Legislação completa 10 anos na
terça-feira. Número de mortes no trânsito caiu 44%, mas a combinação de álcool
com direção parece não diminuir. No DF, entre janeiro e maio deste ano, a cada
24 minutos uma pessoa foi presa ou autuada por dirigir alcoolizada
*Por Pedro Grigori
No
último ano, 303 pessoas foram vítimas de acidentes fatais no trânsito do
Distrito Federal. Pelo menos em 113 casos houve combinação de álcool ou drogas
com direção, segundo os exames de toxicologia do Instituto Médico Legal (IML).
Na próxima terça-feira, a Lei Nº 11.705/2008, mais conhecida como Lei Seca,
completa 10 anos que entrou em vigor para reduzir a guerra no trânsito. Os
números mostram que o caminho ainda é longo, mas neste período, vitórias foram
conquistadas, como a diminuição em 39% do número de vítimas mortas no trânsito.
Na contramão, a quantidade de autuações de pessoas dirigindo alcoolizadas
continua crescendo. Apenas entre janeiro e maio deste ano, a cada 24 minutos,
uma pessoa foi presa ou autuada por dirigir alcoolizado no DF, de acordo com
dados do Departamento de Trânsito (Detran-DF).
"Vivo
um dia de cada vez. Tento manter uma rotina. Acordo, levo meu cachorro para
passear, vou trabalhar e volto para casa. Às vezes, vou ao cinema, mas ainda
não consigo estipular novos objetivos" - (Fabiana Gouvêia, viúva de vítima
de acidente)
Desde
2016, quem é pego dirigindo embriagado passou a pagar multa no valor de R$
2.934,70 além de ter a carteira de habilitação suspensa pelo prazo de 12 meses.
Ao assoprar o bafômetro, aqueles com resultado a partir de 0,30 miligrama de
álcool por litro de ar respondem criminalmente à infração e ser presos por até
três anos. Mesmo com o endurecimento da punição, levantamento do Detran-DF
mostra que 509 motoristas foram flagrados mais de três vezes dirigindo
alcoolizado.
As punições, mesmo rígidas, ainda não impedem que novas tragédias continuem ocorrendo. Em abril de 2017, Ricardo Clemente Cayres, 46, a mãe dele, Cleusa Maria Cayres, 69, morreram em um acidente de carro na L4 Sul. Segundo a investigação, dois carros faziam um pega na via, quando um deles colidiu com o carro onde as vítimas estavam. Os veículos eram conduzidos pelo bombeiro Noé Albuquerque de Oliveira, 42, e o advogado Eraldo José Cavalcante Pereira, 34, que apresentavam sinais de embriaguez. O Ministério Público indiciou os dois por duplo homicídio doloso triplamente qualificado. Até hoje, os suspeitos não passaram sequer um dia na cadeia.
Passados 14 meses do acidente, a revisora gráfica Fabricia Gouvêia, 48, viúva de Ricardo, ainda não conseguiu fazer novos planos. “Vivo um dia de cada vez. Tento manter uma rotina. Acordo, levo meu cachorro para passear, vou trabalhar e volto para casa. Às vezes, vou ao cinema, mas ainda não consigo estipular novos objetivos”, falou, relembrando o futuro que havia desenhado com o marido. Na semana do acidente, eles haviam encontrado um lote onde construiriam duas casas, uma para eles e outra para os pais de Ricardo. “A saudade vem de coisas pequenas. Ele era um sonhador, adorava conversar sobre espaço sideral, fazia de qualquer besteira um assunto de horas. Fui ao cinema ver Os Vingadores, e ele adorava filme de heróis. Foi aí que a saudade bateu forte. Em saber que ele não está aqui comigo para viver esses momentos”, relatou.
Fabrícia disse que nunca combinou bebida com o volante, mas após a tragédia que abateu a família, teve mais certeza ainda do perigo trazido pelo ato. “Infelizmente, é algo que muitos naturalizaram. Mesmo após a morte do Ricardo, vejo amigos nossos pegando o volante após beber. É algo que precisa mudar, e só com a rigidez da aplicação da lei é possível mudar”, acredita. O Correio entrou em contato com Alexandre Queiroz, advogado dos acusados de participarem do racha na L4 Sul. Ele informou que só vai se posicionar após a apresentação das alegações finais, que devem ocorrer na próxima semana.
