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Lago Paranoá, grande frente da economia

A vocação para o lazer e o entretenimento pode transformar um dos principais cartões-postais do Plano Piloto em um polo de desenvolvimento sustentável e de geração de emprego. Mas o que falta ainda é infraestrutura

Por Ludmila Rocha - Luiz Calcagno 

Foi Luis Cruls, em 1894, quem primeiro vislumbrou a dimensão do Lago Paranoá para a utópica nova capital do país e relatou essa potencialidade dois anos depois. Ideia que foi concretizada por Juscelino Kubitschek em abril de 1960. Hoje, o espelho d’água, com cerca de 48km quadrados de área e profundidade máxima de 38 metros, é uma região que atrai turistas e brasilienses, graças à diversidade de opções ligadas ao lazer e ao entretenimento.

Para se ter uma ideia, 50.971 embarcações circulam pelo lago. O DF é a quarta unidade da Federação em quantidade de veículos náuticos. A economia da região está em pleno desenvolvimento e passa por transformações que mudam, também, a cara da capital federal.

Com a desobstrução, toda a orla do lago começa a ganhar, mesmo lentamente, um novo perfil: mais restaurantes (cerca de 80 na orla e região), urbanização, ciclovias, píeres, além dos tradicionais clubes e hotéis — esses últimos, inclusive, buscam novidades para atrair a clientela.

Atração
O interesse da população pelo lago só aumenta. É o caso da publicitária Helena Seabra, 39 anos. Moradora da Asa Norte, ela passou a frequentar o Calçadão da Asa Norte com o filho, Arthur Dantas de Seabra, 9. “Sempre quis passear de caiaque nessa região. Aproveitei as férias do meu filho para começarmos”, conta. O plano é transformar as idas para o lago em um programa semanal. “Eu entro às 10h no trabalho. Nada me impede de vir mais cedo. Alugar um caiaque, por exemplo, é bem mais barato que ir ao cinema”, compara.

O interesse turístico também é forte e o brasiliense reconhece isso. Moradora de Águas Claras, a advogada Nathane Ribeiro, 26 anos, se mudou de Belo Horizonte para Brasília há dois anos, e, sempre que recebe visitas, tem roteiro definido: o Pontão do Lago Sul. Os últimos a “turistarem” pela área com Nathane foram os amigos da capital mineira Déborah Barros, 20, e João Vinícius, 25. “Considero (o Pontão) o lugar mais lindo de Brasília. Toda vez que vem alguém de fora, eu trago aqui. A comida é boa, tem gente bonita e a vista é inigualável”, elogia. E os visitantes se impressionam. “Gostei muito. Íamos até fazer stand-up pedal, mas a chuva não deixou”, completa Déborah.

Dificuldades
É claro que o local não passou imune à crise, mas as possibilidades turísticas, e as diversas atividades no Paranoá e arredores, permitem ao mercado local se reerguer mais rapidamente e projetar um crescimento em curto prazo. É certo que os restaurantes ainda amargam perda de clientela, mesmo assim empresários falam com otimismo sobre o reaquecimento do setor. Clubes investem em eventos e atividades esportivas para manter a receita e atrair novos sócios, e alguns hotéis oferecem preços promocionais para quem quiser passar o dia usufruindo do estabelecimento, principalmente em datas comemorativas.

O potencial desse cartão-postal, porém, está no que ainda não foi explorado. Quem afirma é o presidente da Federação do Comércio do Distrito Federal (Fecomércio-DF), Adelmir Santana. “Todas as cidades do mundo aproveitam as orlas. Em Brasília, são quase 48km de área, ainda com poucas opções para quem busca lazer e arte”, por exemplo. “O governo tomou a iniciativa de desocupar espaços e, com isso, abriu uma oportunidade para melhorar o comércio local, mas ainda é preciso investir em iluminação, acessibilidade e segurança”, avalia.

Palavra de especialista - Hora de planejar
Para desenvolver economicamente o Lago Paranoá, é preciso um projeto de ocupação simples, pensado para várias demandas e modificável. Brasília perde todas as oportunidades de fazer uma ocupação racional, social e ambientalmente correta. Tanto o governo quanto a população têm muito o que aprender. O aprendizado tem que começar logo, com um bom projeto estruturante no conjunto do espelho d’água, ou teremos grandes problemas no futuro.

