A legislação atual permite a emissão de 65 decibéis
durante o dia e 55 dB à noite: fiscalização e autuação sob responsabilidade do
Instituto Brasília Ambiental (Ibram)
Para saber mais - Ronda policial
*Por Otávio Augusto
Está prevista para 6 de março a retomada das discussões sobre os limites
dos ruídos emitidos no Distrito Federal. A polêmica passa pelo aumento dos
limites, que podem alcançar 70 decibéis, durante o dia, e 75dB à noite
As discussões sobre a modificação da Lei do
Silêncio voltarão à pauta da Câmara Legislativa nos próximos dias. O projeto,
apresentado pelo deputado distrital Ricardo Vale (PT), deve ser debatido na
Casa na próxima terça-feira, 6 de março. A data foi prometida pelo presidente
do Legislativo local, deputado Joe Valle (PDT), durante almoço com o
empresariado do Distrito Federal. O parlamentar confirmou a votação ao Correio.
O texto prevê o aumento dos limites das emissões sonoras, independentemente do
endereço do estabelecimento.
Hoje, são permitidos 65 decibéis (dB) durante o dia
e 55 dB à noite. Se a medida for aprovada, o limite passará para 70dB e 75 dB,
respectivamente. Além disso, a norma também prevê mudanças na vistoria e na
aplicação das penalidades. A alteração divide comerciantes, artistas,
especialistas e governo. Alguns cobram mais fiscalização e o endurecimento dos
limites tolerados. Outros esperam a atualização da legislação para que bares,
restaurantes e casas de shows tenham segurança jurídica para funcionar e não
serem punidos por ultrapassarem os volumes permitidos atualmente pelo Instituto
Brasília Ambiental (Ibram).
A polêmica reflete a aplicação de autos de infração
de poluição sonora. As queixas e as sanções saltaram 83% nos últimos quatro
anos. Em 2014, o Ibram fez 183 notificações. O número passou para 392 no ano
seguinte. Em 2016, o órgão registrou 433. E no ano passado, 334. As
irregularidades podem gerar multa, interdição e advertência aos
estabelecimentos. O Ibram preferiu não comentar a possível mudança na regra.
Na última sexta-feira, donos de bares e
restaurantes e representantes do setor cultural se reuniram com Ricardo Vale. A
mobilização tenta uma solução para que o impasse seja resolvido, e a lei,
alterada. Logo após o encontro, o grupo divulgou uma carta pedindo que os
limites de decibéis tolerados na capital federal sejam aumentados. “O debate
amadureceu bastante e a necessidade da mudança da lei foi sendo entendida como
imprescindível”, destaca trecho do texto assinado pelo Sindicato de Hotéis,
Restaurantes e Bares (Sindhobar), pela Federação do Comércio de Bens, Serviços
e Turismo (Fecomércio) e diversas outras entidades.
A tramitação
Relator da Comissão de Meio Ambiente na Câmara
Legislativa, o deputado Cristiano Araújo (PSD), alinhado com prefeitos de
quadras do Plano Piloto, manifestou-se contrário à tramitação do projeto de
lei. Contudo, venceu o tempo regimental de aprovação na comissão. Agora, a
votação segue direto para o plenário da Casa. O dilema da Lei do Silêncio se
arrasta há mais de três anos: Ricardo Vale apresentou o texto em 2015.
Atualmente, a maior parcela de bares e restaurantes
com apresentações musicais encerram as atividades às 22h. “Com a atual
legislação, até uma conversa mais alta ultrapassa os limites permitidos. Hoje,
os músicos não conseguem tocar nesses estabelecimentos. Isso prejudica artistas
e o comércio. O empresário está cada vez mais cerceado, e isso tem acabado com
a vida noturna da cidade”, defende o diretor executivo do restaurante Feitiço
Mineiro, Mauro Calichman.
