Mais realista que o rei
*Por Circe Cunha
No que pesem as ações sempre firmes da 2ª Promotoria de Justiça de Defesa
de Saúde do Distrito Federal (Prosus), do juiz titular da 7ª Vara da Fazenda
Pública e dos desembargadores do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos
Territórios (TJDFT), na defesa do patrimônio e das instituições públicas, o
caso envolvendo o Hospital da Criança de Brasília, por suas múltiplas
implicações e consequências, se mostra, a cada lance, como exemplo típico de
situações em que algumas autoridades se mostram mais realistas que o rei.
Mesmo para a Justiça, querer avanços para além da fronteira da
realidade, calcada apenas nas filigranas da lei, é, para dizer o mínimo, uma
temeridade. A decisão proibindo o Instituto do Câncer Infantil e Pediatria
Especializada (Icipe) de participar de contratos com o poder público por um
período de três anos faz lembrar episódio semelhante ocorrido com o Hospital
Regional de Santa Maria (HRSM), em que o Ministério Público do DF, mesmo tendo
de reconhecer a excelência da gestão empreendida pela Real Sociedade Espanhola,
desqualificou a organização social e a impediu de celebrar futuros contratos.
O que chegou a ser um hospital com nível de atendimento reconhecido por
todos, inclusive por especialistas internacionais, é hoje mais um hospital a
retratar o quadro de miséria exibido pelo terceiro mundo. A questão sensível,
que fica nesse e em outros casos, é como esses fiscais tão zelosos da lei, em
momento nenhum enxergaram irregularidades em obras gigantescas e inúteis como o
Estadio Mané Garrincha, o Centro Administrativo — Buritinga, a reforma do
Centro de Convenções e outras inúmeras obras onerosas e suspeitas. Preferem
mudar o que está certo e beneficia a populaçao.
Se o próprio GDF admite, na figura do governador e do secretário de
Saúde, que o governo não tem interesse e menos capacidade semelhante para gerir
o HCB, chegando mesmo a se referir à atuação da Justiça como perseguição
motivada por razões ideológicas. “Não podemos perder um modelo de gestão
vitorioso, capaz de prestar um excelente serviço ao DF, principalmente em um
momento em que estamos prestes a inaugurar um novo bloco, com 202 leitos”,
afirmou Rollemberg, ao destacar a intenção de recorrer à Justiça para manter o
Icipe à frente da administração do Hospital do Câncer de Brasília.
A bem da verdade, se a Associação Brasileira de Assistência às Famílias
de Crianças Portadoras de Câncer e Homeopatias (Abrace) pudesse antever o
tamanho do problema que enfrentaria quando aceitou construir a sede do HCB em
terreno público doado pelo GDF, com certeza teria ficado bem longe dessa
parceria. Bom que fique registrado que o Hospital Sírio-Libanês recusou
qualquer benesse do governo exatamente para não ficar preso a esse tipo de
politicagem.
Agora caberá aos órgãos de Justiça, que deram início ao imbróglio,
encontrar, o quanto antes, uma solução adequada e definitiva para o caso,
evitando, assim, a descontinuidade dos bons serviços prestados pelo HCB, o que
seria, infinitamente, mais danoso para a comunidade do que qualquer possível
reparação que venha ser acertada.
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A frase que não foi pronunciada
A frase que não foi pronunciada
“Atende-se o povo,
vamos destruir!”
(Som inaudível
das decisões tomadas no DF)
(*) Circe Cunha – Coluna “Visto, lido e ouvido” – Ari Cunha – Correio
Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google