Para o estudante Matheus Sanches, 21, ser pego uma vez pela legislação foi suficiente para mudar seu comportamento. Em 12 de outubro do ano passado ele foi flagrado em uma blitz, após sair de um evento universitário. “Parei de beber às 16h, e quando fui parado, 0h, o bafômetro ainda deu positivo”, relembra. Sanches continua saindo para bares e festas, mas utiliza carros de aplicativos ou combina com a namorada de apenas um dos dois consumirem bebidas alcoólicas para que o outro volte dirigindo. “Na hora que recebi a multa fiquei com muita raiva, achei injusto, pois não me sentia alcoolizado. Mas depois vi que eu estava errado e que o ocorrido foi necessário para mudar minha consciência”, admitiu.
As punições, mesmo rígidas, ainda não impedem que novas tragédias continuem ocorrendo. Em abril de 2017, Ricardo Clemente Cayres, 46, a mãe dele, Cleusa Maria Cayres, 69, morreram em um acidente de carro na L4 Sul. Segundo a investigação, dois carros faziam um pega na via, quando um deles colidiu com o carro onde as vítimas estavam. Os veículos eram conduzidos pelo bombeiro Noé Albuquerque de Oliveira, 42, e o advogado Eraldo José Cavalcante Pereira, 34, que apresentavam sinais de embriaguez. O Ministério Público indiciou os dois por duplo homicídio doloso triplamente qualificado. Até hoje, os suspeitos não passaram sequer um dia na cadeia.
Passados 14 meses do acidente, a revisora gráfica Fabricia Gouvêia, 48, viúva de Ricardo, ainda não conseguiu fazer novos planos. “Vivo um dia de cada vez. Tento manter uma rotina. Acordo, levo meu cachorro para passear, vou trabalhar e volto para casa. Às vezes, vou ao cinema, mas ainda não consigo estipular novos objetivos”, falou, relembrando o futuro que havia desenhado com o marido. Na semana do acidente, eles haviam encontrado um lote onde construiriam duas casas, uma para eles e outra para os pais de Ricardo. “A saudade vem de coisas pequenas. Ele era um sonhador, adorava conversar sobre espaço sideral, fazia de qualquer besteira um assunto de horas. Fui ao cinema ver Os Vingadores, e ele adorava filme de heróis. Foi aí que a saudade bateu forte. Em saber que ele não está aqui comigo para viver esses momentos”, relatou.
Fabrícia disse que nunca combinou bebida com o volante, mas após a tragédia que abateu a família, teve mais certeza ainda do perigo trazido pelo ato. “Infelizmente, é algo que muitos naturalizaram. Mesmo após a morte do Ricardo, vejo amigos nossos pegando o volante após beber. É algo que precisa mudar, e só com a rigidez da aplicação da lei é possível mudar”, acredita. O Correio entrou em contato com Alexandre Queiroz, advogado dos acusados de participarem do racha na L4 Sul. Ele informou que só vai se posicionar após a apresentação das alegações finais, que devem ocorrer na próxima semana.
Para o estudante Matheus Sanches, 21, ser pego uma vez pela legislação foi suficiente para mudar seu comportamento. Em 12 de outubro do ano passado ele foi flagrado em uma blitz, após sair de um evento universitário. “Parei de beber às 16h, e quando fui parado, 0h, o bafômetro ainda deu positivo”, relembra. Sanches continua saindo para bares e festas, mas utiliza carros de aplicativos ou combina com a namorada de apenas um dos dois consumirem bebidas alcoólicas para que o outro volte dirigindo. “Na hora que recebi a multa fiquei com muita raiva, achei injusto, pois não me sentia alcoolizado. Mas depois vi que eu estava errado e que o ocorrido foi necessário para mudar minha consciência”, admitiu.
Novas oportunidades de negócio
Uso
do bafômetro em blitz do Detran: especialistas cobram aprimoramento da
legislação, com mais rigor
Há
10 anos em vigor, a Lei Seca trouxe mudanças, não só no comportamento da
população, mas também no modo de fazer comércio. O que em um primeiro momento
foi visto como um problema para os bares, trouxe também novas oportunidades. O
presidente do Sindicato dos Hotéis Bares e Restaurantes (Sindhobar), Jael
Antonio da Silva, avaliou que a legislação ajudou a descentralizar os bares.
“Aumentou o número de bares de bairro. As pessoas deixaram de vir sempre ao
centro, para frequentar locais próximos de casa, onde podem ir e voltar a pé”,
constatou. Jael assegurou que o sindicato percebe o aumento no número de
distribuidoras de bebidas em áreas residenciais, o que mostra que muitas vezes
as pessoas preferem beber em casa.
