Quais os prejuízos da ação que
afastaram o Instituto do Câncer Infantil e Pediatria (Icipe) especializada
da administração do Hospital da Criança?
É um prejuízo imenso. O Hospital da
Criança (HC) é uma referência internacional. Tive a oportunidade de visitar o
hospital da criança mais de uma vez, acompanhado do diretor-geral da
Organização Mundial da Saúde, o dr. Tedros Adhanom. Ouvi ele dizer que levaria
o modelo do Hospital da Criança para todo o mundo.O Hospital da Criança é um
hospital 100% público, totalmente gratuito, que fez mais de 3 milhões de
atendimentos, com aprovação de mais de 98% da população. É um projeto
extremamente vitorioso, que tem sido vítima de uma perseguição política. No
início do nosso governo, quando queríamos modernizar o modelo de saúde,
defendemos a implantação de organizações sociais na gestão do sistema
público de saúde e, naquele momento, a única organização social que
administrava um hospital público era o Icipe. Em função disso, ele passou a
sofrer uma perseguição tremenda, especialmente de uma promotora que tem uma
postura ideológica contrária a organizações sociais e que, para tentar impedir
a implementação de organizações sociais, passou a promover uma campanha
terrível contra o Hospital da Criança e contra os seus dirigentes. Mas tenho
muita confiança que a Justiça vai reverter isso. Temos, na rede público do DF,
um deficit enorme de pediatras. Contratamos recentemente pediatras e, muitos
deles, após um mês de trabalho, foram embora. Seria uma tragédia para a
população de Brasília e para os brasileiros que são atendidos pelo SUS no
Hospital da Criança, se ele tivesse que abrir mão desse modelo de gestão e
fechar.
O que seria a guerra ideológica que o
senhor citou? Não é uma guerra partidária, certo?
É uma visão antiga. É absolutamente
impossível gerir adequadamente o SUS com os modelos de contratação que você
tem. Adotamos agora o Serviço Social Autônomo no Hospital de Base, uma
experiência inovadora. Como não conseguimos aprovar as organizações sociais,
evoluímos para esse modelo, que vai ser referência para o Brasil. O Instituto
Hospital de Base do DF (IHBDF) comprou, em janeiro, 180 medicamentos de combate
ao câncer, em um período de 20 dias, com economia de 10%. Ou seja, o interesse
público está aí colocado, a saúde não pode esperar. É um modelo moderno que
beneficia a população.
Se o Icipe não puder administrar o
Hospital da Criança, como ele ficará?
O HC tem servidores da Secretaria de
Saúde e outro conjunto de servidores contratados pelo Icipe. Qualquer outro
modelo em substituição ao Icipe traria um enorme prejuízo ao atendimento.
Portanto, vamos trabalhar até o último minuto, com todas as nossas forças, para
garantir que a gestão do HC continue sendo feita da maneira atual pelo Icipe.
Se for necessário fazer algum ajuste, fazer um novo chamamento, faremos, mas é
muito importante a continuidade do modelo. Estamos próximos de inaugurar mais
alguns blocos que nós chamamos de Bloco 2, mas são quatro blocos com 202 novos
leitos, sendo 38 de UTI pediátrica, que vão atender toda a demanda de alta e
demédia complexidade de pediatria no DF.
Esse modelo garante uma fiscalização
segura dos gastos?
Tanto o HC como o IHBDF têm um controle
interno do governo, por meio da Controladoria-Geral, e o controle externo,
feito pelo Tribunal de Contas do DF e pelo Ministério Público do DF. É
importante registrar que o HC, nesta ação de improbidade administrativa, movida
pela promotora Marisa Isar, não acusa os gestores por desvio de recursos, por
corrupção, por inidoneidade. Ela questiona a forma de contratação, de que não
houve chamamento público. Isso já foi analisado pelo TCDF, que entendeu que a
forma de contratação foi legal, aprovou a conta dos primeiros anos do
funcionamento e tem parecer técnico favorável às prestações de contas dos anos
seguintes.
O senhor vai participar
da manifestação em favor do HC, na quarta-feira?
