A importância do diálogo - Além de combater o
crescimento da polarização, a Universidade de Brasília precisa buscar caminhos
para a sobrevivência. Estudantes e professores apostam no debate qualificado de
ideias a fim de ocupar o espaço de discursos de intolerância
*Por Luiz Calcagno - Pedro Grigori - Colaborou Ana Viriato
Os estudantes Rafael Carneiro, Naomi Luna e Lilianne Oliveira: impasse
que não favorece a ninguém, por isso, a necessidade de conversa
O cenário de polarização política não é visto com
bons olhos pelos estudantes da Universidade de Brasília (UnB) ouvidos na
reportagem do Correio. Eles acreditam que a falta de diálogo traz prejuízos
para a instituição. Rafael Carneiro, 21 anos, por exemplo, cursa serviço social
e afirma que nenhum movimento, seja de direita, seja de esquerda, consegue, no
momento, articular uma resposta à crise orçamentária. “A esquerda propôs uma
greve que não foi aceita por todos. E não há interesse em convencer quem não
está com eles e acha que paralisação não é algo necessário. Aí fica uma coisa
imposta. Quem quer assistir a aula, tem esse direito. Do outro lado, temos a
direita, que não participa da greve, mas não mostra interesse em trazer outras
soluções para o problema”, afirma.
Ana Luiza Sousa, 19, está no 3º semestre de
biotecnologia e não escolheu um lado na disputa ideológica. Para ela, são os
estudantes que acabam prejudicados por decisões intempestivas. Com família em
São Paulo, teme pela distância prolongada com a greve. “Quando falam em greve,
penso que ficarei mais tempo longe dos meus pais. Nas férias, quando poderia
voltar para casa, ficarei aqui, repondo aula. E é muito injusto, porque os
movimentos chamam de fascistas e egoístas quem é contra a greve. Mas,
diferentemente dos discursos prontos, eu não sou burguesa, minha família rala
muito para bancar meus estudos em Brasília”, explica.
Para Naomi Luna, 18, os alunos podem ajudar a
resolver as crises políticas e orçamentárias da universidade. “Quando entrei na
UnB, não entendia nada sobre política, mas estar inserida neste ambiente me fez
perceber a importância de participar do debate. Não devemos esperar que a
Reitoria resolva nossos problemas. É um caso que quem puder e souber o que
fazer, deve ajudar. Seremos os maiores prejudicados se a situação piorar. Seja
direita ou esquerda, todos vamos ficar sem aula se a universidade fechar as
portas no meio do ano”, opina a estudante de letras.
Mobilização - O Diretório Central dos Estudantes (DCE) está em
período de eleições. O Correio conversou com o coordenador geral da última
gestão, Hélio Barreto, 22, que cursa história da arte e também faz parte do
comando de greve. Para ele, o clima de hostilidade e de polarização é
“flutuante”. “O acirramento da polarização política oscila o tempo todo. Se os
centros acadêmicos não estão discutindo e atuando, a polarização ocupa esse
vácuo. Mas se o movimento estudantil dialoga, responde os questionamentos, se
mobiliza, fecha esse espaço. Apesar do comando de greve, temos reuniões do
conselho de base com discussões todos os dias”, explica.
Ainda segundo Hélio, a solução para o acirramento é
a atuação dos centros acadêmicos, que podem promover o debate e dar respostas aos
mais radicais. “A polarização é fabricada por uma situação tensa. Vivemos em
uma universidade em que as pessoas não sabem se vão se formar. E essa
polarização também acaba servindo de esconderijo para orientações políticas
mal-intencionadas. Esse tipo de orientação existe à direita e à esquerda e
aparece em momentos de tensão, de ‘tudo ou nada’”, observa.
Reitor da UnB entre 2008 e 2012, José Geraldo de
Sousa Junior, professor da Faculdade de Direito, defende que a solução para o
momento atual que vive a instituição passa por um programa baseado em quatro
pilares: ampliação da transparência dos atos da gestão; aumento dos espaços de
discussão; criação de ambientes para o debate sobre fatores políticos externos
que impactam a universidade; e potencialização do apoio aos movimentos
culturais. “É necessário trazer a divergência para a esfera pública, criar
espaço para que seja enunciada e, por meio de debates, mediação e programas de
apoio, transformar as diferenças em oportunidades de superação”, detalha.
O ex-reitor lembra que, durante sua gestão, lidou
com oito ocupações. “Tínhamos mesas permanentes de negociações para lidar com
as questões internas e audiências públicas para discutir as agendas de
estudantes”, conta. Para ele, as universidades têm por característica a
circulação de diferenças e tensões. “No momento, a situação está ainda mais
complicada. O corte do orçamento cria um potencial maior de insatisfação,
acentuado pelo momento político do país”, avalia.
