A pátria de chuteiras
*Por Márcio
Cotrim
Enquanto nossos craques começam a lutar pelo título
mundial, nós aqui, curiosos, tomamos conhecimento do berço de palavras ligadas
ao velho e violento esporte bretão, como Luiz Mendes chamava o futebol.
Bicicleta — Jogada em que o atleta, de costas para o
goleiro adversário, salta e chuta no ar para trás, por cima da própria cabeça,
como se estivesse pedalando uma bicicleta. Seu criador foi Leônidas da Silva,
apelidado por Assis Chateaubriand de Diamante Negro. Sobre essa singular
jogada, vale lembrar o comentário do técnico Gentil Cardoso ao ver um novato
meio cabeça de bagre tentar dar a bicicleta e esborrachar-se no chão: “Meu
filho, se você já é ruim jogando em pé, imagine de cabeça para baixo”.
Dar zebra — O simpático animal listrado não
faz parte da lista dos 25 bichos dessa que é uma coqueluche brasileira. O berço
da expressão nos leva outra vez a Gentil Cardoso. Nos anos 1950, ele dirigia a
modesta equipe da Portuguesa carioca. Num domingo, seu time enfrentaria o
poderoso Vasco da Gama. Ouvido pela imprensa, um Gentil viciado no jogo do
bicho e superconfiante declarou para quem quisesse ouvir: “Hoje vai dar zebra”,
isto é, um bicho que ninguém imaginava.
Dito e efeito. A Portuguesa venceu por 2x1 e a
expressão se popularizou. No vestiário, o técnico foi gabola: “Não disse que ia
dar zebra?”. O equídeo continua a assombrar muito torcedor. Por exemplo,
qualquer vitória do Íbis, de Pernambuco, tido como o pior time do mundo, é uma
autêntica zebra.
Gol de placa — A palavra goal, objetivo, meta, é inglesa,
mas não há um súdito de Sua Majestade que grite goal! quando a bola entra. O
que se escuta do estádio é aquele ohhhh!!, típico da fleugma britânica.
Já a expressão gol de placa é a glória máxima do
gol. Ele aconteceu em pleno Maracanã, em 5 de março de 1961, num jogo entre
Fluminense e Santos. Pelé, no meio do campo, partiu em disparada. Levou seis
adversários de roldão até ver-se diante de um perplexo goleiro Castilho. Aí, só
teve o trabalho de empurrar a bola para o fundo das redes, para assombro de
tricolores frustrados, mas maravilhados.
Joelmir Betting, repórter esportivo na época, ficou
tão impressionado que sugeriu a confecção de uma placa que eternizasse o feito.
Uma semana depois ela foi inaugurada pelo próprio Pelé no saguão do Maracanã.
Joelmir, sempre espirituoso, assim se referiu ao episódio: “Nunca fiz gol de
placa, mas fiz placa do gol”.
Gol olímpico — É o que ocorre, em chute direto, a partir da
cobrança de um escanteio. O primeiro de que se tem notícia no mundo foi
registrado no campo do Centro Sportivo Barracas, em Buenos Aires, em 2 de
outubro de 1924, e seu autor foi o ponta-esquerda Cezareo Onzeri, da seleção
argentina, num jogo contra o Uruguai, que havia conquistado o torneio do
futebol nas Olimpíadas naquele ano.
Por ter sido assinalado num jogo contra campeões
olímpicos, recebeu o nome de gol olímpico. Entre nós, um especialista no
assunto é o sérvio Petkovic, que deixou saudade pela façanha tantas vezes
repetida defendendo as cores do Fluminense e do Flamengo.
Gol de ouro — Instituído pela Fifa para decidir uma
prorrogação, teve vida breve. Quando assinalado, o jogo se encerrava
instantaneamente, mas tantos foram os protestos que acabou sendo suprimido.
Também, pudera: ele deve ter aumentado o consumo de Isordil sublingual no
mundo.
Drible da vaca — A palavra drible tem seu
berço no inglês dribbling, ato de driblar, gingar o corpo controlando a bola
com o pé, ludibriar o adversário. A propósito, você já viu um jogo de futebol
numa fazenda? Pois é, nele, quando menos se espera, uma vaca invade o campo e o
jogador tem que dar o drible da vaca, ou seja, jogar a bola por um lado e sair
correndo — da vaca… — pelo outro.
Foi o fenomenal Garrincha que popularizou a
expressão, pois ele, quando menino, era useiro e vezeiro em driblar vaca de Pau
Grande — em tempo: estou falando é do nome da cidade em que ele nasceu.
O mais célebre de todos os dribles da vaca foi o
que Pelé aplicou no goleiro da seleção uruguaia Mazurkiewicz, na Copa do Mundo
de 1970, realizada no México. E, com um requinte adicional, nem tocou na bola:
enriqueceu a jogada com um drible de corpo! Grande injustiça, essa obra-prima
do futebol não ter tido final feliz: a bola não entrou, tirou tinta da trave!
Mesmo assim, até hoje provoca assombro em quem revê o incrível lance. Mais um
do rei do futebol.
(*) Márcio Cotrim – Coluna semanal do Correio Braziliense