Esse projeto estruturante tem que abarcar todo o perímetro do Lago Paranoá. Um parque que preserve as margens e permita um passeio total e integral pela região deve ser a âncora do que pode vir depois. Nesse ponto, será possível começar vários negócios, de pequeno, médio e grande portes. Tem muita coisa que pode ser apresentada a partir de um lago livre, com modalidade de exploração científica, cultural, ambiental, social e comercial.

Caberia, no caso do Paranoá, criar uma administração com poderes de investir e prestar contas desse empreendimento. Mas tem que começar logo, ou o lago será sempre tratado de forma improvisada e desrespeitosa. O Pontão e o Beira Lago não ocupam nem 1% das margens. Para começar, precisamos de um projeto urbanístico simples e que permita, ao longo do tempo, muitos experimentos.
(Frederico Flósculo, professor do Departamento de Projeto, Expressão e Representação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB)

Artigo - por Fernanda Bocorny Messias - O potencial sustentável
O Lago Paranoá é um privilégio da população, tanto por sua função ambiental quanto de lazer. O projeto original da cidade destinou uma parcela aprazível da orla para os setores de Clubes Sul e Norte. À época, o costume era que as atividades de lazer e esportivas se concentrassem nesses locais. A mudança nos costumes se refletiu nos projetos residenciais recentes, onde áreas de lazer privativas aos moradores esvaziaram a coletividade dos clubes, abrindo espaço para novas relações da população com o Lago.

A expansão das atividades econômicas para fins de lazer, esporte e turismo no entorno do Lago tem aumentado na proporção direta da percepção da importância do local pela população. A ocupação da orla cria novas oportunidades de negócios para atividades esportivas, recreativas e de gastronomia, e os espaços com maior oferta de atividades econômicas vêm se tornando pontos de referência para a população.

As atividades humanas, que não se restringem ao lazer e ao turismo no Lago, são as principais responsáveis pela poluição. As obras regulares do governo — como o setor Noroeste e o Trevo de Triagem Norte — e os condomínios irregulares impactam os corpos hídricos que fazem a recarga do Lago Paranoá.

Para regular esta ocupação, o Decreto 33.537, de 2012, que determina a Área de Proteção Ambiental (APA) do Lago Paranoá como Unidade de Conservação no Grupo de Uso Sustentável, dispõe sobre o zoneamento ambiental da APA. O decreto reflete as preocupações da expansão urbana do DF em toda a Bacia Hidrográfica do Lago Paranoá e apresenta o mapeamento das atividades humanas em funcionamento na região da APA. A Caesb, por sua vez, se vale das recomendações de balneabilidade previstas na Resolução Conama nº 274, de novembro de 2000 para o Lago.

Os estudos técnicos presentes no decreto e o rigor das análises da Caesb devem ser observados e monitorados por toda a população, para que a economia em torno do uso do Lago não afete a segurança hídrica de qualidade da cidade.
(Fernanda Bocorny Messias, arquiteta, mestre em desenvolvimento sustentável e doutoranda em urbanismo na UnB. Foi conselheira do Conama e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.)

O mar dos brasilienses
O Lago Paranoá faz as vezes de “o mar do Cerrado”: entre as opções mais procuradas na região, estão festas — em terra e a bordo de embarcações —, luxuosos hotéis à margem para descansar nos fins de semana, passeios de lancha, de catamarã e clubes para se associar ou passar o dia. As festas, especificamente, geram milhões de reais em arrecadação para a capital, e, gostem os moradores do Lago ou não, o segmento se consolidou.

Em 2015, a R2 Produções trouxe o projeto Na Praia. A proposta: criar uma praia no Cerrado durante as férias de julho. O evento foi montado no Setor de Clubes Esportivos Norte (SCEN), próximo à Concha Acústica. A terceira edição, em 2017, durou mais de dois meses. Segundo a R2, 199 mil pessoas frequentaram a festa, que gerou um faturamento de mais de R$ 19 milhões, R$ 3,2 milhões em impostos e 29 mil empregos diretos e indiretos.

Eduardo Alves, diretor do Na Praia e um dos sócios da R2, destaca a importância da localização próxima ao lago para o sucesso da festa. “Pela ambientação, pela vista maravilhosa, mas principalmente em função do valor do lago como patrimônio histórico”, afirma.

