Mudança climática -- o que eu tenho a ver com isso?
*Por Márcia C. M. Marques
Em novembro, a cidade alemã de Bonn sediou mais uma
rodada de discussões da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre Mudança do Clima. Nesta 23ª conferência (COP 23), o Acordo de
Paris foi novamente discutido. Nestes tempos, ao cidadão comum resta assistir à
enxurrada de informações que cercam a questão da intensificação do aquecimento
do planeta, as verdades e mentiras, as medidas realmente eficientes para
combatê-lo e, o mais importante, buscar resposta à questão de fundo “o que eu
tenho a ver com isso?”
É bastante curioso que, passadas quase duas décadas da virada do milênio
e 50 anos do primeiro trabalho científico que alertou para o problema, a
intensificação do aquecimento global seja ainda um assunto permeado de dogmas,
dúvidas e interpretações errôneas. Por exemplo, em minhas primeiras aulas de
ciências ambientais para o curso de biologia, é comum encontrar alguns alunos
que dizem “não acreditar no aquecimento global”, pois a temperatura do planeta
tem variado nos milhões de anos passados e trata-se, portanto, de um fenômeno
natural, independente da presença do homem. Se essa dúvida paira sobre alguns
de meus alunos, certamente atinge em proporções muito maiores a população em
geral.
Dados climáticos coletados em diferentes pontos do planeta, modelagens
estatísticas e experimentos de laboratório têm mostrado evidências contundentes
do aquecimento global antropogênico (AGA) e seus efeitos sobre os sistemas
naturais. Estima-se que entre 97% e 98% dos artigos científicos sobre o tema
comprovam a existência de AGA, de acordo com artigo publicado em 2010, na PNAS,
revista da Academia de Ciências dos Estados Unidos. Além disso, é intrigante
que algumas pessoas ainda pensem que o carbono acumulado na forma de combustíveis
fósseis ao longo de bilhões de anos na superfície do planeta poderia ser jogado
em poucas décadas na atmosfera sem causar nenhum dano.
Então, de fato a humanidade tem um real problema a resolver, ou seja,
frear, reverter (mitigar) e reorganizar a sociedade (adaptar) para a mudança
climática. As nações signatárias do Acordo de Paris têm o propósito de colocar
em ação iniciativas que combatam o aumento de carbono na atmosfera, seja por
meio da redução na emissão de gases do efeito estufa — por exemplo, diminuindo
a emissão de combustíveis fósseis ou evitando as queimadas dos ecossistemas
naturais —, seja por meio da fixação do carbono na superfície da Terra
novamente.
Restaurar as florestas, campos e savanas degradados é uma forma segura
de incorporar carbono no ecossistema. Uma floresta em restauração, por exemplo,
pode, em 40 anos, multiplicar em cerca de dez vezes quantidade de carbono
presente no ecossistema. Considerando a área total de ecossistemas degradados e
passíveis de restauração no Brasil (aproximadamente 210 mil Km², área maior que
o Estado do Paraná), a restauração pode ter um impacto significativo sobre a
ameaça global de aquecimento. Se muitas espécies contribuírem para esse
processo, a eficiência também aumenta e beneficia a biodiversidade, tão
ameaçada em alguns biomas brasileiros. Certamente essa é uma notícia boa diante
de tantas outras menos empolgantes.
O Brasil é um dos países signatários do Acordo de Paris e assumiu
perante o mundo o compromisso de reduzir a emissão de carbono na atmosfera ao
mesmo tempo em que se comprometeu a restaurar e reflorestar mais de 12 milhões
de hectares (120 mil Km²) de áreas degradadas, ou seja, 57% do total de áreas
degradadas estimadas. Em 2015, quando esses desafios foram assumidos, o país
foi considerado o principal protagonista destas ações globais, estimulando uma
agenda positiva ao redor do mundo.
Passados dois anos, o governo tem mostrado poucas ações positivas quando
o assunto é meio ambiente. Por exemplo, ao mesmo tempo em que determinou a
ampliação do Parque Nacional dos Veadeiros, em Goiás, tentou permitir a
exploração mineral no subsolo amazônico, reduziu a área de inúmeras unidades de
conservação federais, permitiu anistia a proprietários rurais com dívida
ambiental. Ou seja, é um passo para frente e três para trás. A esperança é que,
incentivado pela movimentação provocada pela COP em Bonn, o Brasil leve adiante
os atuais instrumentos para alcance das metas estabelecidas a partir de Paris e
se firme como um país líder na restauração e no combate ao aquecimento global.
(*) Márcia C. M. Marques - Integrante da Rede de
Especialistas de Conservação da Natureza, mestre e doutora em biologia vegetal,
professora da Universidade Federal do Paraná e vice-presidente da Associação
Brasileira de Ciência, Ecologia e Conservação (Abeco) – Fonte: Correio Braziliense
– Foto/Ilustração: Blog-Google


