Marcelo está no grupo de Águas Claras desde 2016:
"Criou-se um vínculo que garante uma sensação de segurança e de agilidade
no atendimento"
Jussara comemora maior paz: "Nós ficamos mais
entrosados" - Apoiadas pela Polícia Militar,
redes de proteção entre vizinhos reduzem número de ocorrências e tranquilizam
moradores, mas participação da sociedade ainda precisa crescer. PM está mais
pronta do que a comunidade, alerta especialista.
Placas em frente às casas avisam que todos estão
alertas: "Depois que a PM começou a atuar com a comunidade, tudo
mudou", conta Geraldo
*Por Luiz Calcagno - Isa Stacciarini
Lideranças preocupadas com os problemas da
segurança pública em Águas Claras criaram grupos de bate-papo e página no
Facebook para debater as necessidades da região e colaborar para a solução. No
Lago Norte, a população começou a usar apitos, placas e grupos de WhatsApp para
vigiar os conjuntos e acionar a Polícia Militar. O uso de aplicativos de
mensagens instantâneas também virou regra para os presidentes dos conselhos
comunitários de Segurança do Distrito Federal — os Consegs. Todas as situações
têm uma característica em comum: a participação de moradores.
Para estudiosos, a notícia é boa. Porém, Brasília
ainda engatinha no que diz respeito à gestão comunitária de segurança pública
(Leia Palavra de Especialista). Morador de Águas Claras há 11 anos, Marcelo
Marques, 46, entrou no grupo da região no Facebook em 2016. Policiais do
batalhão da cidade participam do grupo e deslocam efetivos a partir dos pedidos
de ajuda postados.
Além da página, os moradores têm o número do
WhatsApp do 17º Batalhão da PM. Em vez de acionarem socorro pelo 190, eles se
comunicam direto com os militares, o que agiliza o atendimento. “Sabendo
utilizá-las, as novas tecnologias são muito úteis entre os vizinhos, porque
oferecem a possibilidade de as pessoas se conhecerem e estabelecerem vínculo
para proteção umas das outras”, observa Marcelo.
O empresário lembra que a rede de comunicação entre
vizinhos e a polícia cresceu de tal forma que pessoas de outras regiões do DF,
como moradores do P Sul (Ceilândia) e até de São Paulo, já pediram ajuda para
implantar o mesmo formato de proteção coletiva. “Criou-se um vínculo que
garante uma sensação de segurança e celeridade no atendimento às ocorrências”,
comenta.
Controle social
A Rede de Vizinhos Protegidos, que atua desde abril
de 2017 em 73 conjuntos do Lago Norte e do Setor Habitacional Taquari, reduziu
a zero o número de furtos a residências. Os moradores usam grupos de WhatsApp
com a PM e vizinhos, além de apitos, para alertar sobre a aproximação e
presença de estranhos. Placas avisam que a região é monitorada.
O idealizador do projeto, tenente Luís Barbonaglia,
do 24º Batalhão da PM, se inspirou em um programa similar, criado em Belo
Horizonte. “Os moradores passam a entender que o policial faz parte da
sociedade e que a colaboração entre as partes é fundamental”, explica
Barbonaglia. A sensação de segurança aumentou, confirma Geraldo Cardoso, 61
anos, morador da QL 16 do Lago Norte.
“Antes, casas eram invadidas e nem ficávamos
sabendo”, conta Geraldo. “Depois que a PM começou a atuar com a comunidade,
tudo mudou.” Para evitar transtornos, quem espera visitas comunica aos
vizinhos. “Passamos a avisar quando aguardamos alguém. Ficamos mais
entrosados”, assegura Jussara Zandonadi, 62, que mora no local há 33 anos.
Para o subsecretário de Gestão da Informação da
Secretaria de Segurança Pública do DF, Marcelo Durante, a união da comunidade
resulta em mais segurança para a população. Segundo ele, pesquisas realizadas
pelo órgão apontam que 52% dos moradores que mantêm relacionamento com vizinhos
se sentem mais seguros. A rede de contato, na visão do subsecretário, impede o
criminoso de agir. Quando existe coletividade e controle social do espaço, a
ordem se mantém.
