Professor Ivan Camargo - Ex-reitor da UnB
“A Universidade não pode e não deve impedir que
nenhuma disciplina seja ministrada”
A ex-presidente Dilma Rousseff deixou o cargo por
decisão do Congresso, que foi eleito por voto direto, sob a acusação de irregularidades nas contas
públicas. Por isso, é controverso dizer que houve golpe para
derrubá-la do poder. O nome da disciplina O golpe de 2016 e o futuro da
democracia no Brasil” direciona a discussão para uma visão ideológica sobre
o episódio?
Eu discordo do uso da palavra “golpe”. Acho
arrogantes as pessoas que não respeitam as decisões do Congresso. Até discordo
de muitas delas, mas respeito todas. Estamos num Estado democrático em que é
indispensável que se respeite as decisões do Executivo, do Legislativo e do
Judiciário.
A universidade pode impedir que uma disciplina como
essa seja ministrada?
A Universidade não pode e não deve impedir que
nenhuma disciplina seja ministrada. Nós, professores universitários, temos uma
enorme liberdade de definir o conteúdo das nossas aulas. Temos que usar essa
liberdade com muita responsabilidade.
Qual deve ser o critério de avaliação dos
alunos que optarem pela disciplina do curso de ciência política?
O critério de avaliação tem que estar claramente
definido em qualquer projeto de curso. Na apresentação da disciplina, os alunos
devem saber, claramente, como serão avaliados. Não por se tratar de uma
disciplina da ciência política. Todo curso deve ter um critério de avaliação
formal que leve em consideração o desempenho e o aprendizado do aluno.
Quem tiver uma posição totalmente contrária ao
entendimento de que houve golpe conseguirá aprovação e notas máximas nas
provas?
O professor que está propondo essa disciplina específica
é conhecido e respeitado na nossa universidade. Não é possível imaginar que ele
utilizará de critérios ideológicos ou partidários para definir o desempenho do
aluno. Aliás, a disciplina será muito mais interessante se houver muita gente
que pense diferente em sala de aula.
O senador Cristovam Buarque (PPS/DF), também
ex-reitor da UnB, valia que a universidade tem a liberdade de nomear
disciplinas tanto como golpe" no caso de Dilma Rousseff, quanto como
“revolução de 1964”. O senhor concorda?
Concordo com o senador Cristovam. É indispensável
para o bom funcionamento de uma Universidade a autonomia e a liberdade.
O ministro da Educação, Mendonça Filho, criticou a
disciplina. Essa posição tem sido apontada, especialmente por petistas,
como censura. Qual é a sua opinião sobre isso?
Respeito a posição do ministro. Trata-se de uma
posição política sobre o tema. Não é possível que qualquer parlamentar que
tenha votado a favor do impeachment da presidente Dilma não reaja contra esta
“narrativa” de golpe. No entanto, o assunto não tem a menor importância para a
educação superior no Brasil.
O senhor poderia dar exemplo de outras
disciplinas da UnB com tema controverso como o dessa disciplina?
Talvez o nosso maior problema não sejam os temas
controversos. As universidades públicas brasileiras criaram cursos sem respaldo
da sociedade. Existem, hoje na UnB, cursos em que o número de candidatos é
menor que o número de vagas. Isto precisa ser corrigido.
Ana Maria Campos - Coluna "Eixo Capital"
- Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press - Correio Braziliense