“Estamos sendo atacados na nossa autonomia”
O deficit de R$ 92,3 milhões, uma dívida com a Justiça do Trabalho de R$
2 bilhões e mais um corte milionário no orçamento para investimentos estão
entre os problemas enfrentados pela Universidade de Brasília este ano
*Por Mariana Niederauer
A última semana da reitora da Universidade de Brasília (UnB), Márcia
Abrahão, começou com protesto de estudantes, servidores técnico-administrativos
e terceirizados em frente ao prédio da Reitoria. Na terça-feira passada, ela
foi ao Ministério da Educação (MEC) pedir a liberação de mais recursos para
sanar o deficit de R$ 92,3 milhões, sem sucesso. Na quinta, explicou a situação
orçamentária em reunião com a comunidade acadêmica, sob protestos do público,
indignado com a possibilidade de cortes nos contratos de terceirização e de
aumento no valor da refeição do Restaurante Universitário.
Eleita em primeiro turno, em 2016, ela afirma ter sido surpreendida não
só pela situação das contas da universidade e pelos sucessivos cortes, mas,
principalmente, pela aprovação, no fim daquele ano, da Proposta de Emenda à
Constituição que estabelece um teto para os gastos públicos pelos próximos 20
anos.
Segundo a reitora, as contas não fecham, e a universidade pode ficar sem
dinheiro para pagá-las em maio, conforme anunciado na semana passada. Mesmo com
um aumento de receita estimado em R$ 50 milhões, a redução das despesas precisa
ser próxima de R$ 40 milhões. Uma dívida com a Justiça do Trabalho de mais de
R$ 2 bilhões e a perspectiva de corte de R$ 14 milhões nos investimentos — em
razão de anulação de dotações orçamentárias definidas pelo governo federal na
Lei nº 13.633, de 12 de março de 2018 — agravam o quadro.
Em entrevista ao Correio, Márcia Abrahão fala sobre a crise, a
necessidade de ter o apoio da comunidade acadêmica na busca por soluções e
acusa o MEC de atacar a autonomia da universidade com a restrição orçamentária.
“Eu não estou discutindo o que eles mandam para mim, mas o que mandam para a
universidade tem sofrido cortes abruptos”, diz. Confira os principais trechos a
seguir.
Foi uma surpresa ter chegado à Reitoria com deficit desse tamanho?
O mais importante foi o que veio depois: a aprovação da PEC do Teto
Orçamentário, em dezembro de 2016. Essa emenda constitucional congelou por 20
anos os gastos chamados discricionários, e isso impacta principalmente na saúde
e na educação. Agora, o bolo tem que ser dividido com todo mundo.
Vê o risco de a UnB chegar à situação de outras federais e não conseguir
fechar o semestre?
Estamos trabalhando e conscientizando a comunidade para manter a
universidade funcionando. E essa é uma forma de resistência também, porque a
quem interessa que a nossa universidade não funcione? Não é à nossa comunidade,
não é a mim.
As principais propostas que estão sendo colocadas e muito criticadas são
o corte de contratos de terceirização e o aumento do valor da refeição do
Restaurante Universitário. Como isso afeta a sua gestão?
Isso afeta o funcionamento da universidade. Antes de ser eleita, eu fui
a decana responsável pela expansão da UnB, com o Reuni (Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais). Nós tínhamos muitos recursos. Essa
universidade tem, hoje, vários cursos criados naquela época com nota máxima,
todos os câmpus já têm pelo menos mestrado, só no Gama não há doutorado. Então
a comunidade votou também numa gestora que sabe gerir recursos, e uma gestora dessa
precisa saber gerir na escassez. A principal proposta não é redução de custos,
isso é o que afeta mais, porque é duro, é dramático. A principal proposta para
2018 é aumento de receita.
Há uma estimativa de quanto precisaria ser o corte de terceirizados?
Quando falamos em contratos, nem sempre são terceirizados. Estamos
trabalhando, por exemplo, para diminuir a conta de luz. Precisamos reduzir os
contratos em cerca de 16%. Aproveito para fazer um apelo às empresas, que façam
como fizemos no RU: repactuamos o contrato e conseguimos uma redução de 15% sem
nenhuma demissão.
Esperam uma proposta alternativa para reduzir esses gastos?
