"Tem produção de todo
jeito, mais atual e quente, alternativa, cult, histórica, clássica, em todas as
suas vertentes. Ele é uma joia cultural de Brasília, que deve ser mantida, um
espaço único" (Paulo Lima, jornalista)
"É um cinema público, sabemos qual é a nossa função.
Sempre exibimos muitos filmes que estão fora do circuito convencional. Há
alguns que, se não fosse o Cine Brasília, você não veria de jeito nenhum" (Sérgio Moriconi, cineasta e programador do Cine Brasília)
*Por Lucas Nanini
Inaugurado
um dia depois da capital federal, em 22 de abril de 1960, o Cine Brasília é
mais do que uma sala para exibição de filmes. O espaço projetado por Oscar
Niemeyer, além de um símbolo da cidade, é ponto de convivência e oferece ao
público um pouco da atmosfera dos cinemas de bairro de antigamente, com uma
programação diferenciada e de qualidade.
O
Cine Brasília recebe também importantes festivais e mostras de cinema, entre
eles o tradicional Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, que, neste ano,
terá sua 51ª edição. O local ficou fechado para reformas e reabriu as portas em
2013. Também virou a casa da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional de
Brasília, que, desde 2017, ensaia e se apresenta todas as semanas ali.
Quem
costuma assistir a filmes na sala do Cine Brasília diz que a experiência é
diferenciada. O local é sede ainda de mostras de cinema internacional, de
países como Argentina, Japão e Espanha, do Curta Brasília e do Festival
Internacional de Cinema de Brasília (Biff).
Na
programação, há opções como as desta semana, quando o indicado ao Oscar de
melhor filme estrangeiro, O Insulto, do diretor libanês Ziad Doueiri, é exibido
com o clássico Acossado, de Jean-Luc Godard. São três a cinco produções em
cartaz, sempre contendo uma estreia, segundo o programador da casa, Sérgio
Moriconi. “É um cinema público, sabemos qual é a nossa função. Sempre exibimos
muitos filmes que estão fora do circuito convencional. Há alguns que, se não
fosse o Cine Brasília, você não veria de jeito nenhum”, afirma.
O
público que frequenta o local aprova a programação e exalta aspectos como as
proporções da sala e o ambiente, que se distingue das convencionais salas de
shoppings. “A própria arquitetura, a sintonia com a cidade, o pé-direito alto.
É um cinema que não se encontra em outras cidades. É bastante interessante,
agradável, com ar de cineclube”, afirma o jornalista Paulo Lima, 56 anos. Ele
destaca a qualidade técnica do som, da projeção e da dimensão da tela, que mede
14m por 6,5m.
Sergipano
de Aracaju, o jornalista costuma ir ao Cine Brasília pelo menos uma vez por
semana desde que se mudou para a capital federal, há dois anos. “Tem produção
de todo jeito, mais atual e quente, alternativa, cult, histórica, clássica, em
todas as suas vertentes. Ele é uma joia cultural de Brasília, que deve ser
mantida, um espaço único.”
Cinéfila
de carteirinha, a psicóloga Ana Paula Pinto Fernandes, 42, costuma frequentar
diversas salas da capital e de outras cidades que visita. Na opinião dela, o
Cine Brasília é um orgulho para a cidade. “Eu frequento o festival desde que
era adolescente. E tem também os festivais de cinema de outros países. Lembro
que uma das últimas vezes que fui lá foi para um festival internacional de
curta-metragem. Pude ver curtas da Espanha, da Suécia. É uma alternativa
maravilhosa para a programação dos shoppings, que passam os filmes comerciais.
Eu gosto do espaço lá, quase nunca tem fila e as poltronas são confortáveis”,
observa.
Os
eventos que ocorrem no local também contribuem para transformá-lo em centro de
convivência. “Tem o ‘Sacolão’, que é uma feira de fotografia, por exemplo. É um
espaço que vale a pena. Costumo ir pelo menos duas vezes por mês”, relata o
arquiteto Caio Fiuza, 25. Frequentadora do local há anos, a atriz e produtora
Cláudia Andrade concorda. Para ela, o espaço é ótimo não apenas pelo conforto,
mas porque oferece uma estética diferenciada. “É como um cinema de bairro, você
encontra pessoas conhecidas, é meio que um centro de convivência mesmo”, diz.
Formação
O
Cine Brasília é considerado por cineastas e produtores como um lugar capaz de
fomentar o interesse pela arte e levar o público a desenvolver um verdadeiro
senso estético. “O Cine Brasília privilegiou uma programação de qualidade, não
só os blockbusters, privilegiou a boa produção do cinema nacional, o caráter
formativo para várias gerações tem o significado de formação de uma plateia, de
um cinema mais aventuroso”, diz Moriconi.
O
cineasta Santiago Dellape confirma a vocação do local. “Foi o primeiro contato
com esse outro tipo de cinema, o cinema de arte, que era diferente do que eu
assistia até então, mais comercial, da sala de cinema e da TV. Abriu as portas
desse universo, do cinema que faz pensar. Antes de cogitar trabalhar na área,
eu já frequentava (o Cine Brasília), nos festivais e fora deles também. Sempre
considerei aquele lugar um templo, por onde passaram monstros sagrados do
cinema brasileiro, faz parte da história”, conta. Os nove filmes produzidos por
ele foram exibidos na sala, oito participaram do Festival de Brasília — sendo
duas vezes da mostra competitiva e oito da Mostra Brasília (Troféu Câmara
Legislativa). “É um lugar em que você entra com respeito”, resume.
Rigor
e equilíbrio na programação
A
programação, considerada um diferencial do espaço, fica a cargo de Sérgio
Moriconi, cineasta e professor de cinema, formado pela Universidade de Brasília
(UnB). É ele quem negocia com as distribuidoras e procura equilibrar as
atrações da sala entre filmes clássicos, produções nacionais, longas que estão
fora do circuito comercial e até blockbusters da atualidade.
O
programador fala sobre a dificuldade de convencer as produtoras a liberarem os
filmes para exibição no local. “Metade da bilheteria vai para um fundo do GDF e
a outra metade, para as distribuidoras dos filmes. O que eu poderia era ganhar,
com uma verba de um banco, dinheiro para eu pagar mostras de cinema, porque é
preciso pagar os direitos dos filmes”, detalha. “Por isso, só acolho mostras
que já vêm pagas.”
Ele
declara que luta para instalar um café no local, solicitação antiga dos
frequentadores. Outra batalha é para a implementação de bilhetagem eletrônica,
para pagamento com cartão.
Segundo
a Secretaria de Cultura, o edital de concessão do espaço para o café foi aberto
por duas vezes “e não se concretizou por falta de empreendimentos proponentes”.
A pasta disse que fará a contratação direta, de acordo com o previsto em lei,
em março. Sobre a digitalização da bilheteria, o governo diz que há um
“programa de revitalização dos equipamentos culturais” em andamento. O projeto
prevê a inclusão do sistema até o fim do semestre.
Saiba mais
O Cine Brasília fica na EQS 106/107 e tem capacidade para 619 pessoas. Os ingressos custam R$ 12 (inteira) e R$ 6 (meia). A programação está disponível no Facebook (CineBrasilia1960) e no site da Secretaria de Cultura do DF >>>> (www.cultura.df.gov.br).
(*)
Lucas Nanini – Fotos: Carlos Vieira/CB/D.A.Press – Toni Wiston - Agência Brasília - Google – Correio Braziliense