Todo queimado em outubro, o Jardim de Maytrea exibe a mundialmente
famosa beleza: campos de flores, veredas e buritizais emoldurados por um
horizonte recortado de montanhas
Após uma caminhada por trilhas, turistas tomam banho nas corredeiras do
Rio Preto, dentro do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros
Um mês depois do maior incêndio da região,
municípios goianos dos arredores aguardam o retorno dos turistas. O verde cobre
a vegetação rasteira, as cachoeiras estão com água abundante e as atrações
apresentam condições de receber os visitantes
*Por Renato Alves
Cavalcante (GO)— Um mês após o fim do maior
incêndio da sua história, o verde voltou à Chapada dos Veadeiros. Faltam os
turistas. A ausência deixa os empresários do setor apreensivos. Com prejuízos
acumulados em outubro, devido à sequência de queimadas que deixou o Parque
Nacional fechado quase todo o mês, eles temem uma baixa em dezembro e janeiro,
período tradicionalmente de maior visitação. Para evitar o pior, propagam que
os principais atrativos da região escaparam do fogo e funcionam normalmente.
O Correio foi até lá conferir. Uma equipe do jornal
rodou quase mil quilômetros em quatro dias pelas quatro principais localidades
da região: Cavalcante, Teresina, Alto Paraíso e Vila de São Jorge. Visitou o
interior do parque, pousadas, fazendas, comunidades quilombolas e as mais
famosas cachoeiras. Constatou não haver motivos para o turista evitar a Chapada
dos Veadeiros nem os municípios e povoados. O que resta de vestígio do fogo em
nada atrapalha a visitação. E, mais do que nunca, os moradores precisam da
presença dos forasteiros.
Floração
Reaberto em 1º de novembro, após 21 dias fechado
devido a três incêndios consecutivos (veja Memória), o Parque Nacional da
Chapada dos Veadeiros tem milhares de árvores com troncos queimados, mas eles
se tornam quase imperceptíveis em meio a tanta beleza natural. Grande parte da
vegetação rasteira já se recuperou. Em muitos pontos, está tomada por flores de
cores diversas. As que mais chamam a atenção são as brancas. “É uma parente da
canela-de-ema, comum na Chapada, mas que, depois do fogo, florou de forma
sincrônica”, observa o chefe da unidade de conservação, Fernando Tatagiba.
Além dela, há, em abundância, espécies nas cores
azul, vermelho e amarelo. Em muitos pontos, contrastam com o preto do mato, dos
troncos, das pedras e dos cupinzeiros queimados. O fenômeno se repete no Vale
da Lua, para espanto de turistas, como o professor de educação física Samuel
Galdino de Lucas, 39 anos, e a servidora da Universidade de Brasília (UnB)
Renes Costa, 42. “A gente veio justamente conferir esse processo de
renascimento”, ressaltou ela. Morador da capital do país, o casal estava pela
terceira vez na Chapada dos Veadeiros.
Aguaceiro
Em uma propriedade particular vizinha ao parque,
entre Alto Paraíso e a Vila de São Jorge, o Vale da Lua é a atração mais
visitada da região. No mais recente incêndio, iniciado em 17 de outubro, teve
toda a vegetação consumida pelo fogo. Ele queimou também placas de sinalização
e as cordas que impediam a chegada dos visitantes a áreas de risco. Tudo foi
recuperado, assim como o volume das águas do Rio São Miguel, que levaram
milhões de anos para esculpir as formações rochosas semelhantes a uma paisagem
lunar.
As águas estão de volta graças às chuvas
constantes, iniciadas em 28 de outubro, quando ajudaram a pôr fim ao maior
incêndio da região. Ele consumiu 66 mil hectares do Parque Nacional, o
equivalente a 28% da área total da reserva. Mas o estrago foi muito maior, pois
o levantamento não leva em conta a área queimada fora da unidade de
conservação, como o Vale da Lua. Assim como ele, o parque voltou a ter água de
sobra em seus rios, famosos pelas corredeiras, poços, cachoeiras e saltos que
atraem turistas do mundo inteiro.
“Nada igual”
Mesmo diante das notícias sobre a destruição do
Parque Nacional, o zootecnista Guilherme Azevedo, 31 anos, e a veterinária
Thais Oliveira, 29, decidiram passar a semana passada inteira na região da
Chapada, após uma semana de estudos em Brasília. E não se arrependeram. “Se
ainda tivesse incêndio, se houvesse o que fazer para ajudar, a gente viria de
qualquer jeito”, destacou Thais. “Esse lugar é único, belíssimo. Nunca vi nada
igual”, completou ela, diante dos dois maiores saltos do parque. Com 80m e 120m
de altura, eles ficam lado a lado e só podem ser vistos de cima, após uma longa
caminhada.
Com as chuvas, o verde voltou a predominar na
vegetação de outro cartão-postal da chapada, o Jardim de Maytrea (leia Para
saber mais), dentro da área protegida do Parque Nacional. Todo queimado em
outubro, expõe novamente campos de flores, veredas e buritizais emoldurados por
um horizonte recortado de montanhas, como o não menos famoso Morro da Baleia.
Cenário exuberante que, também por estar à margem da GO-239, estrada que liga
Alto Paraíso a São Jorge, é um dos mais fotografados da Chapada dos Veadeiros.
Estiagem
A água também enche rios, ribeirões e riachos de
Cavalcante, o município da Chapada dos Veadeiros que mais sofreu com o fogo e a
mais prolongada estiagem da região nos últimos 80 anos — foram quase seis meses
sem uma gota de água. Incêndios queimaram 80% do território dos 7 mil
quilômetros quadrados da cidade de 9,7 mil habitantes. Distante 360km de
Brasília e 560km de Goiânia, ele é o terceiro maior município em extensão e um
dos mais pobres e isolados do estado limítrofe do Distrito Federal.
Com a seca, o gado morreu por falta de pasto em
fazendas. Sem água até para beber, moradores abandonaram vilarejos. “Nunca
havia visto seca tão longa, nem um incêndio assim. Mas tudo passou. E tudo está
pronto para receber os turistas novamente. O município depende dos visitantes,
vive do turismo”, frisou Flávio Tomaz Pereira Lopes, 66 anos, dono da Pousada
Veredas, a mais antiga de Cavalcante. A propriedade fica perto de sete
cachoeiras. Advogado em Brasília, Flávio decidiu transformar a fazenda de gado
em pousada rural há 30 anos, quando percebeu o potencial das quedas d’água
formadas pelo Rio das Pedras. Desde então, o empreendimento só cresceu.
(*) Renato Alves – Fotos: Breno Fortes/CB.D.A.Press – Correio
Braziliense