Modernização
Os eventos em embarcações também são bastante procurados no Lago Paranoá. A bancária Jéssica Wright, de 29 anos, começou a namorar o hoje marido, o analista de sistemas Eduardo Borba, 38, em um evento no barco, da igreja evangélica que frequenta. “O convidei para a celebração de um grupo de jovens da minha igreja. Gostamos bastante do passeio. Foram quatro horas navegando por locais conhecidos do lago, como o Pontão e a Ponte JK. A festa estava animada, com música e show de luzes. Foi um bom cenário para o primeiro beijo. Continuamos juntos e hoje estamos casados”, conta.

Em um período de expansão e crescimento, negócios tradicionais, muitas vezes, precisam mudar a forma de se apresentar aos clientes e de investir. É o caso dos clubes às margens do Paranoá. Segundo Claudionor dos Santos, presidente do Sindicato de Clubes e Entidades de Classe Promotoras de Lazer e Esportes do Distrito Federal (Sinlazer), houve um afastamento de cerca de 20% de sócios nos clubes do DF. “Estamos atuando com estratégia e criatividade para suprir isso. O principal é o investimento nas partes esportiva, cultural e social. Também temos participado de palestras e simpósios para capacitar os gestores, trazendo conhecimento e inovação”, comenta.

O Minas Tênis Clube é um dos estabelecimentos que apostam na renovação. “Estamos investindo em modelos de diversão para angariar novos sócios e, também, mirando em convênios com empresas, que oferecerão os nossos serviços pela metade do preço”, explica o vice-presidente administrativo do estabelecimento, Carlos José Elias.

"O mais bonito da capital"
Talita Balzou (E) e Léa Moura: a gastronomia diversificada é um dos atrativos da região

Moradora da Asa Norte, Talita Balzou, 36 anos, adora levar amigos para aproveitar a boa gastronomia às margens do Paranoá. O diferencial é exatamente este: a paisagem. “Vim para Brasília em 2007. Primeiro, como turista e, depois, para trabalhar. O Lago Paranoá é o lugar mais bonito da capital. É uma referência turística e histórica de Brasília”, afirma.

Amiga de Talita, Léa Moura, 36, mora em Palmas e visita a capital federal. Ela também se diz apaixonada pelo lago. “Se eu morasse no DF, viria aqui sempre que pudesse. Só de ficar na orla lendo um livro já seria gostoso”, declara.

É justamente na atração que o lago provoca em turistas e brasilienses que os empresários apostam para consolidar seus empreendimentos. E o discurso é otimista, apesar da baixa no número de clientes nesta época do ano. Há quem subsidie o negócio com lucro de outros empreendimentos. Mas, mesmo em dificuldade, é a gastronomia que está modificando a economia em torno do espelho d’água. Proprietários falam com otimismo sobre o futuro.

Democratização
Um dos sócios do Bier Fass do Pontão, Antônio Carvalho acredita que, com o tempo, “o DF se voltará, cada vez mais, para o Lago Paranoá”. “Viramos um polo econômico importante. No Pontão, por exemplo, mesmo durante a semana, circulam milhares de pessoas. Isso acontece por estarmos virados para o lago. A crise chegou para todos. Não tem muito para onde correr. Mas, com um fim de semana de sol, por exemplo, temos um atrativo a mais. Se houver uma boa vontade governamental de democratizar o lago, tanto para frequentadores, como para empreendedores, a coisa só tem a fluir”, propõe.

Roberto Magnani, proprietário do bar e restaurante Avenida Paulista e vice-presidente da Associação Beira Lago, explica o motivo das altas expectativas. “O Lago Paranoá é o centro de bem-estar e entretenimento da população do Plano Piloto e de grande parte das cidades do DF. Isso requer que o uso dos equipamentos públicos seja bem definido, e é o que estamos fazendo no Beira Lago, no qual trabalhamos na revitalização ao lado do governo”, explica.

