A polícia apreendeu com os acusados diversos carros de luxo: ostentação
para atrair as vítimas
As delegacias do DF registraram 12,5 mil casos de
estelionato nos 10 primeiros meses do ano. Criminosos usam, principalmente, o
telefone e a internet para convencer as vítimas a depositar dinheiro em contas
bancárias
*Por Renata Nagashima – Jéssica Eufrasio
O telefone de casa toca. Do outro lado da linha,
alguém comunica que há um prêmio em dinheiro, mas, para recebê-lo, é preciso
que um adiantamento seja depositado em determinada conta. Pode parecer absurdo,
mas muita gente ainda cai nesse tipo de armadilha. Golpes com as mais diversas
histórias, como falsos sorteios, sequestros de parentes e casos de um suposto
sobrinho que está a caminho da cidade e precisa de ajuda para consertar o carro
na estrada, se tornaram populares. Todas essas fraudes, cometidas pela
internet, pessoalmente ou por telefone, são consideradas estelionato. De
janeiro a outubro deste ano, 12.587 desses crimes foram registrados nas
delegacias do DF, segundo a Secretaria de Segurança Pública e da Paz Social.
Índice representa um crescimento de 10% em relação ao mesmo período do ano
passado.
Uma das mais recentes vítimas na capital federal é uma aposentada de 71 anos. Ela perdeu quase R$ 2 mil ao ser convencida por bandidos de que teria um valor retido em processo referente à pensão do marido falecido. Sem base para discutir questões judiciais, a idosa conseguiu a quantia com uma irmã e efetuou o pagamento. “A atendente foi muito convincente. Sabia várias informações e usou termos de difícil compreensão para pessoas que não entendem, como eu. Ela pediu os meus dados bancários para eu receber o dinheiro e, depois de me deixar impressionada com o ‘benefício’, informou que a quantia estava bloqueada e que eu precisaria efetuar o pagamento das despesas judiciais, no valor de R$ 1.680. Isso não era nada comparado ao que eu supostamente receberia”, contou.
Mais
tarde, os golpistas entraram em contato novamente e disseram que a aposentada
precisaria pagar uma importância referente a impostos. Por sorte, na ocasião, a
moradora do Sudoeste contava com a ajuda de um advogado. “Quando contei toda a
história, ele me falou que eu havia sido vítima de um golpe. Foi um baque muito
grande. Fiquei extremamente abalada e envergonhada e não tive coragem de contar
para ninguém da família. Por isso, também não quis denunciar”, revelou.
Jonatas
José Silva, delegado da Divisão de Falsificação e Defraudação (Difraudes), da
Polícia Civil do DF, explicou que os criminosos se aproveitam da ambição das
vítimas e da necessidade de receberem a quantia oferecida. “Eles exploram a
ganância das pessoas e a vontade delas em ganhar alguma coisa. Em muitos casos,
a situação é comum por envolver um momento de dificuldade”, ressaltou o
investigador.
Tecnologia
O
advogado Ronaldo Ferreira da Rocha atende vítimas desse tipo de golpe. Duas
clientes aposentadas receberam a informação de que tinham direito a receber
valores de ações judiciais. Contudo, elas precisariam fazer o pagamento das
custas processuais, algo em torno de R$ 900, para receber o valor. Uma delas
procurou o defensor após ter pago a quantia.
“Obviamente, ela não recebeu nada. Quando tentei
contato por meio do telefone utilizado para falar com a vítima, uma pessoa se
identificou como Paulo e disse que o número era de uma residência particular
havia mais de 18 anos”, afirmou Ronaldo. Apesar disso, o advogado ouviu uma voz
feminina ao fundo da conversa. Segundo ela, a mulher orientava alguém que
parecia ser outra possível vítima do esquema.