Proposta da gestão - A atual reitoria, Márcia Abrahão, também aposta na
promoção do diálogo como forma de apaziguar os ânimos. “Como gestão da
universidade, temos um papel educador. Desde que assumimos, fizemos várias
ações para conscientizar a comunidade para sermos mais tolerantes. Criei o Conselho
de Direitos Humanos, que está elaborando um plano de atuação da UnB tanto
internamente quanto junto ao Governo do Distrito Federal. Também fizemos cursos
para orientar os vigilantes sobre como abordar a comunidade respeitando a
diversidade”, exemplifica a gestora.
O temor é que a instabilidade política do país
aumente ainda mais. “Se a situação se acirrar do lado de fora, isso virá para
cá. Por isso, o Conselho de Direitos Humanos tem realizado debates. Desde que
assumimos, temos feito várias ações do tipo, dentre elas, falando sobre a
emenda constitucional que limita os gastos públicos. Na semana das mulheres,
também promovemos conversas. E procuramos os diretores de institutos, para eles
promoverem o diálogo com estudantes e abordarem a convivência pacífica dentro da
instituição”, elenca a reitora.
Palavra de especialista - A mudança por meio do
debate - A democracia é amiga da paz. Quando ela é
fragilizada, temos uma situação que abre margem para discursos de ódio ganharem
alguma saliência. A partir do momento em que ocorrem determinados eventos
políticos, é como se o jogo político ficasse mais acirrado. Com isso, hoje,
discutir política é um ato de guerra, pois as pessoas passaram a defender lados
com unhas e dentes. E o macro reflete no micro. Percebemos que as conversas
estão mais politizadas, desde o almoço de domingo até o diretório central dos
estudantes.
Dentro de universidades, há um polo muito
conservador para se fazer política. A educação superior está formatada para
questões de natureza profissional, mas não deve ser assim. Precisamos de um
celeiro de gente que pensa os problemas do país, e isso passa por uma dimensão
política. Devido às cotas, o perfil do universitário mudou. Com um novo perfil
socioeconômico e racial, os debates também passaram a se expandir. E isso
ocorre em todas as universidades, não só em Brasília.
Antes de discutir, temos de ter consciência de que,
se não houver uma transformação de mentalidade, teremos apenas debates
políticos precários, insuficientes para trazer a transformação que o país
precisa ter. A universidade é um lugar para pensar formas inovadoras de
resolver os problemas da sociedade, e precisamos ter condições para isso. Mas
precisamos reconhecer outras possibilidades de discutir política, além da
atual, que é feita pensando no outro como um adversário político. - (Lucas Cunha, doutorando em ciência
política e membro do Centro de Estudos Legislativos da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG)
Linha do tempo - Ilustração Blog
2016
Um ato político na Universidade de Brasília tomou contornos
racistas e homofóbicos. Um grupo de cerca de 30 pessoas invadiu o Instituto
Central de Ciências (ICC) com gritos contra uma greve de servidores, por volta
das 21h de 19 de junho. Eles foram abordados pelos alunos da instituição, que
pediam silêncio durante as aulas. As duas partes, então, começaram uma
barulhenta discussão. Alguns manifestantes começaram a xingar os alunos de
gays, pretos e vagabundos.
2013
Em janeiro, na semana do retorno às aulas, alunos
encontraram mensagens ofensivas pichadas nas paredes do Centro Acadêmico de
Direito (Cadir). As frases escritas com tinta guache vermelha eram “Ñ aos
gays”, “Quem gosta de dar, gosta de apanhar”. O reitor da UnB à época, Ivan
Camargo, afirmou que não seriam poupados esforços para localizar e punir os
autores das pichações. Não foram encontrados culpados pela ação.
2012
Professores, alunos e servidores da UnB viveram o
medo de um atentado. Marcelo Valle, 26 anos, e Emerson Rodrigues, 32, ameaçaram
promover um massacre contra os estudantes de ciências sociais. Em 22 de março
daquele ano, a Polícia Federal deflagrou a Operação Intolerância, que colocou
na cadeia dois suspeitos de planejar a ação. Estudantes protestaram (foto).
1968
Durante o regime militar, os alunos protestavam
contra a morte do estudante secundarista Edson Luís de Lima Souto, assassinado
por policiais militares no Rio de Janeiro. Agentes das polícias Militar, Civil,
Política (Dops) e do Exército invadiram a UnB e detiveram mais de 500 pessoas,
entre elas, Honestino Guimarães, desaparecido há mais de 45 anos. O estudante
Waldemar Alves foi baleado na cabeça e passou vários meses internado em estado
grave.
(*) Luiz Calcagno - Pedro Grigori - Colaborou Ana Viriato - Fotos:
Google, Pedro Grigori - Gustavo Moreno/CB/D.A.Press - Lucas Carneiro/Centro
Acadêmico - Ronaldo de Oliveira/CB/D.A.Press - Correio Braziliense