Longe das eleições
Para quem não acreditou que o diplomata Rômulo
Neves, ex-BBB, desistira de concorrer a um mandato de deputado, a novidade é
que ele estará bem longe desta e da próxima eleição. Em março, ele embarca para
o Paquistão em missão do Itamaraty e depois deve passar uma temporada na
Alemanha. Espera ficar cinco anos fora do Brasil.
Ana Maria Campos
Entrevista Ilda Peliz - Ex-Presidente da Abrace
"Desejo que Brasília se recupere desses momentos difíceis que
vivemos. Brasília tem que parar de ser o para-raios das crises e de ter sua
imagem arranhada por pessoas desonestas e corruptas"
"Vou continuar ajudando as famílias"
Após 22 anos, a idealizadora do Hospital da Criança deixa a Presidência
da Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de
Câncer e Hemopatias (Abrace) para se dedicar à família. Mesmo assim, seguirá
como voluntária
Caridade é amar ao próximo é fazer-lhe todo o bem
possível que desejaríamos que nos fosse feito. O sentimento norteou a
trajetória de Ilda Ribeiro Peliz, 67 anos. Ela sofreu a morte de uma filha com
câncer no sistema nervoso, idealizou um hospital especializado em crianças,
dedicou-se por 22 anos ao trabalho voluntário na Associação Brasileira de
Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias (Abrace)
e mostrou que é possível transformar a dor em justiça social.
Em agosto de 1994, Ilda recebeu o diagnóstico que
mudaria a sua história. A filha Rebeca, 6 meses, estava com câncer. A partir
desse momento, Ilda passou a frequentar o Hospital de Base do DF e a conviver
com dramas infantis que deixaram marcas indeléveis. A menina morreu em outubro
de 1995. Na mesma data, nasceu um sonho que revolucionou a medicina infantil na
capital federal.
Ilda transformou o luto em luta. Idealizou o
Hospital da Criança e o tornou realidade com doações que superaram R$ 30
milhões. Desde a inauguração, em 2011, houve 2,6 milhões de atendimentos.
Agora, ela deixa a Presidência da instituição que se tornou referência
internacional. “A Abrace teve uma mãe, os meus filhos, não. Trabalhei 22 anos
dia e noite, de segunda a domingo. Hoje, preciso descansar”, conta em entrevista
ao Correio. Ela deixa a Abrace com as obras do segundo bloco do Hospital da
Criança concluídas e com previsão de inauguração para abril.
Os últimos meses de gestão foram marcados por duas
premiações: em agosto do ano passado, a Abrace foi eleita pela revista Época e
pelo Instituo Dor uma das 100 melhores ONGs do país no quesito Gestão e
transparência — 1,5 mil instituições concorriam ao título. No último mês, Ilda
esteve na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, para receber
um prêmio pelo “reconhecimento do esforço individual de pessoas que
contribuíram para a transformação social de famílias no mundo inteiro”. Ilda
foi escolhida pela concretização de ações em prol da saúde de crianças e
adolescentes.
Ilda descarta qualquer pretensão política. Ocupará
o tempo convivendo com os dois filhos adultos e mimando o neto — o xodó da
família. Apesar de ser um momento difícil, ela acredita que o trabalho da
Abrace não mudará. Maria Angela Marini, uma das fundadoras da instituição,
assume o cargo interinamente até a eleição da nova diretoria. A escolha ocorre
ainda neste mês. Confira os principais trechos da entrevista.
O que motivou a senhora a deixar a Presidência da
Abrace?
Ao longo do tempo, eu tenho defendido que outra
pessoa assuma. Penso que uma ONG não teve ter um gestor ad eternum. Na Abrace,
todos são diretores voluntários, e a mudança da gestão faz bem à saúde da
instituição. A Abrace é como um filho, mas, desde 2011, eu penso em sair e
reconduzir a gestão. No início do ano passado, eu avisei que não queria ser
reeleita. Foi uma decisão muito pensada.
Este é um ano de eleições. A sua saída tem ligação
com pretensões políticas?
Sempre que tem eleições os partidos me convidam.
Dia desses descobri que era filiada a dois partidos sem nunca ter me filiado.
Agora, concorrer a cargo eletivo não faz parte dos meus planos. Não vou
concorrer a nada.
Qual é o impacto da sua saída?
É ruim para as pessoas que se abalam, mas esse
momento passa. Questionam o que houve, ficam curiosas para saber se houve algum
problema. Isso é normal. O importante é que tudo continuará funcionando
normalmente.
Qual é o momento mais marcante nesses 22 anos?
Quando entrei na Abrace, o índice de abandono dos
tratamentos estava crítico. Cerca de 28% das crianças paravam de se tratar por
não terem onde ficar, o que comer ou como se locomover pela cidade. Elas não
tinham como ficar em Brasília. Isso não acontece mais. O índice de abandono é
zero. Conseguimos ajudar com alimentação, remédio, exames e transporte. Isso me
emociona demais.
