O lado silencioso da Lei do Silêncio
*Por Circe Cunha
Por trás da Lei do Silêncio, que querem de qualquer forma impingir à
comunidade como salvação para estabelecimentos noturnos decadentes, se estende
todo um aparato falsamente modernizante que visa fazer do Plano Piloto e de
parte da capital uma gigantesca área de recreação onde o barulho e a desordem
generalizados vão pouco a pouco minar o sossego e a tranquilidade que ainda
resta para os brasilienses ao cair da noite.
A começar pelo próprio nome dado a uma lei que pretende não o silêncio,
mas a sua abolição pelo aumento crescente dos decibéis. Também não corresponde
à verdade a afirmação de que a reclamação dos moradores tem feito cair o
movimento nas casas onde há a apresentação de música ao vivo. A falta de
clientes em todos os estabelecimentos de comércio decorre da crise econômica
experimentada pelos brasileiros desde 2013 e não tem relação nenhuma com a
atividade musical.
A setorização de atividades para a capital, conforme proposta pelo seu
idealizador, Lucio Costa, foi a melhor e mais racional medida que poderia ser
adotada para uma cidade planejada e ainda hoje cumpre, com eficácia, seu papel.
A alteração do volume (decibéis) atende única e exclusivamente uma minoria que
busca lucrar negociando a tranquilidade dos brasilienses, já ameaçados quando a
noite chega pela carência de policiamento, pela iluminação precária, pelas
badernas nas adjacências dos bares onde o consumo de bebidas e drogas,
inclusive por menores, é feito sem restrição.
Não bastasse essa anomalia, os moradores da cidade ainda vão sendo
obrigados a conviver com o advento dos food trucks que, invadindo áreas de
estacionamento e áreas verdes, promovem suas festas populares ao arrepio da
lei, sem vistoria sobre o barulho produzido nem sobre a qualidade de comida que
oferecem nos cardápios.
O fato é que a qualidade de vida dos moradores do Plano Piloto vem
decaindo a cada ano pelo avanço progressivo de uma modernidade totalmente
alheia ao respeito pelo silêncio, pela paz e pelos direitos de quem quer ficar
em casa para descansar. São imposições dadas certamente por pessoas que não são
ligadas à cidade. Em pouco tempo saem daqui deixando o rastro de destruição.
Isso é intolerável.
Deixar essa e outras “inovações” nas mãos de políticos cujo o único
interesse é angariar apoio e voto não parece boa ideia. Nesse caso, o melhor
seria uma consulta diretamente com os moradores das áreas afetadas pelas
algazarras para que possam escolher livremente o que desejam para sua quadra e
para sua família. Uma Lei do Silêncio para valer deveria propor a quietação e a
serenidade de toda a cidade como recompensa aos milhões de candangos que deram
duro durante todo o dia.
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A frase que foi pronunciada
“Se algum deputado distrital tivesse uma fábrica de isolamento acústico,
a Lei do Silêncio seria para ser Lei do Silêncio.”
(Comentário de Sérgio Silva, da 408 Norte)
(*) Circe Cunha – Coluna “Visto, lido e ouvido” – Ari Cunha – Correio
Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google