Pesquisador em acústica ambiental da Universidade
Católica de Brasília, o professor Édson Benício acredita que aumentar limites
tolerados não é a solução, pois os índices atuais seguem padrões
internacionais. “Todos devem ceder um pouco. A sociedade precisa entender que
vivemos em um ambiente urbano e não se pode cobrar ruídos de fazendas, por
exemplo. Mas bares e restaurantes devem obedecer, adequarem-se a normas que não
prejudiquem a saúde das pessoas e não comprometam a ordem pública”, explica o
pesquisador.
Édson se refere aos limites recomendados pela
Organização Mundial da Saúde (OMS). Para a entidade, sons acima de 80dB podem
provocar úlcera, irritação, excitação maníaco-depressiva, desequilíbrios
psicológicos, estresse degenerativo, além de aumentar o risco de infarto,
derrame cerebral, infecções, osteoporose, hipertensão arterial e perdas
auditivas, entre outras enfermidades. Decibéis muito acima do tolerável ocupam
hoje o terceiro lugar no ranking de problemas ambientais que mais afetam as
populações.
Ricardo Vale defende, ancorado na vida noturna da
cidade e no funcionamento de bares e restaurantes, que a lei deve ser alterada.
“Sabemos que, como a lei está, não dá mais para ficar, pois ela prejudica a
cultura local, a economia da cidade e desemprega trabalhadores. Agora, é nos
mobilizarmos para a votação e começarmos a viver em uma cidade harmoniosa e
tolerante”, destaca.
Isolamento acústico
Desde julho de 2013, as regras para se construir
uma casa ou um apartamento ficaram mais rígidas em todo o Brasil. Segundo
a regra, que segue padrões da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT),
as construtoras devem adotar técnicas que melhorem problemas com ruídos. Pela
fachada, podem passar 39dB do barulho da rua, o que equivale a uma conversa em
voz baixa. Pelas paredes de um apartamento para outro, 45db. E 80dB de impactos
no piso de um andar.
Reunião entre representantes do setor e o distrital
Ricardo Vale: definição
Memória - Fechamento e polêmica
O fechamento do Balaio Café
(foto), em abril de 2015, reacendeu a polêmica sobre os limites de emissão de
ruídos que são permitidos no DF. À época, o descumprimento de um termo de
compromisso referente ao tratamento acústico determinou o fechamento do
estabelecimento na 201 Norte. O Instituto Brasília Ambiental (Ibram) propôs à
proprietária a reabertura do local sob a condição de que este não tivesse mais
som ao vivo ou mecânico. Os problemas começaram em junho de 2014, quando o bar
foi notificado pela terceira vez por emissão sonora acima dos limites legais. A
primeira ocorreu em fevereiro de 2013 sob a forma de advertência. O Ibram
recomendou tratamento acústico que permitisse o som no estabelecimento sem
transtorno à vizinhança. Em janeiro de 2014, em razão de nova denúncia,
confirmada por meio de medições de ruído, o instituto multou o bar em R$ 5 mil
e proibiu a música mecânica e ao vivo. Em maio, o Balaio Café foi denunciado pelo
mesmo motivo, e o Ibram constatou a reincidência. A multa, desta vez, subiu
para R$ 20 mil, e as atividades do comércio foram suspensas por completo. O
fechamento do bar fez com que o debate sobre a Lei do Silêncio ganhasse mais
força. Algumas manifestações na porta do estabelecimento marcaram o início das
conversas.
Para saber mais - Ronda policial
Entre as cidades que adotaram
medidas contra os ruídos urbanos, as capitais nordestinas mostraram maior
criatividade. Teresina), Salvador e Fortaleza têm a “Delegacia do Silêncio”. As
rondas ostensivas pelos bairros ocorrem segundo investigações feitas com
população a fim de verificar quais horários e locais com maior frequência de
poluição sonora. No Piauí, durante a Operação Poluição Zero, no ano passado,
pelo menos 37 carros foram apreendidos por exceder o volume do som. Além disso,
vários bares foram multados.
(*) Otávio Augusto – Fotos: Luis Nova/CB/D.A.Press
– Daniel Ferreira/CB/D.A.Press – Correio Braziliense