Nós estamos abertos a alternativas desde o ano passado. Montamos uma
comissão, que analisou a situação, e isso foi discutido no CAD (Conselho de
Administração). Mas os dados são claros. Na terça-feira, fui ao MEC, mais uma
vez, pedir recursos, lembrá-los do corte de R$ 80 milhões de 2016 para 2017, e
a resposta é: “Nós não podemos fazer nada.”
O MEC tem usado o argumento de que a universidade tem autonomia para
gerir os recursos...
Autonomia para gerir os baixos recursos. Eles falam uma coisa, mas vocês
certamente entendem outra. Não estou discutindo o que mandam para mim, mas o
que mandam para a universidade tem sofrido cortes abruptos. A quem interessa
que a universidade tenha cortes abruptos?
O que de mais importante sua gestão fez até o momento?
De 2017 para 2018, aumentamos em 20% o orçamento de faculdades e
institutos. Também com toda essa dificuldade estamos fazendo um esforço na área
de pesquisa e inovação, criei um decanato. A UnB, em dois anos, saiu de 18ª
para 8ª universidade mais empreendedora do país; retomei obras que estavam
paradas, como dois blocos de ensino de graduação (nas faculdades de Saúde e de
Tecnologia), iniciadas quando eu estava no Decanato de Graduação. Temos feito
várias ações na manutenção dos câmpus. No Darcy Ribeiro, as árvores estão
podadas, por conta da segurança, e instalamos corredores de iluminação.
Organizamos ainda o pagamento de pessoas físicas. A UnB tem uma dívida com a
Justiça do Trabalho de mais de R$ 2 bilhões por pagamentos irregulares de
pessoa física. Estamos sanando isso.
O que são esses pagamentos irregulares?
Eu não posso contratar, por exemplo, uma pessoa física para um cargo em
que é obrigatório o ingresso por concurso público. Às vezes, a universidade
fazia isso. Já há alguns anos o Ministério Público do Trabalho vinha
questionando a UnB, chegou a um ponto que judicializou (a questão), antes da
minha posse, e assumi com essa situação.
Existe temor de greve de servidores e de terceirizados por conta dos
cortes?
Estamos conduzindo uma universidade que tem sido atacada violentamente,
e esses movimentos grevistas são legítimos, eu os respeito, eles são uma forma
de defesa da universidade. Assim como eu estou defendendo a universidade na
forma que me cabe, institucionalmente — vou ao MEC, vou ao Congresso, estou
aqui dando entrevista — as entidades têm a forma delas de defesa da UnB, tanto
sindicatos quanto o DCE (Diretório Central dos Estudantes). Não é uma questão
de temor, é a forma como eles pretendem agir. O que nós queremos é
conscientizá-los, cada vez mais, da origem do problema, e que eles nos ajudem a
buscar as soluções.
O Departamento de Ciência Política oferece, neste semestre, disciplina
sobre o “golpe de 2016”, que, após muitas críticas, recebeu apoio de outras
instituições no país. Isso mostra a vocação da universidade de trazer debates
que incomodam?
A UnB foi criada para ser protagonista e para incomodar. O que houve com
essa disciplina foi mais um ataque à nossa instituição, à universidade em
geral, por isso essa reação tão forte no país e no exterior. Nós, acadêmicos do
mundo, vimos que estavam sendo desrespeitados princípios fundamentais: a
autonomia e a liberdade de cátedra. Nós demos todo o apoio para o professor
Luis Felipe Miguel fazer a disciplina e a blindamos para ela poder acontecer. E
aqui existe liberdade inclusive para cursá-la ou não, é optativa, faz quem
quer. Assim como somos atacados no nosso financiamento, estamos sendo atacados
na nossa autonomia. Outro ataque à nossa autonomia é que, pela primeira vez,
este ano, uma parte do nosso recurso para investimento está preso no MEC e o ministério
utiliza como quer.
Há perspectiva de quanto será cortado da UnB?
De investimentos, caiu de R$ 56 milhões em 2016 para R$ 24 milhões em
2017 e R$ 8 milhões, em 2018, isso com recurso do Tesouro, que é recurso do
governo. Como é que você avança nos rankings internacionais com isso?
“Quando falamos em contratos, nem sempre são terceirizados. Estamos
trabalhando, por exemplo, para diminuir a conta de luz. Precisamos reduzir os
contratos em cerca de 16%”
“Pela primeira vez, este ano, uma parte do nosso recurso para
investimento está preso no MEC e o ministério utiliza como quer”
(*) Mariana Niederauer – Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press – Correio
Braziliense