Vou fazer o que estiver ao meu alcance
para defender o HC, porque é um projeto em que acredito. Confio nos gestores do
HC, fico emocionado todas as vezes que visito aquele hospital, com a dedicação
dos servidores. Dá gosto de ver o compromisso dos servidores daquele hospital,
a defesa que eles fazem do hospital, sejam eles servidores públicos do GDF,
sejam eles servidores contratados pelo Icipe. Sempre digo, quer conhecer o HC,
vá lá sem marcar, de surpresa. Digo isso aos promotores, aos juízes e todos
aqueles que couberem julgar alguma coisa em relação ao HC. Vá lá sem se
apresentar e entreviste uma mãe, uma criança, os servidores, para ter noção da
qualidade do serviço.
É o modelo de gestão que define a
qualidade desse hospital?
É o modelo de gestão e a qualidade dos
dirigentes. O HC surgiu a partir de pais e mães, de pessoas que tiveram câncer
e que se uniram através da Abrace e construíram o hospital. Ele foi construído
pela sociedade civil e doado para o GDF. Na ocasião, o GDF não tinha condições
de administrar e pediu para eles criarem um modelo para gerir e, então, foi
criado o Icipe, por meio da Abrace.
OAB também defende o
Hospital da Criança
Ordem dos Advogados do Brasil engrossa
o coro a favor da manutenção do modelo da gestão da unidade de saúde, enquanto
o GDF diz que fará de tudo para mudar a decisão judicial. Pais de pacientes
temem a interrupção dos tratamentos
Morador de Goiás, Antônio conseguiu o atendimento
gratuito para o filho Enzo na unidade brasiliense
O Governo do Distrito Federal ganhou
mais um aliado na luta para manter o Hospital da Criança de Brasília (HCB) sob
administração privada. A seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF)
anunciou ontem que vai defender a unidade de saúde no processo contra o
Instituto do Câncer Infantil e Pediatria Especializada (Icipe), a entidade
responsável pela gestão do hospital desde a criação dele, em 2011. Amanhã,
funcionários, pais de pacientes e muitos outros defensores do HCB vão fazer uma
manifestação em defesa da instituição.
Presidente da OAB/DF, Juliano Costa
Couto manifestou preocupação com as crianças atendidas pelo HCB, “O fechamento
do hospital não é uma opção admissível. Se existem problemas, devem ser
resolvidos, não fechando o hospital”, ressaltou. Ele anunciou que vai entrar
com pedido de amicus curiae — manifestação especializada de um órgão com
representatividade adequada com o intuito de dar mais argumentos à decisão
judicial — na ação em andamento. Disse ainda que a OAB-DF apoia a ação
simbólica organizada por apoiadores da atual gestão do hospital. A organização
divulgou o convite para o abraço coletivo na sede da instituição, às 9h30 de
amanhã, como forma de protesto.
Prometendo recorrer da decisão
proferida pela 7ª Vara da Fazenda Pública, o governador Rodrigo Rollemberg
(PSB) fez duras críticas ao que chama de “perseguição” contra o modelo de
gestão da unidade de saúde. “O Hospital da Criança é uma referência
internacional (...) É um projeto extremamente vitorioso, que tem sido vítima de
uma perseguição política”, afirmou o chefe do Executivo, em entrevista ao
programa CB.Poder, da TV Brasília e do Correio Braziliense ontem (leia abaixo).
Ação do MP
Uma das denúncias sobre a gestão do
Icipe está relacionada a improbidade administrativa, ajuizada em 2015 pelo
Ministério Público (MPDFT). O órgão alegou que a verba destinada ao contrato de
gestão do HCB teria aumentado 41% em três anos, de forma injustificada, e que a
prestação de contas da unidade de saúde foi julgada irregular pelo Tribunal de
Contas do DF.
Autora da ação, a promotora de Defesa
da Saúde Marisa Isar divulgou ontem uma nota sobre a ação judicial. “As
irregularidades que pairam sobre os contratos vêm desde a origem, como falta de
publicidade, falta de realização de audiência pública, irregular qualificação
da organização social, irregular dispensa de licitação, inexistência de
suficiente dotação orçamentária e inexistência de planilha detalhada de
custos”, informou o texto.