O
delegado Jonatas alertou que o fato de o telefone ter um número fixo ou o código
do DF (61) não significaria, necessariamente, que a ligação seja originária
daqui. “Esses criminosos, geralmente, fazem o uso de Voip (tecnologia que
permite fazer ligações pela internet) e compram números telefônicos de vários
estados. Ele pode estar no Paraná com o DDD do DF, por exemplo. Por isso, os
cidadãos devem ficar atentos ao atender ligações de números desconhecidos,
sejam da própria cidade, sejam de fora”, esclareceu.
O investigador disse que essa modalidade de golpe é novidade para a divisão, porque costumava ser aplicado por meio de correspondência. O crime pode ser considerado estelionato, com pena prevista de 1 a 5 anos de reclusão; ou, se caracterizar furto qualificado mediante fraude, a previsão é de pena de 3 a 8 anos de prisão.
Fraude com moeda virtual
Recentemente, um esquema de pirâmide desarticulado
no Distrito Federal fez cerca de 40 mil vítimas. Sob a promessa de retorno
financeiro rápido, a Wall Street Corporate comercializou a moeda virtual
Kriptacoin. Os responsáveis pelo golpe movimentaram aproximadamente R$ 250
milhões em um ano e nove meses.
Sem saber de que se tratava de uma fraude, um projetista de 30 anos contou que a persuasão dos responsáveis pelo negócio era a principal forma de atrair o interesse de novos clientes. Havia, por exemplo, a promessas de lucro semelhante ao de moedas virtuais consolidadas, como a Bitcoin. “Investi muito pouco, só R$ 1 mil. O valor era convertido na criptomoeda, de acordo com a cotação vigente. Consegui vender algumas na plataforma, mas também fiz trocas por sapatos, eletrodomésticos, suplementos”, relembrou. Segundo ele, as negociações aconteciam motivadas pela esperança de que a moeda valorizasse.
O
professor do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Brasília
(UnB) José Gondim afirmou que as criptomoedas ganham força por todo o mundo,
mas ressaltou a importância de se entrar nesse tipo de investimento por meio de
corretoras confiáveis. “É sempre bom ter cuidado com investimentos em cima de
criptomoedas. No caso da Bitcoin, ela conta com tecnologias públicas para sua
execução, operação e auditoria. Por isso, ela não tem dono. Qualquer caso em
que se aponte uma moeda como algo de implementação privada, vale desconfiar”,
revela.
Outro
prejudicado pelo negócio foi um empresário de 36 anos, que também preferiu não
se identificar. Ele desembolsou R$ 21 mil para investir na Kriptacoin sem
desconfiar do esquema. “Quando entrei, cada conta rendia R$ 30 diários. Após 30
dias, R$ 900 ficavam acumulados no banco virtual. Como havia o desconto de
algumas taxas, nós terminávamos o mês com cerca de R$ 680”, detalhou.
O
empresário registrou ocorrência e entrará com uma ação judicial para tentar
reaver o dinheiro perdido. “Algumas pessoas entraram no início do ano; por
isso, ainda estavam recebendo o dinheiro de volta. No meu caso, perdi todo o
valor investido, porque, além de ter ingressado mais perto da desarticulação do
esquema, eu não tinha sacado valor algum. Quando fui fazer isso, a polícia
fechou a empresa”, explicou.
Veracidade
Para
evitar problemas, a recomendação da especialista em segurança pública e
professora da Universidade Católica de Brasília (UCB) Marcelle Figueira é se
atentar às ofertas de lucros fáceis e rápidos. “Não existe almoço grátis, como
diz o ditado. Se você não tem nenhum ganho previsto, precisa duvidar da
veracidade da proposta. Caso existam chances de ser verdade e você estiver
aguardando algum ganho, procure um advogado antes de qualquer coisa. É
importante checar a informação previamente e sempre desconfiar de facilidades
como essas”, alertou.
(*) Renata Nagashima – Jéssica Eufrasio – Foto: Ed
Alves/CB/D.A.Press – Correio Braziliense