“A confiança entre vizinhos e com pessoas que estão
próximas é fundamental, acaba sendo um dos fatores centrais para a garantia da
segurança”, ressalta Durante. “Se alguém se sentir vulnerável, sabe que pode
recorrer à outra quando está acontecendo alguma coisa.”
O ambiente propício para o criminoso, de acordo com
Durante, é onde não existe controle nem acompanhamento. “A circulação de
informação entre os moradores constrange o bandido. Na medida em que as pessoas
se organizam e se relacionam umas com as outras, elas passam a cuidar do
ambiente coletivo e zelam pela segurança de todos”, destaca.
Visão democrática
Para a subsecretária de segurança cidadã, Andréia
Macedo, promover o engajamento da comunidade é o principal desafio para o
policiamento comunitário. “Temos uma coordenação geral de policiamento
comunitário. Damos cursos. Formamos policiais. A PM tem uma sessão no comando
para o tema. É uma política pública de segurança”, explica. “Mas a gente
precisa garantir uma maior representatividade da população dentro das reuniões
dos conselhos comunitários de Segurança. Quanto mais pessoas participarem, mais
teremos uma visão democrática.”
A estratégia é conscientizar a população da
necessidade do envolvimento. “Trabalhamos para isso. Gostaríamos que (o
engajamento) fosse maior. As pessoas estão, normalmente, envolvidas nos seus
problemas diários. Uma reunião do Conseg é como uma reunião de condomínio. Não
é uma lógica diferente. É um desafio para termos uma representatividade
democrática”, acrescenta Andréia.
À frente da Federação dos Conselhos Comunitários de
Segurança do DF, Flávia Portela concorda que as organizações civis são
fundamentais para mobilizar a população. “Precisamos qualificar a fala da
sociedade civil, ou vamos continuar demandando polícia quando, muitas vezes, a
solução está em outro lugar”, afirma.
O policiamento comunitário, segundo Flávia, envolve
também outros órgãos do governo, como as secretarias, os departamentos de
Trânsito e de Estradas de Rodagem, a Agefis, as administrações regionais e a
Novacap. Por isso, alerta, “é de vital importância que se qualifiquem os
conselhos”.
Exemplo mineiro
Na capital mineira, o projeto
começou em 2005 e já existem mais de mil redes. A Polícia Militar apresenta a
proposta à comunidade, debate medidas de autoproteção e ensina comportamentos
de segurança para os moradores. Os conjuntos beneficiados ganham placas
avisando que a população está envolvida com a corporação, que a região é
monitorada e que os moradores informam à polícia sobre qualquer movimentação de
pessoas ou veículos que possa parecer estranha.
Palavra do especialista - Muito além da polícia
O policiamento comunitário é uma filosofia de gestão da segurança pública, baseada essencialmente na interação da comunidade com as instituições policiais. Essa interação apoia-se no fato de que a comunidade sabe quais são os seus problemas. Se há um canal, a relação entre comunidade e a polícia acontece naturalmente. Mas, essencialmente, é uma filosofia de gestão em que a comunidade e a polícia estão muito próximas.
Para isso, foram estabelecidos os conselhos de
segurança comunitária. Nós temos policiamento comunitário no DF. Nós não temos
uma tradição, como sociedade, de forte participação comunitária nas questões
públicas. A PM está mais pronta para o policiamento comunitário do que a
própria comunidade.
A gestão comunitária de segurança pública é muito
mais que a polícia. É urbanização, iluminação, assistência social. A Rodoviária
do Plano Piloto, por exemplo, é um lugar trágico, um exemplo típico em que se
vê a convergência de situações de segurança pública que transcendem a polícia.
São usuários de drogas, alcoólatras, crianças e outras questões sociais e
econômicas que são refletidas na população. São questões que afligem a
comunidade muito antes de a polícia chegar.
Temos líderes comunitários com a perspectiva ampla
da segurança pública e que utilizam a polícia consciente, pensando que o tema é
responsabilidade de todos e não deve ser imaginada meramente por questões
policiais. A segurança pública é muito importante para deixarmos só para a
polícia. Nossa polícia já tem essa consciência. A comunidade, eu acredito que
ainda não.
(George Felipe Dantas, consultor
em segurança pública)
(*) » Luiz Calcagno - Isa Stacciarini –
Fotos: Antonio Cunha/CB/D.A.Press - Ana Rayssa/CB/D.A.Press - Correio Braziliense