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Velhice candanga

Velhice candanga

*Por Circe Cunha 

“Como se morre de velhice ou de acidente ou de doença, morro, Senhor, de indiferença./ Da indiferença deste mundo onde o que se sente e se pensa não tem eco, na ausência imensa./ Na ausência, areia movediça onde se escreve igual sentença para o que é vencido e o que vença. /Salva-me, Senhor, do horizonte sem estímulo ou recompensa onde o amor equivale à ofensa. /De boca amarga e de alma triste sinto a minha própria presença num céu de loucura suspensa. /Já não se morre de velhice nem de acidente nem de doença, mas, Senhor, só de indiferença.” (Cecília Meireles, em Poemas, 1957)

Quem costuma caminhar hoje em dia pelas superquadras tradicionais de Brasília já se habituou com a presença constante de grupos de enfermeiras e cuidadoras transitando pelo local. Trata-se de uma categoria que até pouco tempo atrás só se via em hospitais e casas de repouso, mas que, de uns tempos para cá, passaram a se tornar mais visíveis e constantes.

De fato, já é possível constatar que a velhice chegou enfim para muitos candangos e pioneiros que por aqui desembarcaram na época da construção da capital. Em alguns desses endereços, foram feitas mudanças para se adaptarem aos novos tempos. Alguns apartamentos foram transformados em mini-hospitais com todo o aparato médico para se ter mais conforto.

Nas áreas externas, rampas de acesso e corrimões já aparecem instalados estrategicamente em variados pontos, facilitando a movimentação e a segurança dos moradores. Obviamente, essa é uma realidade para poucos, mas que já se instalou no cotidiano do Plano Piloto. Nas regiões administrativas e nas áreas do entorno, o quadro não difere do restante do país e é cruel. Com ou sem conforto, o Distrito Federal caminha a passos largos para, nos próximos 16 anos, segundo a Codeplan, se tornar uma cidade com as características de países envelhecidos.

Pelo Censo de 2010, existiam na cidade aproximadamente 200 mil pessoas idosas (quase 8% da população total daquela época). Em 2012, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), esse número já era de 326 mil idosos ou 12,8% da população. Nesse contexto, é possível observar que o crescimento da população idosa tem sido mais do que o dobro (9,8%) do restante do país (4,8%). Por seu lado, verifica-se também que o Distrito Federal apresenta ainda a maior expectativa de vida de todo o país, algo em torno de 77, 57 anos de vida em média, isso lá em 2014 .

Para 2030, a previsão do IBGE é que se chegue a 80,92 anos para as mulheres e 77,30 para os homens. Dentro dos aspectos sociodemográficos do envelhecimento no DF, preparado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios em conjunto com o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e com a Defensoria Pública do Distrito Federal, “as mulheres representam 57% da população idosa, chegando a 63% no grupo etário de 80 anos ou mais (IBGE, 2011), reforçando o perfil mundial de femininilização da velhice, que é manifestação do processo de transição de gênero que acompanha o envelhecimento populacional em curso em todo o mundo. Estatísticas da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que o número de mulheres já supera o de homens em todo o mundo”. Num futuro bem próximo, essa será também a realidade do Brasil.

No DF, a faixa etária com maior quantidade de idosos (31,9%) se situa entre 60 e 64 anos. Segundo a Codeplan, a escolaridade de 60,4% desses idosos é baixa. Apesar disso, a renda dessa população é considerada alta, com mais de cinco salários mínimos. Esse fato explica, em parte, por que muitos idosos ainda assumem o papel de chefes e provedores de família. “A ideologia da velhice como decadência, doença ou problema, no caso brasileiro, está repleta de contradições e não corresponde ao imenso e crescente espaço ocupado pelas pessoas idosas na família, na economia e em outras instâncias, ainda que isso não fique claro no reconhecimento que a sociedade lhes deve. Tanto é assim que a contribuição da renda da população idosa na composição da renda nacional constituía, em 2003, a expressiva cifra de 30%, tendo os homens aportado 65,2% para o rendimento das famílias”, afirma Maria Cecília Minayo, da Escola Nacional de Saúde Pública. Contribui também para essa realidade o fato de que a Previdência Social cobre 77% da população idosa, formada, na sua maioria, por funcionários públicos federais e estaduais aposentados pelos regimes anteriores que contavam com maiores vantagens que o atual. No Brasil, o número de pessoas idosas vivendo sozinhas era, em 2014, de mais de 6,7 milhões, com 40% formados por mulheres.

O envelhecimento da população do DF acompanha o fenômeno mundial com a diferença de que, nos países desenvolvidos, esse fato não é motivo para grandes preocupações do ponto de vista de assistência, muito mais organizada, racionalizada e eficaz.

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A frase que foi pronunciada
“A velhice denuncia o fracasso da nossa civilização.”
(Simone de Beauvoir)


(*) Circe Cunha – Coluna “Visto, lido e ouvido” – Ari Cunha – Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google

1 Comentários

  1. Certamente, nossa capital está envelhecendo. O pior é que não proporcionamos lazer e distração para essa faixa etária. Nós, filhos de pioneiros, já passamos dos cinquenta e logo estaremos nessa estatistica...

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