Falar
e falar e falar
*Por Ana Dubeux
Para jornalista, repetição é heresia. Odiamos um
texto cheio de palavras, ideias, frases e estruturas repetidas. Temas que se
sucedem por dias, meses, anos a fio também são sacrificantes. Ficamos, por
aqui, torcendo para noticiar histórias novas. O diferente é um bálsamo,
acredito que também para o leitor. Pois bem. Dito isso, é preciso encarar uma
realidade: há tragédias e absurdos que se repetem todos os dias, estão nos
jornais todos os dias e agridem a sociedade todos os dias. A violência contra
as mulheres é um desses assuntos. Está presente, insistente que é, na nossa
vida. É, portanto, necessário falar sobre isso. Sempre; sempre. Ainda que isso
possa agredir ou chatear os machos, que, depois de séculos como opressores,
adotam um discurso de vítimas do feminismo. Chateia também uma porção de
mulheres machistas — pior para elas.
Falo sobre a conduta dos brasileiros na Rússia e
tantas outras coisas mais. Os machos “brincalhões” que acharam divertido fazer
uma mulher russa falar sobre a cor de sua genitália, entre outros abusos, sem
que ela entendesse o que estava falando. “Foi só uma brincadeira”, “estavam
bêbados”, “não houve intenção nenhuma de ofender”. Assim justificam a atitude
dos homens, que se acham vítimas de uma perseguição implacável ou de um julgamento
por redes sociais. Bem-vindos ao mundo, tal como ele é. Como se diz por aí...
#machistasnãopassarão.
Olha só: não cola mais esse tipo de justificativa.
E, se você é uma das pessoas que conseguem justificar a atitude das mentes
doentias e que acham graça nesse tipo de comportamento, seria bom refletir um
pouco, quebrar a casca, imaginar “e se fosse com minha filha ou irmã”, exercer
um pouco, só para variar, a tal empatia e se informar. O machismo é tão
naturalizado na sociedade que tais atitudes são, para muitos, consideradas
normais. Mas não são. Por força do hábito, estão enraizadas na nossa cultura,
profundamente embutidas no pensamento e nas ações, mas são erradas. E geram
consequências graves.
Na última sexta-feira, assistimos aqui no Correio,
a uma palestra da professora do Departamento de Psicologia Clínica da UnB
Valeska Zanello, convidada a falar dentro do programa que estamos desenvolvendo
internamente chamado Xô, assédio!, um projeto que tem por objetivo implantar um
processo de reflexão e mudança de cultura. Normalmente, temos contato com a
discussão sobre gênero pelas redes sociais e nas mesas de bar. É preciso ouvir
também quem estuda o tema há anos. Valeska fala com propriedade sobre como o
machismo afeta, inclusive, a saúde mental. Escutá-la fez diferença em minha
vida.
Não são muitas as pessoas dispostas a reconhecer
que vivemos numa cultura machista arraigada ou a enxergar valor nas palavras de
quem estuda gênero há longo tempo. A primeira tentativa é sempre desqualificar
o discurso, enxergando exagero e ideologia em vez de realidade. É fácil para o
opressor trafegar na superficialidade, rotulando toda e qualquer reação. Para o
oprimido, restam as profundezas. Talvez por isso, quando conseguem emergir e
reagir, passem uma impressão de radicalismo.
Pode ser que, daqui a milênio ou, sendo otimista,
daqui a um século, possamos falar de machismo com leveza e humor. Quem sabe a
ciência terá encontrado uma fórmula, antídoto ou vacina contra esse mal... Por
enquanto, resta-nos mesmo falar, berrar, gritar e radicalizar, sim, apenas
porque é preciso.
(*) Ana Dubeux - Editora - chefe do Correio
Braziliense - Foto/Ilustração: Blog - Google