Para a próxima década, a expectativa de especialistas e órgãos fiscalizadores é de que a Lei Seca continue a ser atualizada. O diretor do Detran-DF, Silvain Fonseca, destacou a importância da legislação, que segundo ele, fortaleceu a ação dos agentes nas ruas. “Hoje, se pessoa não quer soprar o bafômetro, o agente pode colocar na ficha que ele se recusou e o processo segue. Com isso, o Estado cumpre o papel de tirar de circulação um motorista que pode causar uma tragédia. Além da diminuição do número de mortes, R$ 144 milhões deixaram de ser gastos em hospitais do DF no atendimento de quem poderia ter sido vítima de acidentes de trânsito”, contabilizou.
Silvain acredita que o aprimoramento da lei deveria tomar providências em relação aos reincidentes. “Fazer com que os condutores que são dependentes de álcool tenham apoio para serem tratados. É preciso também investir em mecanismos não só para reprimir ações, mas também para prevenir. Além disso, é importante que se mude a cultura. Para isso, apostaria em mais programas de educação de trânsito nas escolas”, enumerou.
Em termos globais, adultos entre 20 e 29 anos têm três vezes mais chances de se envolver em acidentes de trânsito do que condutores com idade a partir dos 30 anos, afirma Victor Pavarino, consultor de segurança no trânsito da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS). Por isso, ele aposta em atualizações da legislação para públicos específicos. “Muitos países aplicam limites de alcoolemia mais rigorosos para esses segmentos. Motoristas profissionais são outro grupo muito exposto, em função do tamanho e do tipo de veículos que podem dirigir”, explicou.
Para a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), responsável pela produção da nota técnica que resultou na aprovação da Lei Seca, uma sugestão de aperfeiçoamento da legislação é punir não só o condutor. “Diversos países passaram a punir também os donos de festas, boates e restaurantes que, ao ver que a pessoa está sem condições de voltar para casa, não o impedem de dirigir”, informou Alberto Sabbag, médico e diretor da Abramet. “A pessoa é punida pela negligência. Se ofereceu bebida para alguém na festa que estava fazendo ou se obteve lucro com aquele consumo, ela se torna corresponsável por aquilo que o condutor faz”, completou. (PG)
R$ 144 milhões - Valor que deixou de ser gasto em hospitais do DF com atendimento vítimas do trânsito
Para a próxima década, a expectativa de especialistas e órgãos fiscalizadores é de que a Lei Seca continue a ser atualizada. O diretor do Detran-DF, Silvain Fonseca, destacou a importância da legislação, que segundo ele, fortaleceu a ação dos agentes nas ruas. “Hoje, se pessoa não quer soprar o bafômetro, o agente pode colocar na ficha que ele se recusou e o processo segue. Com isso, o Estado cumpre o papel de tirar de circulação um motorista que pode causar uma tragédia. Além da diminuição do número de mortes, R$ 144 milhões deixaram de ser gastos em hospitais do DF no atendimento de quem poderia ter sido vítima de acidentes de trânsito”, contabilizou.
Silvain acredita que o aprimoramento da lei deveria tomar providências em relação aos reincidentes. “Fazer com que os condutores que são dependentes de álcool tenham apoio para serem tratados. É preciso também investir em mecanismos não só para reprimir ações, mas também para prevenir. Além disso, é importante que se mude a cultura. Para isso, apostaria em mais programas de educação de trânsito nas escolas”, enumerou.
Em termos globais, adultos entre 20 e 29 anos têm três vezes mais chances de se envolver em acidentes de trânsito do que condutores com idade a partir dos 30 anos, afirma Victor Pavarino, consultor de segurança no trânsito da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS). Por isso, ele aposta em atualizações da legislação para públicos específicos. “Muitos países aplicam limites de alcoolemia mais rigorosos para esses segmentos. Motoristas profissionais são outro grupo muito exposto, em função do tamanho e do tipo de veículos que podem dirigir”, explicou.
Para a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), responsável pela produção da nota técnica que resultou na aprovação da Lei Seca, uma sugestão de aperfeiçoamento da legislação é punir não só o condutor. “Diversos países passaram a punir também os donos de festas, boates e restaurantes que, ao ver que a pessoa está sem condições de voltar para casa, não o impedem de dirigir”, informou Alberto Sabbag, médico e diretor da Abramet. “A pessoa é punida pela negligência. Se ofereceu bebida para alguém na festa que estava fazendo ou se obteve lucro com aquele consumo, ela se torna corresponsável por aquilo que o condutor faz”, completou. (PG)
R$ 144 milhões - Valor que deixou de ser gasto em hospitais do DF com atendimento vítimas do trânsito
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(*) Pedro
Grigori - Fotos: Detran/Divulgação - Ed Alves/Cb/D.A.Press - Monique
Renne/CB/D.A.Press -Correio Braziliense