Ainda a crise
*Por Circe Cunha
Análise mais detida revela que a crise hídrica que ameaça a capital do
país, por sua origem e desdobramentos, é muito mais séria e complexa do que tem
sido divulgado. As medidas para superar o problema de forma razoável somente
terão êxito com o envolvimento da população em conjunto com o governo. De toda
forma, é preciso notar que, dado o ponto em que nos encontramos, essa será uma
tarefa para ser executada pela atual e pelas próximas gerações.
Em
analogia com o câncer, é possível afirmar que, embora houvesse um diagnóstico
precoce, o tratamento adequado e indicado só começou quando a doença estava em
adiantada fase de metástase. A opção de captar a água do Lago Paranoá demonstra
o desespero do governo, apanhado de calças curtas com o secamento das represas
e o futuro fim do lago, se as nascentes e o cerrado não forem protegidos.
Trata-se
de uma situação jamais imaginada, se considerado o fato de o Distrito Federal
ter sido assentado, justamente, numa área de grande incidência de nascentes,
numa região conhecida, não por acaso, como berço das águas. De todas as
análises que possam nos levar ao cerne dessa crise de desabastecimento, até
para entender a dimensão do problema, nenhuma supera em responsabilidade o fato
de que a emancipação política e forçada de Brasília, ao deixar de lado os
parâmetros do planejamento meticuloso da capital, acabou por conduzir-nos à
atual realidade.
Fato
inconteste é que, ao mesmo tempo em que aumentavam as ingerências da política
local nos destinos da cidade, crescia também em maior proporção a mancha urbana
em todo o Distrito Federal. A distribuição farta de lotes e o incentivo à
formação de bairros e condomínios, sem qualquer requisito mínimo de
planejamento, que serviu, momentaneamente, de moeda política na formação de
verdadeiros currais eleitorais, levou ao impasse atual da improvisação e dos
remendos de última hora. De 1989 a 2006, a mancha urbana se expandiu de 30.962
hectares para 65.690 hectares, o que, obviamente, não foi acompanhado por
serviços de infraestrutura, indo além da própria dinâmica ambiental para suprir
essa demanda explosiva.
Levantamento
da Secretaria de Meio Ambiente indicou, há dois anos que, das 41 unidades
hidrográficas locais, 16 operavam em capacidade máxima sanitária e de
abastecimento por conta da pressão urbana. Com isso, aumentaram em ritmo
alarmante o consumo de água e o volume de esgoto descartado. Obviamente, os
gastos com o tratamento de água e de esgoto ficaram ainda mais caros.
O fato é
que Brasília tem crescido, desde então, muito acima da capacidade de suporte
dos rios e afluentes. Se aliarmos esse dado ao fato de que, em média, 35,2% da
água tratada distribuída se perde no meio do caminho, o problema ganha maior
gravidade. Com o aumento de bairros irregulares, multiplicaram-se também as
ligações clandestinas. Segundo dados da Caesb, acredita-se que hoje são mais de
35 mil ligações irregulares — um furto de mais de 650 milhões de litros de água
todo o mês, suficientes para abastecer mais de 65 mil residências. Na área
rural, o fenômeno se repete por meio de 4,5 mil ligações clandestinas.
Reservatório de Santa Maria 24,0 %
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A frase que foi pronunciada
“Nós sabemos que o homem branco não entende o nosso modo de ser. Para
ele, um pedaço de terra não se distingue de outro qualquer, pois é um estranho
que vem de noite e rouba da terra tudo de que precisa.”
(Chefe Seatle)
(*) Circe Cunha – Coluna “Visto, lido e ouvido” - Ari Cunha - Correio
Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google