. Ela descobriu
pagamentos atípicos de bolsa-auxílio, irregularidades confirmadas por auditoria
do Tribunal de Contas da União e pela Operação Research, da Polícia Federal,
que, no início deste ano, prendeu 29 suspeitos de envolvimento no desvio de
quase R$ 7,5 milhões. Entre os beneficiários, pessoas sem vínculo com a UFPR, a
exemplo de uma dona de salão de beleza.
O olhar atento do cidadão é crucial
para potencializar a fiscalização das contas públicas. A utilização da
transparência como instrumento de controle social ainda é incipiente. No
Brasil, o acesso do cidadão a qualquer dado público, independentemente de
motivo, deixou de ser exceção e passou a ser regra há apenas cinco anos, com a
Lei de Acesso à Informação.
O marco regulatório começou a ser
esboçado na Constituição Cidadã e na Lei de Responsabilidade Fiscal e,
definitivamente, ganhou forma com a Lei da Transparência, de autoria do senador
João Capiberibe (PSB-AP) em 2009. Enquanto a LAI criou a transparência passiva
(dados passados sob demanda do cidadão), essa lei instituiu a transparência
ativa ao obrigar gestores da União, Distrito Federal, estados e municípios a
divulgar receitas e despesas, em meios eletrônicos e em tempo real.
Sem dúvida, tal arcabouço jurídico,
somado à tecnologia, instrumentalizou a gestão democrática e participativa.
Muito precisa ser aprimorado ainda para tornar amigável o manancial de dados
disponíveis. Os governos fornecem mais informação do que o cidadão tem
interesse em receber e num formato extremamente técnico.
Na capital do país, estamos
concentrados em entregar informação de fácil compreensão do cidadão sobre
aplicação de recursos públicos para fomentar a transparência e a cultura do
controle social. Pelo trabalho nessa área, o Distrito Federal é reconhecido com
nota 10 na Escala Brasil de Transparência, do Ministério da Transparência,
Fiscalização e Controladoria-Geral da União.
Em uma das iniciativas, divulgamos
investimentos feitos pelo Governo de Brasília em totens instalados na
rodoviária e na Estação Central do Metrô. Com a chamada “Aqui está o seu
dinheiro”, são veiculados valores e serviços segmentados por áreas, nos totens
e no Portal da Transparência.
Também entramos em nova fase da
transparência ativa com a divulgação dos salários de empregados das empresas
estatais. Antes, assim como ainda ocorre na maioria dos estados, somente
salários de servidores da administração direta eram publicados.
Os salários pagos nas estatais
distritais eram conhecidos apenas interna corporis, configurando uma espécie de
caixa-preta até mesmo para outras instâncias do governo. Isso começou a mudar
no início deste ano, quando a Controladoria-Geral do Distrito Federal, a partir
de demanda do Ministério Público, passou a exigir a abertura desses dados, o
que permitiu conhecer os supersalários na Caesb, na Terracap, na CEB e no BRB.
Em alguns casos, os salários vultosos chegavam ao triplo do teto constitucional
(salário do desembargador do TJDFT).
As estatais alegavam dispor de
autonomia na definição de salários porque faziam os pagamentos com recursos
próprios. O Governo de Brasília discordava desse entendimento e, por isso,
enviou à Câmara Legislativa do Distrito Federal projeto de emenda da Lei
Orgânica, enquadrando essas empresas públicas no teto do funcionalismo
distrital. A tramitação foi célere na CLDF.
Esse é um exemplo emblemático do papel
relevante da transparência na gestão de recursos públicos. Colocou luz sobre um
problema grave e resultou na proibição de pagamento de supersalários no
Distrito Federal. Saber como esses valores são gastos é direito de todos, saber
aproveitar os mecanismos de transparência para controlar a correta destinação
de dinheiro público é exercício de cidadania.
(*) Henrique Ziller - Controlador-geral do
Distrito Federal – Foto/Ilustração: Blog - Google - Correio Braziliense