Os restaurantes do Pontão também buscaram estratégias para popularizar os serviços, explica a administradora do espaço, Sandra Campos. “Temos almoço a R$ 39,90. A pessoa come à vontade. O preço não é exorbitante”, argumenta. Ainda assim, a gestora enfatiza que há muito o que se fazer. “A economia gerada ao redor do lago está em uma curva ascendente, mas falta regulamentação, como em outros estados e países, para explorar melhor a região”, pondera.
Vocação para o esporte
"É importante praticar atividades esportivas. Pratico tênis todas as terças e quintas. É um dinheiro que estamos investindo em vitalidade" 
(Flordovaldo Cunha, servidor aposentado)

Em terra ou na água, é fácil encontrar uma atividade esportiva às margens do Lago Paranoá. Clubes dispõem de aparato completo para vôlei, diversas modalidades de tênis e futebol, por exemplo. Além disso, empresários investem em atividades aquáticas, como o stand-up paddle, o remo e a canoagem. O aluguel do equipamento varia de acordo com estabelecimento.

Aos 73 anos, o servidor aposentado Flordovaldo Cunha preferiu ficar em terra, mas bem perto do espelho d’água. Ele pratica tênis duas vezes por semana e tem fôlego para várias partidas, garante. “Para mim, é importante praticar atividades esportivas. Pratico tênis todas as terças e quintas, enquanto minha mulher faz hidroginástica no Minas Tênis Clube. Tenho amigos em outros clubes e trocamos convites para praticarmos juntos. É um dinheiro que estamos investindo em vitalidade”, diz.

Cláudio Carraca, 44, representante comercial, é também instrutor de canoa havaiana. “O lago é fantástico, tem uma qualidade excelente para banho e ainda une esporte e lazer. Mas ainda hoje é pouco aproveitado. Não raro recebo alunos que moram em Brasília e nunca usaram o lago. Para melhorar esse quadro, acho que precisa ter mais divulgação e organização das bases que cuidam disso, além de investimentos do governo”, avalia.

Luciano Castro, 39, é dono de uma barraca para aluguel de artigos esportivos (stand-up e remo) e de pedalinho na Prainha do Varjão. Segundo ele, cerca de 2 mil pessoas, entre esportistas, turistas e moradores da região, passam por lá semanalmente. O número aumenta na alta temporada. “Eu atendo cerca de 50 clientes semanalmente, sendo uns 20 só nos fins de semana”, analisa.

Possibilidades de crescimento

Helena Seabra com o filho Arthur: passeios de caiaque e natureza

A crise econômica provocou uma queda de 10% na receita, entre 2016 e 2017, dos estabelecimentos às margens do Paranoá. Mas empresários falam do futuro com otimismo. Para o presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Brasília (Sindhobar), Jael da Silva, a exploração do potencial econômico do Paranoá depende do transporte e da segurança da área. “São questões que atingem os empregados e os empresários. Uma das nossas demandas é a retomada do Corujão (linha noturna de ônibus que parte da Rodoviária para as principais cidades do DF).”

Presidente do Sindicato Varejista do DF (Sindivarejista), Edson de Castro também se preocupa com a deficiência do transporte público e da infraestrutura no lago. “Esperamos que o GDF coloque, por exemplo, ônibus depois da meia-noite”, afirma. Ele também vê na região a chance para o reaquecimento de toda a economia da capital. “A criação de comércio nos dá um oxigênio para tentar mudar o cenário de crise que atinge o setor”, pondera.

Urbanização
O chefe da Casa Civil do Governo do Distrito Federal, Sérgio Sampaio, vê nas parcerias público-privadas o caminho para fomentar o comércio e a utilização esportiva e cultural da orla do Paranoá. Segundo ele, há concurso público aberto para escolher um projeto de urbanização da área. “Após a aprovação do plano, buscaremos parcerias público-privadas para manter a infraestrutura do projeto urbanístico”.

Este ano, o GDF revitalizará a Praia do Lago Norte, mais conhecida como Prainha, e a Concha Acústica. “A obra da Prainha está orçada em R$ 9,9 milhões e permitirá a construção de estacionamentos, restaurantes, banheiros e parques para as crianças”, destaca Sampaio. Ainda de acordo com o secretário, o GDF assinará um decreto que permite à iniciativa privada usar espaços públicos, com contrapartidas a definir.


(*) Ludmila Rocha - Luis Calcagno - Fotos: Breno Fortes/CB/D.A.Press - Antonio Cunha/CB/D.A.Press - Correio Braziliense

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