Mas tanto o GDF quanto os gestores do
hospital e a OAB-DF reforçam não haver caso de corrupção. Para o secretário de
Saúde, Humberto Fonseca, há uma tentativa por parte de promotores do MPDFT de
“impor a própria convicção mesmo não havendo qualquer ilegalidade”. “Uma
decisão desse tipo não pode ser tomada de qualquer forma. Precisamos defender o
hospital. É um sistema que funciona muito bem. O fechamento do HCB seria uma
catástrofe”, destacou.
“Retrocesso”
De acordo com a médica oncologista e
hematologista do HCB Ísis Magalhães, fechar as portas da unidade de saúde seria
um passo para trás. “Esse hospital complementou a rede com um atendimento
médico de alta complexidade. Recebemos pacientes portadores de doenças raras e
complexas, que os profissionais não aprendem a tratar de uma hora para outra. O
desmonte dessa estrutura que levou anos para ser arrumada é um retrocesso de ao
menos 20 anos para o atendimento da saúde pública”, ressaltou.
Graças ao atendimento do HCB, o filho
do engenheiro civil Elisandro Lacerda, 29 anos, superou um neuroblastoma. “Ele
ficou 25 dias em coma e os médicos conseguiram fazer com que a doença
regredisse a um ponto possível de fazer uma cirurgia. Sem esse hospital, ele
não estaria aqui”, comentou.
Aos 4 anos, Henry Lacerda está curado.
O menino retirou um tumor e precisou de um transplante análogo de medula óssea.
Durante a recuperação, fez 19 sessões de quimioterapia, todas no HCB,
gratuitas. “A medicação nunca faltou. O atendimento sempre foi o melhor
possível. Espero que esse hospital continue salvando a vida de mais crianças”,
frisou o pai, que não vê sentido em um possível fechamento do HCB. “A única
coisa que está funcionando aqui em Brasília, relacionada à saúde, é o Hospital
da Criança. A gestão é muito boa. Sentimos que os funcionários não estão aqui
por obrigação. Eles trabalham com alegria. Isso faz a maior diferença”,
destacou.
Suse: "Onde vamos conseguir um lugar tão bom para essas
crianças?"
Temor
Pai de Enzo Macedo, 9 anos, o
comerciante Antônio Fernandes, 58, teme pelo futuro do filho, que recebe
atendimento gratuito no HCB. “Se fechar, vai ser uma perda muito grave”,
afirmou. Desde os seis meses, Enzo tem baixa produção de sangue. O menino ficou
com uma anemia profunda depois de uma vacina. Os médicos ainda não conseguiram
diagnosticar a enfermidade.
A família mora em Alto Paraíso de
Goiás. Caso o hospital pare de funcionar, os pais não sabem onde procurar
socorro. “Como não existe um laudo conclusivo da doença, é muito difícil
conseguir acompanhamento em outra unidade. Sem contar que não temos nenhum
apoio do estado (de Goiás). Preciso custear a gasolina e alguns medicamentos”,
contou o comerciante.
Portador de diabetes desde os 3 anos,
Arythierres Barbosa, 11, se trata no HCB desde 2013. O menino respondeu que
“ficaria mal” caso não pudesse mais ir à unidade de saúde. “Sentiria muita
falta dos médicos. Eles sempre querem saber como estou. O hospital tem um
significado muito grande para mim”, destacou.
O mesmo pensa a professora Suse
Oliveira, 43, mãe de paciente. “O atendimento daqui sempre foi bom. Nós nos
sentimos bem por conta disso. É um lugar colorido, iluminado e limpo. Os
pacientes podem se divertir e nem lembram que estão em uma unidade de saúde.
Esse é o melhor hospital de Brasília. Onde vamos conseguir um lugar tão bom
para essas crianças?”
Por Augusto Fernandes -– Fotos: Arthur
Menescal/CB/D.A.Press – Minervino Junior/CB/D.A.Press - Correio Braziliense