Bazar com objetos de Renato Russo gerou polêmica entre a família
*Por Matheus Dantas
Filho do ex-líder do Legião Urbana, Giuliano
Manfredini decidiu doar cerca de 200 objetos que pertenceram ao ídolo do rock
brasileiro dos anos 1980 para o Retiro dos Artistas. A instituição carioca fará
um bazar para arrecadar fundos com o material recebido. A decisão de Giuliano,
no entanto, causou polêmica e desagradou à família do cantor, que manifestou
indignação por meio de uma carta aberta escrita por Carmem Manfredini, irmã de
Renato.
Ao Correio, Carmem explicou as razões para o
descontentamento. “Esses objetos fazem parte da memória do irmão e deveriam ser
preservados e expostos para fãs”, afirma. Entre os itens doados estão roupas
usadas em shows, CDs, LPs, presentes autografados que Renato Russo ganhou de
personalidades, livros, um pandeiro e até móveis, que estavam guardados há 22
anos no apartamento do cantor em Ipanema, na Zona Sul do Rio de Janeiro, onde
morou até os últimos dias de vida.
Carmem defende que o material deveria ficar
disponível para acesso de fãs e pesquisadores. Na visão dela, o bazar impedirá
esse tipo de contato. “Quando ficamos sabendo do bazar, sentimos uma dor e uma
indignação tão grande. Pois o que será vendido ali são objetos da história de
vida do Renato, eles são patrimônios artísticos culturais, são itens que todos
os fãs gostariam de conhecer e de tirar fotos. Se de fato isso acontecer,
nenhuma pessoa poderá ter esse acesso”, avalia.
Ela garante que não haverá por parte da família
brigas judiciais para impedir a realização do evento, mas pede sensibilidade ao
sobrinho. “Entendemos que Giuliano é o herdeiro universal do Renato, e que tudo
está sob responsabilidade dele, e nós de forma alguma vamos entrar com qualquer
processo sobre esse caso”, afirma. “Mas todos esses objetos vão se perder, e
nunca mais poderemos reuni-los novamente para podermos contemplar e exibir para
os fãs”, completa.
Contraponto
Para diretora do Retiro dos Artistas, Cida Cabral,
os objetos doados não interferem nem prejudicam o legado artístico e
intelectual que Renato deixou, pois, segundo ela, os itens são apenas
utensílios do dia a dia do cantor. “Eu entendo a preocupação delas,
referente a tudo que venha envolver o legado deixado por ele, porém esses
objetos doados por Giuliano são itens que eram do dia a dia de Renato, como um
shortinho que ele usava em casa, camisas, duas poltronas e outros utensílios
simples”, destaca.
Procurado pelo Correio, por meio da assessoria de
imprensa, Giuliano não se manifestou até o fechamento desta edição.
Duas perguntas/Carmem Manfredini
Algum motivo levou o Giulianoa se afastar e a tomar
essas decisões sozinho?
Não sabemos o porquê do afastamento de Giuliano,
ele sempre foi um menino muito querido para nós e, do nada, ele se afastou de
todos. Não houve briga, desentendimento nem nada do tipo para ele ter tido
atitudes como essas.
O Retiro dos Artistas entrou em contato com vocês?
Houve alguma conversa?
Eu e minha mãe gostaríamos de deixar bem claro que
nós não somos contra qualquer atitude generosa e de apoio às instituições que
necessitam de ajuda dos outros para poder desenvolver seus projetos. Só
entendemos que esses objetos do Renato são coisas muito valiosas para que se
percam e não fiquem expostas para todos que querem conhecer um pouco mais da
história e do legado que meu irmão deixou, não podemos deixar que esse
patrimônio se perca.
(*) Matheus
Dantas - (*Estagiário sob a supervisão do
subeditor Severino Francisco) Fotos: Mila Pertrillo/CB/D.A.Press – Correio
Braziliense
Desmemória
de Renato Russo
*Por
Severino Francisco
A notícia provocou um sentimento de dor e abalou
mais do que o tremor provocado pelo terremoto: Giuliano Manfredini, filho do
cantor Renato Russo, doou o acervo de objetos do pai para que sejam leiloados
em benefício da Casa dos Artistas, do Rio de Janeiro. Em princípio, é louvável
a intenção generosa de ajudar a Casa dos Artistas, no Rio de Janeiro,
instituição que acolhe artistas desassistidos.
Mas, como bem lembrou Carmem Manfredini, a irmã de
Renato Russo, isso pode ser feito de outras maneiras. É possível, por exemplo,
mobilizar a classe dos músicos para um grande show beneficente. No entanto,
leiloar os objetos do compositor esvazia o caráter público.
Giuliano Manfredini, o filho de Renato Russo, está
dificultando o cultivo da memória e do legado do pai. Não permite que os
antigos parceiros de Renato, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, usem o nome
Legião Urbana. Cria múltiplos empecilhos.
Renato é um personagem contemporâneo de uma geração
que está na faixa dos 50 ou 60 anos. Em Brasília, muita gente esteve, de
maneira direta ou indireta, perto dele. Mas essa memória se esvai com o fluir
do tempo.
No mundo desmaterializado e pulverizado da era
virtual, é importante que existam objetos para cultivar o legado do artista e
despertar nas novas gerações o interesse por sua obra. Sem essas referências
concretas e sem o acesso ao repertório da Legião, Renato Russo corre o risco de
se esfumar na história, embora tenha composto canções eternas.
O lugar mais adequado para a abrigar o material
seria precisamente o Espaço Cultural Renato Russo, na 508 Sul. Lá, assisti a
Renato voar com ajuda de uma corda e pousar em um palco suspenso para cantar
Geração Coca-Cola, nos tempos do Aborto Elétrico, durante a peça O último
Rango, de Jota Pingo. Ele frequentava aquele território.
É preciso reconhecer que a degradação física dos
espaços culturais contribui para a destruição da memória da cidade. Se o acervo
de Renato fosse doado a Brasília, ele ficaria em que lugar neste momento? Com
certeza, se estivesse no Espaço da 508 Sul, o memorial de Renato Russo seria
uma atração que qualquer turista gostaria de ver.
Renato sempre deixou claro que a Legião Urbana era
uma banda de Brasília. O essencial do repertório foi construído na interação
com a cidade. Parte do acervo já havia sido doada ao MIS de São Paulo. É
preciso chegar a um acordo para que seja revertida a decisão de leiloar os
objetos restantes de Renato Russo e eles retornem a Brasília, pois aqui é o seu
lugar. Ninguém ama mais Renato Russo do que Brasília. Uma cidade tão nova não
pode perder as suas referências essenciais.
(*) Severino Francisco – Jornalista, colunista do
Correio Braziliense