A senhora lidou com vários governadores do DF. Foi
difícil?
O difícil foi a interinidade que tivemos em 2010.
As trocas no primeiro escalão dificultaram processos da instituição. Negociar
não era difícil por ser muito claro para todos que a Abrace é uma parceira.
Deixar o cargo com a segunda ala do Hospital da
Criança pronta oferece mais tranquilidade?
Saio realizada por deixar a obra pronta. O dia em
que eu souber que o Bloco 2 está pronto acabou minha missão, e esse dia chegou.
O último dia de trabalho foi difícil?
Viajei para receber o prêmio e cheguei na véspera
de Natal. Troquei de mala e fui encontrar a minha família em Minas Gerais.
Fiquei cuidando da Abrace a distância. Tinham pedido que eu ficasse na
Presidência até 15 de janeiro para fazer a despedida e a nova eleição. Mas, com
o término do mandato em 31 de dezembro, eu não conseguiria fazer mais nada.
A senhora se desligará totalmente da Abrace e do
Hospital da Criança?
Vou contribuir mais ainda como voluntária. Para
ajudar, não precisa de ter cargo. Vou continuar ajudando as famílias, visitando
as crianças, acompanhando as histórias. Eu fiquei 22 anos na parte estratégica,
agora posso fazer outras coisas. Mas se me chamarem para uma palestra eu vou,
para interferir numa ação do governo eu vou, para uma roda de conversa…
Haverá uma mudança radical na rotina...
Trabalhei 22 anos dia e noite, de segunda a
domingo. Não ia a festas, ao cinema, a aniversários. Foi uma vida de dedicação.
Os meus filhos eu não vi crescer. Crio um neto até com um certo peso na
consciência. Os meus filhos diziam que a Abrace tinha mãe, e eles não. Na
adolescência, sobretudo, eles não entendiam. Hoje, eu posso me entregar mais à
família e aos amigos.
Tem algo que deseja fazer?
Quero descansar, sair caminhando pelo Eixão sem ter
compromisso, sem me preocupar com horários (risos).
A senhora perdeu uma filha de 2 anos, em 1995, para
um tumor no sistema nervoso. Isso a motivou a se dedicar à assistência social?
Quando a minha filha morreu, fiz um compromisso
comigo mesma de que viabilizaria um hospital para criança e adolescente. Vi
como era o tratamento de criança no Hospital de Base. O foco era sempre o
adulto, e as crianças sempre voltavam para o fim da fila. A minha filha chegou
a ficar sem comer das 18h de um dia às 20h do outro para fazer uma cirurgia,
porque adultos tomavam o lugar na sala de cirurgia, na UTI. Isso me revoltou.
Nesses anos todos a minha meta era essa. Foi a razão da minha vida proporcionar
um tratamento humanizado e digno.
Enfrentar um câncer em 2006 foi difícil?
Quem lida com o câncer, lida com a morte todo dia.
Isso nunca é fácil. De cada 100 crianças, 30 vão a óbito. Imagina, eu lido com
o câncer todo dia. Quando recebi o diagnóstico, pensei: “Por que eu?” O
tratamento foi tranquilo, tive sucesso. O pós é mais delicado. Você será para
sempre um ex-paciente de câncer. Faço todos anos um acompanhamento rígido. Sei
que não posso parar de me cuidar.
O ano está começando. O que a senhora deseja para
Brasília em 2018?
Eu amo essa cidade. Desejo que Brasília se recupere
desses momentos difíceis que vivemos. Brasília tem que parar de ser o
para-raios das crises e de ter sua imagem arranhada por pessoas desonestas e
corruptas. Temos de apagar essa imagem negativa. Tenho certeza de que a nossa
situação econômica vai melhorar, vamos gerar empregos… Muita coisa não caminhou
por falta de dinheiro nos últimos anos. Quero ver mais pessoas felizes, sem
gente passando fome, com crianças na escola e sem crise na saúde. Precisamos dar
as mãos para fazer isso. O papel da sociedade é ajudar e não só esperar o
governo fazer.
Qual é a mensagem que a senhora deixa para
pacientes e colaboradores da Abrace?
Eu agradeço o apoio incondicional das pessoas. Tudo
que fizemos e pedimos, a sociedade sempre apoiou. O agradecimento é para
aqueles que colaboraram. Ninguém faz nada só. O amor das pessoas é
corresponsável pelo sucesso. Tenho certeza de que o trabalho da Abrace não
mudará. Temos valores que não mudam, independentemente de quem esteja no
comando.
(*) Otávio Augusto – Foto Antonio Cunha/CB/D.A.Press – Correio
Braziliense