Há uma mobilização enorme de juízes e integrantes
do Ministério Público sobre a possível mudança de posição do STF das execuções
de penas a partir de condenação em segunda instância. Por que esse tema é tão
importante para o país?
O julgamento do Supremo Tribunal Federal com
repercussão geral trará um prejuízo enorme para a sociedade, um
verdadeiro retrocesso, pois não mais poderão ser presos os criminosos
condenados criminalmente em segunda instância, tais como homicidas,
pedófilos, latrocidas, corruptos e, se esperar o trânsito em julgado e julgamento
até o STF ou STJ para executar a pena, poderá até ocorrer a prescrição
e o processo será arquivado. O sentimento de impunidade aumentará. No STF
não se rediscutem provas, e os efeitos desses recursos não são suspensivos.
Sua dissertação no mestrado em Portugal trata desse
tema. O que seus estudos apontaram?
Com abrangência de que supor existir na presunção
de inocência, o STF poderá impossibilitar até o registro de uma ocorrência
policial por "transformar em culpado". A presunção de inocência não é
absoluta, mas um princípio relativo como dezenas de outros princípios já
existentes na Constituição e, assim, a presunção de inocência precisa ser
analisada, combinada e ponderada com os demais princípios, com outras garantias
constitucionais: vida, liberdade, propriedade, segurança da sociedade.
Também o princípio da presunção de inocência deve ser ponderado em harmonia com
os dispositivos constitucionais que se declinam às questões de justiça
repressiva. Se o direito constitucional e processual, ao perseguir determinados
fins, admite colidência entre os princípios, como por exemplo, a elasticidade
na própria dignidade humana — mãe, doente terminal que doa seu órgão vital para
salvar seu filho; o condenado à morte que renuncia a pleitear o indulto; o
militar, por razões humanitárias, dispõe-se a realizar missão fatal para salvar
a vida de milhares de pessoas —, não é menos admissível a restrição do
princípio da presunção de inocência, cuja aplicação absoluta inviabilizaria até
mesmo o princípio da investigação e da própria segurança pública.
O caráter relativo do princípio da presunção de
inocência remete ao campo da prova e à sua capacidade de afastar a permanência
da presunção. Há, assim, distinção entre a relativização da presunção de
inocência, sem prova, que é inconstitucional, e, com prova, constitucional, baseada
em dedução de fatos suportados ainda que por mínima atividade probatória.
Como é em outros países?
A prisão após a condenação criminal em segunda
instância é admitida nos EUA, França, Alemanha, Portugal (em alguns até mesmo
após a condenação criminal pelo juiz singular), e não há razões jurídicas para
não admiti-la no Brasil se realmente o STF estiver preocupado em combater a
violência , a corrupção e o crime organizado, diminuindo a impunidade que
assola o nosso país.
O resultado do julgamento do habeas corpus
preventivo do ex-presidente Lula vale como repercussão geral?
Essa é a preocupação principal dos 5.386 membros do
Ministério Público e do Judiciário que assinaram a nota técnica que foi
protocolada, na segunda-feira, no Supremo Tribunal Federal e também entregue no
gabinete dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal. A Constituição Federal
tem o princípio da igualdade, paridade, que significa dar tratamento igual aos
iguais e desigual os desiguais, e parece que relativizar esse princípio
para dar tratamento diferenciado a determinados condenados não é o anseio da sociedade.
Acha que os ministros do STF vão se sensibilizar
com essa mobilização?
O objetivo é justamente sensibilizar. Embora a
importância da imparcialidade nos julgados do STF, isso não impede que os
demais operadores jurídicos, em especial aqueles que atuam em primeira
instância, mostrem preocupação com o retrocesso que pode ocorrer. Importante,
por fim, destacar que as primeiras e segundas instâncias fazem análises das
provas e a terceira (STJ) e quarta (STF) apreciam as teses jurídicas
apresentadas, o que quer dizer que os fatos delituosos já foram devidamente
comprovados pela acusação com a condenação em segunda instância.
Ana Maria Campos – Coluna “Eixo Capital” – Correio
Braziliense – Foto: Agência Senado – Ilustração: Blog - Google
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